Turbulência nas bolsas pode ser um sinal de risco - e o País continua vulnerável a choques
Três sustos em uma semana deveriam ser suficientes para despertar a pergunta: como o Brasil enfrentará um novo choque internacional? A turbulência na Bolsa de Nova York, na segunda-feira, na quinta e na sexta, com impactos em outros mercados, incluído o brasileiro, torna indispensável a interrogação. Outras economias, com alicerces mais firmes, quase certamente aguentarão sem grande estrago um ajuste nos preços de ações, no mercado de crédito e nos fluxos de capitais. Poderão sofrer danos, mas toleráveis. No Brasil, só os muito desinformados ou irresponsáveis podem estar tranquilos. Num país com finanças públicas estouradas, dívida crescente, crédito soberano já rebaixado e em perigo de novo rebaixamento, o cenário de riscos é muito diferente. Contas externas em ordem e reservas em torno de US$ 380 bilhões dão alguma segurança. Mas isso pouco significará no caso de um desastre fiscal iminente, especialmente com uma dívida pública próxima de 80% do produto interno bruto (PIB).
O risco de um ajuste severo nos mercados vem sendo apontado há pelo menos dois anos pelo Fundo Monetário Internacional (FMI) e por outras fontes importantes de informação e de análise. O assunto foi mais uma vez discutido na reunião do Fórum Econômico Mundial, no mês passado, em Davos. Os temores e seus fundamentos são bem conhecidos de quem acompanha regularmente a economia global.
O perigo está associado às ações, até agora vitoriosas, de combate à recessão iniciada em 2008. Os bancos centrais aplicaram nos últimos dez anos, no mundo rico, políticas monetárias muito frouxas para estimular a reativação dos negócios e a redução do desemprego. Os juros ficaram muito baixos e volumes enormes de dinheiro foram emitidos.
A estratégia deu certo. A atividade voltou a crescer nas economias avançadas e empregos foram recriados - tudo isso num ambiente de inflação abaixo de 2% ao ano. O desemprego nos Estados Unidos, de 4,1%, é um dos menores de todos os tempos. Mas dinheiro farto, com juros em níveis historicamente muito baixos, propiciou, além do endividamento excessivo de grandes empresas, negócios arriscados, especulação e supervalorização de ativos.
Alguma correção será inevitável, têm advertido analistas de várias instituições. Cotações deverão normalizar-se e, além disso, a reversão das políticas monetárias afetará as condições de financiamento e a formação de preços em vários mercados. A grande dúvida é se o ajuste será gradual e suave ou se a mudança será dolorosa. O Federal Reserve (Fed, o banco central dos Estados Unidos) foi o primeiro a rever a estratégia. Lentamente, os juros básicos foram elevados da faixa de zero a 0,25% para o intervalo de 1,25% a 1,5%. Na primeira reunião de 2018, o comitê de política do Fed manteve os juros na posição alcançada no fim de 2017. A previsão de três aumentos neste ano é sustentada por uma parte dos analistas, mas apostas em quatro elevações espalharam-se nos últimos dias. A esses temores se somou na semana mais um fator de instabilidade, a forte baixa dos preços do petróleo, acentuada na sexta-feira.
Diante da continuada expansão do emprego nos Estados Unidos e da elevação dos salários, as pressões inflacionárias devem crescer, dizem analistas. Isso poderá estimular as autoridades monetárias a apressar o aumento dos juros e o aperto das condições de crédito, afetando a formação de preços tanto nas bolsas de valores quanto em outros mercados. Brasileiros e outros latino-americanos deveriam dar atenção a um detalhe. Com dinheiro mais caro, sobe o custo de manutenção de estoques. Isso derruba, normalmente, os preços dos produtos agrícolas e dos minérios, grandes fontes de dólares para os países da região.
Por enquanto, a rapidez da alta de juros, a intensidade do aperto no mercado financeiro e as condições de correção dos preços ainda são temas de especulação. Na melhor hipótese, os dirigentes do Fed continuarão agindo com moderação, os ajustes serão suaves e só os muito expostos e muito imprudentes serão afetados. Não há dúvida, no entanto, quanto à mudança das políticas monetárias, à correção de uns tantos preços e ao aperto das condições de financiamento. Também é preciso levar em conta a reversão das políticas do Banco da Inglaterra e do Banco Central Europeu, ainda muito frouxas.
Mesmo na melhor hipótese, as condições ficarão bem menos favoráveis para o Tesouro brasileiro e as empresas com endividamento excessivo. Pânico é dispensável, mas otimismo é um luxo, e qualquer negligência diante da previsível mudança do quadro representará uma combinação de estupidez com irresponsabilidade.
Dirigentes do Banco Central do Brasil têm alertado com insistência para o fim, sem data prevista, do cenário externo até agora descrito como benigno. A advertência foi repetida na quarta-feira, no comunicado sobre o corte dos juros básicos de 7% para 6,75%. Segundo o informe, o ciclo de redução pode ter chegado ao fim. Novo corte na reunião de março dependerá de alguma novidade muito importante.
Essa novidade poderá ser uma boa notícia, hoje improvável, sobre os ajustes e reformas necessários para prevenir um desastre fiscal nos próximos anos, talvez em 2019. A aprovação da reforma da Previdência seria o passo mais importante, nesta altura. Mas até a percepção do problema é duvidosa num Congresso formado em grande parte por figuras com mandato federal combinado com preocupações paroquiais.
Não está claro se restam ao presidente meios de barganha, hoje sinônimo de persuasão, para obter apoio a mais um projeto importante. Ainda preso no atoleiro da nomeação da deputada Cristiane Brasil para o Ministério do Trabalho, o governo precisará de um milagre, ou quase, para mobilizar na Câmara os 308 votos indispensáveis. Sem isso a combinação da crise fiscal com a mudança externa poderá ser mais um capítulo dramático da história da irresponsabilidade nacional.
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