Vanessa Jurgenfeld
SÃO PAULO - O economista José Eli da Veiga, professor sênior do Instituto de Energia e Ambiente da Universidade de São Paulo (USP), diz que ainda nenhum pré-candidato à eleição presidencial de 2014 adotou o desenvolvimento sustentável como prioridade.
Para Veiga, os políticos em geral, na verdade, não sabem o que significa desenvolvimento sustentável e não perceberam que a sustentabilidade se tornou um valor equivalente a outros, como igualdade e liberdade. Diz que aquele que tem o desenvolvimento sustentável como prioridade deveria ter a ciência e a tecnologia como principal área no seu governo. "O Brasil infelizmente é uma nação infantil em ciência e tecnologia. Não acordou para a importância da educação científica", afirmou, em entrevista ao Valor. "Teve uma época em que falar de educação de qualidade era muito importante porque houve um acesso grande e estava faltando qualidade fosse qual fosse. Não estamos discutindo isso agora. Estamos discutindo uma estratégia para o Brasil", acrescentou.
Os próprios royalties do pré-sal, afirma o economista, não deveriam ter sido vinculados à educação de maneira geral, mas sim à ciência e tecnologia, incluindo educação. "É impressionante que a gente fale 'segunda lei da termodinâmica' e ninguém nunca tenha ouvido falar", disse, sobre alguns dos problemas do ensino no país.
Veiga foi um dos fundadores do Rede Sustentabilidade, que acabou não tendo a candidatura da ex-ministra Marina Silva aprovada. Em breve, ele pretende ajudar a dupla Eduardo Campos-Marina na elaboração de propostas. Mas faz uma ressalva: "Só entrarei na campanha se Campos vier a encarnar um projeto que conteste o atual governo pela esquerda".
A seguir, os principais trechos da entrevista:
Valor: O sr. acha que os possíveis candidatos de 2014 vão ter foco no desenvolvimento sustentável?
José Eli da Veiga: A minha impressão é que eles não sabem o que é desenvolvimento sustentável, exceto a Marina. Mas a Marina não é mais candidata à Presidência. Tenho minhas dúvidas de que forma Eduardo Campos (PSB) entende isso. Eu não o conheço bem. E também acho que o discurso dele [Campos] não está suficientemente conhecido para saber até que ponto leva em consideração o desenvolvimento sustentável. Mas a minha impressão geral é que, com raras exceções, os políticos ainda não chegaram lá. Desenvolvimento sustentável para eles ainda é uma coisa um pouco vaga. Na verdade, não perceberam que a sustentabilidade se tornou um valor equivalente a outros como igualdade e liberdade.
Valor: O sr. achou a aliança de Marina Silva com Eduardo Campos acertada?
Veiga: Acho que em primeiro lugar todo mundo ficou surpreso e ele [Campos] não escapou disso. Houve muitos relatos na imprensa. Até o momento em que Marina soltou isso naquela reunião, ninguém imaginava. Foi realmente uma grande surpresa. A Marina observou a trajetória dele, como foi sua a atitude em relação à criação do Rede, o fato de ele ter como secretário do meio ambiente em Pernambuco um nome muito ligado à Marina (Sérgio Xavier, do PV, que foi uma pessoa-chave para colocar a Marina no PV em 2010). Acho que ela tinha referências de que isso [aliança com Eduardo Campos] poderia ser coerente.
Valor: E está coerente, na sua opinião? Há uma busca de Campos pelo apoio do agronegócio, por exemplo. Como fica essa equação com uma ambientalista como vice?
Veiga: Acho que a gente está pagando um preço pelas pessoas usarem essa expressão "agronegócio" sem mais.
Valor: Como assim?
Veiga: Se você pegar os que são colocados como os principais representantes do agronegócio, nenhum é do agronegócio. São da agricultura. Agronegócio em principio é, por exemplo, a Natura.... Isso é que é agronegócio, porque é uma empresa do setor transformador de produtos que têm origem na natureza. Quando você vê cálculos econômicos, como o do PIB do agronegócio, nele entra até indústria farmacêutica. No entanto, quando você vai ver, Roberto Rodrigues é fazendeiro, é agrônomo. O presidente da Rural [Sociedade Rural Brasileira (SRB)] é proprietário de terra. O que criou o problema com a Marina, o deputado Ronaldo Caiado, é médico, mas é basicamente um especulador fundiário. Esse pessoal que tem gado no centro-oeste não é nem agricultor. O que é a agricultura no Sul do país comparada com o que é um fazendeiro de gado no Centro-oeste? São coisas completamente diferentes.
Valor: O sr. está se referindo a latifundiários?
Veiga: É que essa palavra está muito carregada. Então, em geral, evito usá-la Mas, assim, proprietário de terra que ganha mais com a valorização da terra do que com o negócio....
Valor: Mas qual a relação disso com Campos? Ele está buscando essas pessoas?
