O que está hoje em jogo são 60 anos de caminhar juntos no objetivo de evitar um novo período de caos
Sempre que posso venho a Paris ainda no inverno, quando a cidade está mais livre das multidões de turistas e o viajante pode se sentir um pouco mais habitante desta cidade que realmente amo muito.
Meu espaço vital preferencial é sempre o Quartier Latin e suas pequenas ruas com traços ainda de uma Paris que sei que não existe mais. Longe de BlackBerries e iPads fica mais fácil -por incrível que pareça ao meu leitor da Folha- seguir os acontecimentos políticos e econômicos neste mundo em crise.
A internet e o dia a dia dos mercados financeiros, com suas informações minuto a minuto, levam-nos na maioria das vezes a análises superficiais e ditadas pela mídia na sua busca do imediato.
Nesta minha viagem fico restrito à leitura dos jornais tradicionais-aqui em Paris eles estão em todos os milhares de bancas de jornais espalhadas pela cidade-, sentado em uma mesa do Café de Flore, meu favorito entre os que existem no velho Quartier.
Apesar de 24 horas atrasado em relação aos mercados, a leitura de comentários e artigos sobre a crise europeia me colocam à frente no entendimento dos reais desafios enfrentados pelo euro.
Afinal, Paris sempre foi um dos centros mais importantes dessa região tão antiga e cheia de história que é a Europa e o "estar presente nos acontecimentos" ajuda muito o analista em sua busca.
O que tem escapado a muitos analistas é a profundidade e o escopo da experiência da Europa unida vivida depois do Tratado de Maastrich, que criou o euro. Esse foi apenas o último passo de uma longa marcha, iniciada em 1950 com a criação do tratado sobre a indústria de aço na Europa continental.
Com os traumas e sofrimentos trazidos pela Segunda Guerra Mundial ainda vivos e presentes em várias sociedades, as lideranças políticas de então iniciaram um ambicioso projeto político -e não apenas econômico- para evitar um novo conflito armado. Com um senso de realismo que faltou a Mitterrand e Kohl -os pais do euro-, começaram um projeto de cooperação centrado nas grandes potências da Europa, que eram a França e a Alemanha.
Foram pequenos passos na direção de uma integração possível e sólida, valores que foram abandonados depois que a queda do Muro de Berlim trouxe um sentimento de euforia e soberba aos líderes políticos de então.
Por isso o que está hoje em jogo são 60 anos de caminhar juntos no objetivo de evitar um novo período de caos e sofrimentos. E a grande maioria da opinião pública nos países envolvidos ainda sabe disso e não quer voltar ao estágio anterior.
Essa é a questão que escapa aos mercados e à mídia -principalmente na Inglaterra- quando pregam aos quatro ventos a inevitabilidade do abandono do euro e a volta da dominância das realidades nacionais no arranjo institucional no espaço europeu.
Isso não vai acontecer mesmo que o custo de reconstruir um euro mais realista e funcional seja elevado e obrigue a um esforço conjunto no espaço de dois ou três anos.
O que deve acontecer é uma volta atrás e a busca de regras que incorporem o fato de que, apesar de unidas em um espaço monetário comum, as nações ainda existem com seus valores culturais e individuais.
E o desenho dessa retirada ordenada em busca de uma união estável, mais realista, ainda não está pronto.
Não por outra razão, a primeira-ministra alemã, em um discurso ontem no encontro de Davos, pediu a confiança dos mercados para que esse novo desenho seja encontrado e implementado ao longo dos próximos meses. Em seu realismo germânico, -corretamente- disse que não existe a solução rápida e única exigida pelos mercados.
E a reação parece ter sido positiva, pois as medidas de risco associadas aos títulos de dívida soberana dos países mais afetados -Itália e Espanha principalmente- recuaram, apesar de a tragédia grega ainda estar em seu auge.
Continuo a confiar que, desafiada pelo fim de um sonho político real que esteve tão perto de ser alcançado, a liderança política da Europa vá ter sucesso nessa sua busca.
Luiz Carlos Mendonça de Barros, 69, engenheiro e economista, é economista-chefe da Quest Investimentos. Foi presidente do BNDES e ministro das Comunicações (governo Fernando Henrique Cardoso).
FONTE: FOLHA DE S. PAULO
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