Congresso não chegou a consenso sobre mudanças
Até líderes de partidos admitem que modificações poderão acabar sendo feitas pelo Judiciário
Diante do impasse no Congresso que pode impedir a aprovação de uma reforma política a tempo de valer nas eleições de 2018, o Supremo Tribunal Federal se prepara para tentar garantir, ao menos, o fim das coligações proporcionais. Já há uma articulação, que envolve parlamentares e integrantes do STF, para julgar ação que trata do tema. Pelo menos três ministros do STF se declararam contra as alianças proporcionais. Líderes partidários na Câmara e no Senado reconhecem que, se o Congresso não atuar, o Supremo fará as modificações por conta própria.
Solução via Supremo
Com impasse no Congresso, STF pode julgar ação que veda coligações em disputa proporcional
Cristiane Jungblut e Carolina Brígido | O Globo
BRASÍLIA - Os parlamentares costumam fazer críticas ao que consideram interferência do Judiciário em assuntos do Legislativo, mas a reforma política poderá ser o próximo assunto que acabará nas mãos dos ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) por falta de ação dos próprios deputados. O alerta foi feito pelo presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), ministro Gilmar Mendes, em encontros com congressistas para tratar da votação da reforma política pela Câmara. O tema que poderá migrar do Legislativo para o Judiciário é o que trata das coligações entre os partidos nas eleições proporcionais.
Essa é considerada uma das principais disfunções do sistema eleitoral brasileiro, uma vez que os eleitores escolhem para representá-los na Câmara deputados de uma linha ideológica e podem acabar elegendo outros, com bandeiras muito distintas. Em 2010, por exemplo, os eleitores de São Paulo que votaram em Tiririca (PR) para deputado acabaram ajudando a eleger Protógenes Queiroz (PCdoB). Além disso, a avaliação majoritária hoje no STF é que as coligações partidárias foram focos de irregularidades apontadas pelas próprias investigações da Lava-Jato e que não seria possível manter o atual sistema na eleição de 2018.
O caso seria discutido usando uma brecha em ação já em análise no STF, caso a Câmara não consiga avançar na votação da reforma política. O alvo é uma ação ajuizada pelo procurador-geral da República, Rodrigo Janot, que trata da distribuição das vagas decididas pelo atual modelo.
NOVA SEM FIM NO CONGRESSO
A três semanas do fim do prazo para aprovar e sancionar qualquer mudança na legislação, a reforma política ganhou contornos de novela na Câmara. Os parlamentares não vencem o impasse, e a próxima semana é considerada a última para alguma votação, até porque depois a pauta será paralisada com a chegada da segunda denúncia do Ministério Público Federal (MPF) contra o presidente Michel Temer.
Em recente entrevista ao GLOBO, o ministro Luís Roberto Barroso afirmou que o STF poderia mudar as regras de coligações em eleições proporcionais se for apresentada ação questionando a regra.
— Há problemas no sistema brasileiro que comprometem a Constituição. Por exemplo, as coligações em eleições proporcionais violam a Constituição. É muito fácil demonstrar. Se o PT se coligar em determinada eleição com o PRB, o eleitor que votou numa líder feminista do PT pode estar elegendo um pastor evangélico do PRB. Ou vice-versa. Isso é uma fraude ao princípio representativo. O meu voto foi parar num lugar que eu não queria. Isso é inconstitucional. Eu acho que, se o Congresso não mudar, o Supremo pode — disse o ministro Barroso.
Outros ministros da Corte também já se pronunciaram publicamente contra a regra da coligação proporcional, embora não tenham deixado explícito se a Corte pode alterar a lei em vigor. Recentemente, o ministro Ricardo Lewandowski disse concordar com a mudança na regra.
— Queremos o melhor sistema possível. O sistema atual provou-se falho, evidentemente. O voto proporcional com coligações tem apresentado distorções reconhecidas pelos especialistas, pelos políticos. Isso precisa ser modificado — disse Lewandowski.
Único ministro indicado pelo presidente Temer, Alexandre de Moraes é mais um a reclamar da regra em vigor na disputa eleitoral.
— O nosso sistema infelizmente não funciona mais. Porque nós tivemos o erro, cometemos o erro de adotar o sistema proporcional com coligação partidária sem uma cláusula de desempenho. Ou seja: o erro não é do sistema proporcional, é do desvio do nosso sistema proporcional. O nosso não funciona. É hora de fazer reforma política, mas, ao que me parece, seja pelo que vem sendo discutido, seja pelo pouco tempo para aplicar na eleição do ano que vem, nós não chegaremos a um bom termo.
VOTAÇÃO “CASADA” DIFICULTA
O presidente da Câmara, deputado Rodrigo Maia (DEM-RJ), tentou votar as propostas de reforma política na última quarta-feira, mas, mais uma vez, o resultado foi um fracasso. Na próxima terçafeira, haverá nova tentativa. Muitos líderes partidários, porém, já não acreditam na possibilidade de aprovar algo.
Há duas propostas de emenda constitucional: a PEC relatada pela deputada Shéridan (PSDB-RR), que trata justamente do fim das coligações nas eleições proporcionais e da adoção de uma cláusula mínima de desempenho para os partidos; e a PEC relatada por Vicente Cândido (PT-SP), que quer mudar o sistema eleitoral e criar um fundo público para políticos. Essa última é considerada mais polêmica, mas, como está sendo negociada de forma casada com a outra, ainda não houve avanço.
O líder do DEM na Câmara, deputado Efraim Filho (PB), disse estar claro que o STF tomará alguma medida para disciplinar as eleições se o Congresso nada fizer. Efraim fez esse alerta inclusive na última sessão, quando o impasse permaneceu.
— Se o plenário agir com omissão ou inércia, o vazio será ocupado pelo TSE ou pelo STF. E não poderemos reclamar — disse Efraim, acrescentando: — O clima de hoje é a pauta travada. A maioria quer a mudança do sistema eleitoral, mas não tem quorum para aprovar. Não há os 308 votos necessários para aprovar PEC.
Efraim lembrou que o TSE já tomou a iniciativa de definir a fidelidade partidária em questionamento apresentado pelo próprio DEM. No caso da proibição do financiamento privado nas campanhas eleitorais, a decisão foi do STF. Por isso, o líder acredita que o Judiciário encontrará algum instrumento jurídico para esclarecer as questões também desta vez.
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