Veiga: Suponho que ele saiba que neste discurso do agronegócio se escondem muitas coisas. Tem desde anjo até bicho-papão e tudo usa o rótulo de agronegócio. Mas, na verdade, você não pode tratar da mesma forma um empresário produtivo e eficiente da agricultura basicamente do Sul e Sudeste da mesma forma que você lida com um grande fazendeiro de gado do Centro-Oeste. No Centro-Oeste, grande parte do cerrado foi ocupada de maneira absolutamente predatória. Já foi. Essa briga toda que teve em torno do novo Código Florestal não era tanto para saber o que vai acontecer daqui para frente. É que eles queriam que nós, como sociedade, aceitássemos e convalidássemos que eles destruíram as áreas de preservação permanente e puseram capim, que é a coisa mais absurda, contra qualquer regra agronômica.
Valor: Depois do capim não dá mais para recuperar...
Veiga: Pior, algumas dessas áreas vão para desertificação. O fato é que destruíram áreas de preservação permanente [APPs] adoidado e quiseram, com o Código Florestal, legitimar isso. A briga foi essa. Então, a bronca que existe contra a Marina e contra nós todos que pensamos em sustentabilidade - e eu não sou ambientalista - é o fato de que a discussão era para que não fosse legitimado o que fizeram e que eles fossem colocados a recuperar essas áreas. Qualquer agrônomo, mesmo que seja de extrema direita, concorda comigo. Da mesma forma que eu - contrariamente a muitas pessoas do chamado ambientalismo - entende que, se uma área tem um potencial (alta aptidão agrícola), é normal que seja desmatada. Teria que existir um mecanismo de compensação, que se ainda a gente hoje tiver áreas com florestas mas que tenham um solo de alta aptidão agrícola, compense a gente desmatar essas, desde que sejam recuperadas outras. Já as áreas que têm baixa aptidão agrícola deveriam ser todas reflorestadas. As áreas de preservação permanente não têm aptidão agrícola alguma. São margens de rios, nascentes. Aí que está o conflito.
Valor: Poderia explicar melhor o conflito?
Veiga: Na agricultura, tem dois tipos de rentabilidade: a rentabilidade corrente, que é essa em função do teu esquema produtivo, mas você tem também uma rentabilidade patrimonial alta, que costuma ser mais importante do que a produção em si. Hoje um agricultor que consiga tirar uma rentabilidade comparável ao que ocorre em outros setores, como o financeiro, é herói. Esse cara não tem absolutamente nada a ver com os caras que contestam a Marina.
Valor: Mas muitas pessoas os veem unificados em torno do termo agronegócio.
Veiga: Existe um espírito de corpo criado neste setor que é surpreendente. Recentemente, teve uma entrevista do Roberto Rodrigues, que é um dos mais arejados do setor, e ele deixou isso muito claro. Ele sabe que Caiado não tem nada a ver com ele, mas eles têm uma espécie de pacto, de que eles jamais aceitam uma coisa que os diferencie. Querem falar como uma coisa só, um setor, um corpo. Então, há um jogo aí. Usam essa expressão agronegócio, mas, na verdade, é o setor agropecuário.
Valor: Campos e Marina estão selecionando apoios nesse grupo?
Veiga: Não sei se estão selecionando. O discurso da Marina é pelo aumento da produção pela produtividade e não pela área. Quantos desses caras topam isso? Os agricultores tecnificados em geral estão buscando isso, eles topam. Quem não vai topar é o sujeito que só ganha dinheiro se fizer uma pecuária ultraextensiva, sem gerar nenhum emprego, onde basta um empregado e a única coisa que ele vai fazer é dar sal ao gado e ficar esperando o dia em que vai levá-lo para o abatedouro. Esses caras não têm nenhum plano de aumentar a produtividade. Pelo contrário. Sequer querem aumentar a produção. Preferem manter esse esquema rentável, principalmente se vier uma valorização das terras.
Valor: Não há então uma contradição, Campos e Marina estão buscando aqueles que são favoráveis a um projeto verde?
Veiga: O ideal, evidentemente, seria poder dizer quem dentro desse bloco é da agricultura sustentável porque eles seriam mais sensíveis a uma candidatura deste tipo. Mas ainda não está muito clara essa diferenciação. Nas lideranças do dito agronegócio, esse pessoal ligado à sustentabilidade morre de medo dos outros. Morre de medo de dizer alguma coisa que possa contrariar a Katia Abreu [presidente da CNA]. Então, não é fácil. O que Campos tem tentado fazer é que todo mundo que topa conversar, ele vai conversar. E eles [Campos e Marina] não vão fechar com ninguém. Farão uma plataforma e vão apresentar para todos e depois esperar no que vai dar.
Valor: Acha que a candidatura de Campos é em prol do desenvolvimento sustentável?
Veiga: A da Marina teria sido com certeza. A do Eduardo Campos, se eu disser que sim, vai ser partidarismo. Ele tem sido extremamente cauteloso nos discursos. Não noto que ele é o candidato do desenvolvimento sustentável, por enquanto. Pode até vir a ser.
Valor: A Marina, sendo vice, não tem força para a candidatura dele ter essa bandeira?
