- O Globo
No Congresso da Abraji, ministra Cármen Lúcia deu uma aula sobre o Brasil “A lã não pesa ao carneiro”. Com esta frase a ministra Carmen Lúcia respondeu como se vê diante do fato de que poderá até assumir a presidência da República, por chegar ao comando do Supremo Tribunal no período mais conturbado da nossa história. Ela disse estar preparada para as suas responsabilidades e relativizou a tensão atual: “em cada época os problemas parecem os maiores da história”.
A ministra que assumirá a presidência do STF é definida, nas conversas gravadas dos investigados, como “carne de pescoço”. Sérgio Machado diz no diálogo com o senador Renan Calheiros que “o novo Supremo com essa mulher vai ser pior ainda”. Ela foi na sexta-feira conversar com jornalistas e estudantes no Congresso da Associação Brasileira de Jornalistas Investigativos (Abraji). Chegou sem assessores e sem pose. Defendeu fortemente a liberdade de expressão, falou do seu amor ao Brasil — “sou capaz de morrer pelo país’ — e criticou os que pensam que podem pressionar os ministros da suprema corte brasileira.
Diante da pergunta feita por uma pessoa da plateia de como se sentia ouvindo as gravações de políticos falando em pressionar os ministros do Supremo, ela disse que muitos falam isso para demonstrar importância aos interlocutores. Mas que os ministros tomarão suas decisões com independência. “O Brasil tem juízes”, disse.
A frase não significou defesa corporativa. Na palestra-entrevista que concedeu à Abraji, Carmen Lúcia criticou fortemente os juízes do Paraná que entraram com uma sequência de ações contra jornalistas da “Gazeta do Povo”, por publicarem matéria sobre os salários dos magistrados. Primeiro, dizendo que os juízes são parte. Depois, lembrando que a informação é pública. E se não era divulgada é porque não estava sendo cumprido o princípio da transparência. Disse que quem vai para o espaço público perde parte da sua privacidade.
Na defesa da liberdade de expressão, ela deu uma aula de como, através da história, jornalistas foram ameaçados. Falou aos jovens sobre Orestes Barbosa, jornalista, cronista e compositor. Entre outras, ele fez a letra de “Chão de estrelas”.
— Orestes Barbosa foi duas vezes preso pelo que escreveu e em pleno governo de Epitácio Pessoa. Não foi no período Artur Bernardes, que impôs o estado de sítio, foi em um governo democrático. Numa das vezes em que foi preso, foi por uma manchete. Na prisão tornou-se cronista dos encarcerados.
Neste contexto, Carmen Lúcia defendeu a liberdade de imprensa e de expressão como parte fundamental da democracia. Diante da pergunta sobre o momento atual, de um governo interino e uma presidente afastada, ela disse que o país vive em normalidade democrática com as instituições funcionando perfeitamente.
Um jovem da plateia perguntou se o “monopólio dos meios de comunicação, principalmente na teledifusão” não seria um risco à liberdade de expressão. Carmen respondeu que, em tese, monopólios reduzem liberdades, mas que no contexto atual das comunicações em que há uma multiplicidade de formas de exercer o jornalismo, qualquer poder de mercado é naturalmente limitado pelas diversas possibilidades de veicular notícias pelos meios digitais.
Sobre a crítica feita à divulgação de partes do processo da Lava-Jato, que os investigados chamam de “seletiva”, ela respondeu que a publicidade do processo é constitucional e não depende da vontade do juiz. Tem que ser divulgado. O sigilo é sempre temporário, explicou, e serve, para proteger a investigação, em determinadas fases.
Curioso como a questão judicial está mesmo na ordem do dia, e o melhor resumo disso veio numa pergunta que, infelizmente, chegou às mãos dos organizadores quando já se encerrava o painel de uma hora e quarenta minutos. A pessoa perguntava o que ela achava do fato de que hoje o país sabe de cor o nome dos onze ministros do Supremo, mas não é capaz de dizer os onze jogadores titulares da seleção.
Citando poetas, fatos da história, casos de família, a ministra deu uma aula sobre o país. Ressaltou que o tempo da política e da economia é difícil, a corrupção, uma erva daninha a combater, ao mesmo tempo em que animou os jovens a enfrentar os problemas sem se desanimar diante das dificuldades, porque “viver dá trabalho”.
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