domingo, 7 de junho de 2020

- Merval Pereira - Manipulação de dados

- O Globo

Seremos um dos únicos países do mundo em que a curva dos infectados será derrubada por uma canetada

Teremos em poucas dias mais confusão estatística provocada pela obsessão do governo Bolsonaro de manipular os números oficiais. O aumento das queimadas na Amazônia e na Mata Atlântica foi negado pelo ministério do Meio-Ambiente, a ponto de haver uma intervenção no Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), até que a realidade ficou patente.

Agora, teremos várias contagens dos mortos e infectados pela Covid-19, pois o Tribunal de Contas da União (TCU) e o Congresso estão dispostos a colher os dados diretamente das fontes estaduais para obter um número mais próximo da verdade possível, enquanto o ministério da Saúde pretende esconde-los.

O governo é tão desorganizado que deixou evidente desde o inicio sua intenção de não revelar os dados da Covid-19 para grande parte da população, depois que os ministros técnicos - Luis Henrique Mandetta e Nelson Teich - saíram por absoluta impossibilidade de trabalhar.

Atrasou a divulgação dos dados para que eles não fossem anunciados pelo Jornal Nacional, mas quando a má-fé ficou evidenciada, o jornalismo da Rede Globo decidiu noticiar os números oficiais na hora em que fossem divulgados, o que fez com que a novela fosse interrompida para o anúncio, com uma audiência muito maior.

A jogada seguinte foi anunciar que os números oficiais seriam revisados, sob a alegação do governo de que são maiores que na realidade. O ministério da Saúde tentar camuflar os dados de infectados e mortos pelo Covid-19 é de uma ousadia poucas vezes vista.

O único plano para combater o novo coronavírus é uma oficialização da subnotificação que, como se sabe, é muito grande no Brasil, quantificada por especialistas em pelo menos cinco vezes o número oficial.

Além de alterar os critérios, o governo já mudou a tabela de divulgação dos dados, omitindo o total geral de mortos e infectados pela doença. Seremos um dos únicos países do mundo em que a curva dos infectados será derrubada por uma canetada, como se isso resolvesse os problemas da população.

Nos igualaremos a países como a China, a Rússia, a Coréia do Norte, a Bielorrússia, cujos dados oficiais são ridicularizados mundialmente. A ideia foi do secretário de ciência e tecnologia do Ministério da Saúde, Carlos Wizard, que, ignorando a subnotificação existente, quer acabar com o que considera ser uma supernotificação, alegando que os governadores aumentam as notificações para aumentar as verbas publicas que recebem para combater a Covid-19.

Sua declaração foi considerada pelo conjunto dos secretários de saúde dos Estados “grosseira, falaciosa, desprovida de qualquer senso ético, de humanidade e de respeito, merece nosso profundo desprezo, repúdio e asco”. O ministro do TCU Bruno Dantas, baseado no fato de que em matéria de saúde há uma obrigação do Estado de divulgar estatísticas que viabilizem decisões de políticas públicas, está entrando em contato com os tribunais de contas estaduais para viabilizar uma contagem que seria consolidada pelo TCU, cujo presidente José Múcio já autorizou o trabalho conjunto.

Cada TCE pode requisitar, sob pena de multa aos gestores, os dados das secretarias estaduais. A divulgação local também pode ser feita por cada TCE e a nacional (que nada mais é do que a soma dos dados estaduais) pela própria ATRICON, a associação que congrega ministros do TCU e conselheiros de TCEs de caráter nacional.

A ideia é bastante simples, mas precisa do engajamento dos tribunais de contas estaduais, porque são eles que têm poder para requisitar os dados das secretarias de saúde dos Estados, e não existe subordinação entre eles e o TCU.

Diante do perigo que é o país não ter os indicadores corretos para realizar as politicas públicas adequadas, pior mesmo é não ter ter um ministro da Saúde há 22 dias. Tendo um General como interino na pasta todo esse tempo, no auge da pandemia, Bolsonaro resolveu imitar seu “amigo, irmão” Trump e está em litígio com a Organização MUndial de Saúde. Ao criticar seu diretor-geral Tedros Adhanon Ghebreyesus, saiu-se com essa:” Nem médico é”.

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