Veiga: Tem estímulo, mas esbarra em muita coisa. A imprensa tem procurado mostrar isso quando diz que ele ganhou essa vitamina, com apoio da Marina, mas já tinha compromissos estaduais que não vão nesta direção. Particularmente, aqui em São Paulo, por exemplo, se o PSB resolver mesmo manter essa aliança que tem com os tucanos, acho que isso descaracteriza completamente a candidatura dele aqui. Eu, por exemplo, não vou fazer campanha para Campos se isso significar apoio ao Geraldo Alckmin [governador de São Paulo]. E como eu deve ter uma torcida do Flamengo.
Valor: Há dois economistas que são importantes nesta candidatura de Marina e Campos - o André Lara Resende e o Eduardo Giannetti da Fonseca. Podem trazer essa agenda do desenvolvimento sustentável?
Veiga: Sim. Eu conheço bem os dois. Acho que eles têm uma identificação grande com a Marina. Não notei ainda se eles têm a mesma identificação com o Campos. Não deram nenhum sinal.
Valor: Algumas pessoas estão considerando esses economistas como ortodoxos...
Veiga: Acho que essa divisão ortodoxo e heterodoxo, no caso particularmente deles, está superada. Não é por aí que a gente vai entender o que eles pensam. O Eduardo Giannetti, principalmente quando voltou do doutorado na Inglaterra, foi visto como um cara extremamente ortodoxo. Mas pergunta para todo mundo que diz que ele é ortodoxo se leu os livros dele. Se você lê "O Valor do Amanhã" e diz que ele é um economista ortodoxo, isso é estranho. O Lara Resende pode até ser que pudesse ser considerado economista ortodoxo lá atrás. Mas, agora, é o contrário. Está no extremo oposto. Esteve recentemente no Instituto FHC e fez uma crítica pelo lado da neurociência, da escolha racional. Foi um bombardeio ao ortodoxismo. Então, dizer que um cara como Lara Resende hoje possa ser classificado como ortodoxo é falta de informação brutal. Hoje ele é uma dos mais radicais críticos ao ortodoxismo que dispomos no Brasil.
Valor: Que mudanças em direção ao desenvolvimento sustentável o eleito em 2014 deveria ter?
Veiga: Para alguém que é pelo desenvolvimento sustentável, a primeira questão que tem que surgir é ciência e tecnologia. Não temos a mínima chance de nada no futuro sem que seja dada prioridade total à pesquisa científica e tecnológica voltada à inovação. Vivemos numa nação que não acordou para a educação científica. A população não vigia a escola para saber se ela está preparando seus filhos para daqui dez ou 20 anos. Não tem assunto mais importante. Tinha que ser a espinha dorsal da proposta. Não adianta falar que em educação de qualidade. Não é o mesmo.
Valor: Como avalia a ciência e tecnologia no governo Dilma?
Veiga: O governo Dilma até não foi dos piores. Foi muito ruim no início do governo Lula, com Roberto Amaral (PSB). Foi péssimo. Mas não se trata de avaliar se o Ministério da Ciência e Tecnologia e desempenha bem ou não. Não é isso. Por exemplo, há pouco tempo discutiu-se a vinculação dos royalties do pré-sal à educação. Deveriam ter sido vinculados à ciência e tecnologia, incluindo educação.
Valor: Ficou muito aberta a definição?
Veiga: Falar de educação de qualidade era muito importante porque houve acesso grande e estava faltando qualidade fosse qual fosse. Não é disso que se trata agora. Estamos discutindo uma estratégia para o Brasil. Qualquer país que saiu da periferia não tem outra explicação a não ser essa. O caso mais badalado é o da Coreia do Sul. Todos esses países quase inviáveis, como Cingapura, fizeram isso.
Valor: A prioridade para ciência e tecnologia vai ocorrer nessa formação de Campos e Marina?
Veiga: Não vejo isso no discurso do Campos. Mas eles têm um trunfo. Por incrível que pareça, se você olhar para 15 anos atrás, um foi ministro da Ciência e Tecnologia (Campos) e outro foi ministro do Meio ambiente (Marina), que é o símbolo da sustentabilidade no Brasil. Então, quer dizer, não tem coisa melhor. Mas eu não estou vendo eles explorarem esse lado.
Valor: O sr. está ajudando na formulação de propostas da união Campos-Marina?
Veiga: Vou ajudar. Recentemente, o que fizeram foi soltar um site em que as pessoas podem ler texto básico e fazer sugestões. Dessa fase não participei. Mas eu estou disponível. Mas desconfio que muita gente nesse movimento não tenha a mesma visão de que a ciência e a tecnologia deva ser o eixo de tudo.
Valor: Vai participar da campanha eleitoral?
Veiga: Pretendo me empenhar muito na campanha caso essa pequena coalizão realmente desafie a candidata do centrão fisiológico (Dilma) pela esquerda. O inverso do que forçosamente ocorrerá com a candidatura Aécio, que peitará o centrão pela direita. Em suma: ajudarei na formulação das propostas que a Rede submeterá à coalizão, mas só entrarei na campanha se Campos vier a encarnar um projeto que conteste o atual pela esquerda. Se por qualquer razão isso não puder ocorrer, será mais produtivo, além de gratificante, esticar meu estágio anual de pesquisa no exterior para pensar no projeto do Rede para 2016.
Fonte: Valor Econômico
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