- Folha de S. Paulo
Não há mais dúvida de que estamos em crise de raridade secular e num pacto pelo desastre
"Não exagere. Já saímos de crises iguais a esta ou piores."
Em conversas com pessoas bem-postas na vida, da esquerda à direita, não raro é possível ouvir variantes desta frase depois de se expor com desânimo ou franca exasperação uma análise do que se passa com este país.
É uma atitude que revela conservadorismo, menosprezo pelos pobres, indiferença obstinada e obtusa por fatos elementares.
É conservadora porque tolera a reincidência de crises tremendas, que seriam inexoráveis como as estações do ano, e o crescimento pífio nas últimas quatro décadas.
É menosprezo pela miséria pelo motivo óbvio, porque os pobres se estrepam mais nos apagões nacionais.
É crença entre mágica e equivocada na ideia de que podemos sair, sem mais, desta outra temporada no inferno e de que o Brasil não tenha um problema de fundo, antigo e grave. Mas essa doença crônica pode ser uma outra aberração deste país tão aberrante (entre os líderes mundiais de desigualdade, taxas de juros, taxa de homicídio e de mortes no trânsito etc.).
Desde 1980, a renda (PIB) per capita brasileira cresce 0,8% ao ano (o que equivale a um crescimento atual da economia de 1,6% ao ano). Desde 1990, o Brasil foi o país que menos cresceu entre as 11 economias relevantes da América Latina, afora a Venezuela, extinta por um meteorito.
Desde 1980, tivemos três recessões cataclísmicas. Vamos completar neste 2018 o segundo pior quinquênio de crescimento desde que se tem notícia (1901).
Não há garantia de que saiamos deste pântano. Não existe necessariamente isso que se chama de "recuperação cíclica", apenas um conceito descritivo, pois existem depressões ou longas estagnações econômicas.
Esta crise já seria anormal devido à variedade de desastres coincidentes e à acumulação de problemas antigos. Mais impressionante é o impasse político, a paralisia provocada por omissão ou por ação de quem imagina poder saquear as ruínas e sobreviver.
Na economia, houve colapso fiscal, péssima alocação de capital, choques políticos de confiança (2013, estelionato eleitoral, luta política odienta, governo deposto, hecatombe político-policial), corrupção a ponto de causar desordem empresarial sistêmica, saturação de desordem tributária e regulatória, transbordamento do problema previdenciário, secas, o diabo.
Não há ao menos tentativas de pactuar uma saída deste desastre, nenhuma reação social organizada.
Há, por exemplo, veto a aumento de impostos, mas também saques adicionais como perdões tributários para empresas e ricos, planos bucaneiros de socializar prejuízos (o caminhonaço foi um deles, com apoio empresarial), castas burocráticas mordendo o seu butim, o entrincheiramento da casta política, na média corrupta etc. Há pois tentativas de levar o que resta do naufrágio.
O desprezo pelo pacto em favor de saída mais rápida e socialmente justa da crise alimenta as resistências a reformas intragáveis mas necessárias do Estado, a começar pela Previdência. Economistas parecem ignorar esse problema sociopolítico óbvio.
Dado o imobilismo, cresce a possibilidade de dobrarmos a aposta na barbárie nesta eleição, de nos tornarmos uma aberração até na violenta e autoritária América Latina, que, à esquerda ou à direita, tem eleito governos no espectro da civilização, no México ou na Argentina, no Chile ou no Uruguai. Nós estamos dançando na beira do abismo do inferno.
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