domingo, 29 de outubro de 2017

Se quer fazer populismo, não seja juiz, diz Alexandre de Moraes

Daniela Lima, Letícia Casado / Folha de S. Paulo

BRASÍLIA - "A imprensa quer, o povo quer e o Legislativo pede que o Supremo decida tudo. Mas isso é perigoso. Qualquer juiz que vota pensando em popularidade é um perigo."

A avaliação é do ministro Alexandre de Moraes, do STF. Há sete meses na corte, ele critica o que chama de extravagâncias da Justiça, diz que o Congresso se enfraquece ao despachar seus conflitos internos para o tribunal e defende "autocontenção".

Moraes falou com a Folha na manhã de quinta-feira (26), em seu gabinete –antes do bate-boca entre os colegas de corte Gilmar Mendes e Luís Roberto Barroso, no mesmo dia.

Para ele, delação só deve perder o sigilo após o recebimento da denúncia. "Se o delator mente", explica, "a vida do delatado já acabou".

Folha - Muito se fala hoje sobre a proeminência do Judiciário. Há uma hipertrofia?

Alexandre de Moraes - No momento, sim. Da Justiça, das carreiras jurídicas. O grande responsável pela redemocratização foi o Legislativo. Depois, houve um desgaste grande. Há alguns anos, o Executivo entrou em crise. Não há vácuo de poder. O STF passou a ter atuação mais positiva.

E isso é bom?

Não. Bom é o equilíbrio entre os Poderes. Com a eleição em 2018 e a posse em 2019, tende a voltar ao equilíbrio. Até lá, haverá superexposição do Judiciário. E não é só culpa nossa. Tudo o Legislativo traz para cá. Se o Congresso delega ao Judiciário questões políticas, o Judiciário vai discutir. E pior do que a judicialização da política é a politização da Justiça. A reforma mais importante para o país é a política.

A deste ano foi cosmética?

Foi a possível. Há dois pontos importantes. Acabar em 2020 com a coligação proporcional e a recriação da cláusula de desempenho, mesmo fraquinha, de 1,5%, que vai crescer para 3%. Mas precisamos de algo mais radical, fortalecer os partidos.

O Congresso já havia aprovado a cláusula de desempenho, mas o STF derrubou.

Foi um dos grandes erros do Supremo. Era uma matéria eminentemente política. E depois errou uma segunda vez, quando permitiu que quem mudasse de partido levasse consigo tempo de TV e fundo partidário. Cláusula de desempenho, financiamento... Onde está dito que é matéria constitucional? Quem dá a última palavra tem que ter autocontenção.

Falta isso ao STF?

Não. Na situação atual há autocontenção razoável. Veja: a imprensa quer, o povo quer e o Legislativo pede que o Supremo decida tudo. Mas isso é perigoso. Qualquer juiz que vota pensando em popularidade é um perigo. Muitas vezes as decisões são antipáticas. E essa é a função do STF. Por isso é o único Poder não eleito e vitalício. Não tem que fazer populismo. Se quer fazer, não seja juiz, procurador, promotor: seja político.

Há clara divisão na corte...

Não. As questões são muito novas, palpitantes. E não acho que seja ruim uma divisão –desde que educada.

A prisão em segunda instância deve voltar a ser debatida pelo STF. É um teste à tese sobre o ativismo judicial?

Não... Não se pode concordar que o Supremo exerça funções do Legislativo ou do Executivo só quando você gosta. De 10, 15 anos para cá, o STF analisou casos importantes de direitos fundamentais. Foram grandes conquistas: união estável homoafetiva, células tronco...

Agora, quem concorda que o STF pode se exceder não pode reclamar. Hoje pode haver uma composição que decida algo que as pessoas julguem bonito. Amanhã, não.

Com a decisão sobre a aplicação de medidas cautelares a parlamentares à luz do caso Aécio Neves, vários analistas disseram que o STF ficou de cócoras.

Quem disse isso não entende nada de Constituição, de separação de Poderes. Quem deu a ultima palavra foi o Supremo. A Constituição diz que só se pode tirar um parlamentar do Congresso se ele for preso em flagrante, por crime inafiançável. Mesmo assim, quem decide é a Casa.

Não adianta chamar de medida cautelar uma ação que vai corresponder à prisão preventiva. Se os nossos parlamentares estão abusando, é outra questão.

O Supremo alargou o entendimento sobre o flagrante?

Nas decisões anteriores? [Eduardo Cunha e Delcídio do Amaral foram afastados. Moraes ainda não estava no STF.]

Sim.

Totalmente. [Agora] A corte foi até o ponto adequado. A decisão volta ao Legislativo se interferir direta ou reflexamente no exercício do mandato. Não criamos a imunidade. Ela está na Constituição, na dos EUA, na da Inglaterra. Mas no Brasil virou: 'ignore-se a Constituição. Vamos fazer o que achamos certo hoje'.

Amanhã ganha um populista que fala: 'Para que serve o Legislativo? Nada? Fecha'. Para que serve o Judiciário? E faz igual ao pacote do [Ernesto] Geisel, de 1977.

A delação da JBS teve algum aspecto educativo?

Foi a primeira em que o Supremo teve a oportunidade de deixar claro que uma coisa é delação e outra são as provas derivadas dela. E que as duas coisas podem ser analisadas pelo órgão julgador ao final, não só pelo relator. Decidiu-se assim antes do escândalo. A delação é importante. Defendi sua ampliação. Mas é meio de obtenção de prova.

Quando ela deve deixar de ser sigilosa?

Ao meu ver, no recebimento da denúncia, como determina a lei. Por quê? Delator é bandido, criminoso que foi pego e não quer sofrer os rigores da lei. Se o delator mente e o Ministério Público pede o arquivamento? Você acabou com a vida do delatado.

A gestão de Rodrigo Janot exagerou nas delações?

Não. É questão de aprendizado. Há três questões importantes a serem discutidas: se o sigilo deve ser [retirado] só no recebimento; a rescisão da delação da JBS; e se tanto polícia quanto Ministério Público podem fazer. Com isso fecha o arcabouço.

Há forte expectativa a respeito do avanço da Lava Jato sobre o Judiciário.

Não há, até agora, fora fofoca, nenhum indício de Lava Jato no Judiciário.

O que o sr. foi fazer no Twitter?

As pessoas reclamam que as autoridades não têm contato com o povo. Quando têm, reclamam também. Sou o mesmo como secretário da Justiça, da Segurança, como ministro e como ministro do Supremo. Nunca mudei.

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