Dois assuntos conexos e danosos ao exercício da política, logo à própria democracia, caminham para o desfecho no Congresso, na ausência de exame e debate mais acurados sobre suas consequências: a tal minirreforma eleitoral e o chamado orçamento impositivo. Por enganosas, as duas propostas merecem ressalvas no próprio nome. A combinação entre essas duas iniciativas não deixa dúvidas sobre o que virá. Com as campanhas cada vez mais caras, e os parlamentares transformados em donos de “fatias do orçamento”, a corrupção aumentará na esfera da política.
Na semana passada, em entrevista ao jornal O Globo, o diretor de combate ao crime organizado da Polícia Federal, Oslain Santana, afirmou que mais da metade dos escândalos de corrupção investigados estão relacionados com o financiamento de campanhas. E onde tem doações de campanha, existem conexões com o orçamento federal. A Câmara aprovou anteontem, dependendo de confirmação de algumas mudanças pelo Senado, o projeto enganador da minirreforma eleitoral, que não mexe nas feridas do sistema eleitoral. Pelo contrário, fortalece a política movida a dinheiro, que impede a renovação e favorece o “status quo”. Ninguém sabe se poderá valer em 2014, pois foi aprovada a menos de um ano do pleito, mas isso não muda o fato de que se trata de uma farsa da reforma política necessária, sem a qual não haverá jamais a “nova política” pregada pela ex-senadora Marina Silva e desejada pelas legiões de frustrados com a política.
A eleição de 2002 teve um custo global de R$ 800 milhões, que saltou para R$ 4,8 bilhões em 2010. Nesse ritmo, diz o deputado Henrique Fontana (PT-RS), a de 2014 poderá chegar aos R$ 8 bilhões. “Essa corrida do ouro é que estamos estimulando com este projeto que proíbe peças acessórias de campanha, mas não limita os gastos dos candidatos nem as doações dos financiadores”, lamenta o relator da finada reforma política. “Veja que coisa. Essa reforma proíbe que eu pendure uma faixa com meu nome, que custará R$ 10, na frente da minha própria casa. Mas poderei contratar cabos eleitorais, pagando o que quiser”, diz o deputado Garotinho (PR-RJ). Mas esse jogo está feito. O Senado referendará a proposta e veremos se a presidente vai sancioná-la sem reparos. E, depois, o TSE decidirá sobre a vigência, se em 2014 ou em 2016. A reforma farsesca prova a incapacidade dos congressistas de mudar as regras do jogo que jogam, recomendando ao vencedor da disputa presidencial, seja quem for, que destine um pouco da força inicial do mandato à reforma política.
Capitanias orçamentárias
O chamado orçamento impositivo não merece esse nome fantasia porque obriga o Executivo a executar apenas as emendas parlamentares. E nem são todas, apenas as individuais, lembra o líder do PSDB, Aloysio Nunes Ferreira, pois existem as emendas de bancadas estaduais, que supostamente expressam melhor as necessidades regionais, e as de comissões, que deveriam representar o compromisso com projetos setoriais estratégicos. As individuais é que farão de cada parlamentar um donatário de capitanias orçamentárias, como aqueles fidalgos portugueses que ganharam pedaços do Brasil para explorar.
Pouquíssimos congressistas ousam falar contra o que está sendo apontado como uma grande conquista, a alforria dos parlamentares em relação a um Executivo que usa as emendas como moeda de troca na busca de apoio, o que tem estigmatizado negativamente os dois lados do balcão. Essa doença existe, mas o remédio está errado.
No Senado, o vice-presidente Jorge Viana (PT-AC) também é visto como herético pela maioria de seus pares, porque vem apontando os perigos da iniciativa. “Ela fará cada deputado responsável pela execução de pelo menos R$ 50 milhões ao longo do mandato. O senador, em seu mandato de oito anos, por R$ 100 milhões. O resultado será obviamente uma combinação entre emendas, corrupção e financiamento de campanhas. Quantos escândalos serão necessários para admitirmos que isso é um erro? No fundo, estaremos legalizando as ações que, no passado, levaram à cassação os anões do orçamento”, diz Viana.
Outro dos poucos críticos da bandeira do baixo clero, o senador Humberto Costa (PT-PE), como relator, propôs a destinação de pelo menos 50% dos recursos do valor global das emendas para ações na área de saúde. “Isso é bom, mas o escândalo dos sanguessugas e tantos outros ocorreram na área da saúde”, lembra Nunes Ferreira. O Executivo barganha liberações por apoios, mas a solução, para o líder tucano, é criar regras mais rígidas para a execução orçamentária. “Se aprovarmos a Lei de Responsabilidade Orçamentária, do ex-senador Tasso Jereissati, relatada pelo senador Francisco Dornelles, teremos uma nova disciplina, que porá freio na barganha e nos livrará dos riscos desse orçamento parcialmente impositivo”, diz ele.
Afora o risco de corrupção e aumento da desmoralização da política, a mudança terá consequências operacionais irracionais. O governo será obrigado a montar uma grande estrutura só para executar as emendas parlamentares. Se cada deputado, com sua verba de R$ 15 milhões, apresentar 25 emendas, serão 15 mil ações. O Executivo terá de liberar recursos para cada uma, o que exige convênios e outros procedimentos. A Comissão Mista de Orçamento, por sua vez, terá de acompanhar a execução de cada uma. Toda sua estrutura e uma enorme energia política, criadas para garantir a prerrogativa do Parlamento, de aprovar a LDO e a lei orçamentária anual, podendo emendá-la ou modificá-la, será consumida nesse varejão. Ainda é tempo para alguma reflexão sobre o assunto.
O Congresso caminha para a aprovação de duas iniciativas que, combinadas, ampliam os riscos de corrupção e de desmoralização da política
Fonte: Correio Braziliense
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