- Folha de S. Paulo
Afastada da sociabilidade sob nova nomenclatura, toda uma geração é vista como descartável
O casarão da Fundação Casa de Rui Barbosa voltou a tremer nesta semana. Flora Sussekind, uma de nossas mais importantes críticas literárias, aposentou-se da instituição onde foi pesquisadora por quase 40 anos. E não saiu calada: "Agora, o que infelizmente se anuncia é não só um amesquinhamento interno, mas da fundação em seu caráter de instituição pública", afirmou.
No início deste ano, quando a roteirista de TV Letícia Dornelles foi nomeada pelo governo Bolsonaro para a presidência da casa, intelectuais decisivos do Rio de Janeiro se reuniram em protesto contra o ataque ao importante polo de memória e reflexão do país.
Para Flora Sussekind, a decisão de se desligar "foi uma dor" —e ela destaca que Dornelles "obedece a uma política de desmonte da qual é simples executora". Já a presidente, referindo-se à professora que aos 64 anos ainda nem pode entrar na fila onde idosos se organizam diante da detestável plaquinha de um homem curvado sobre sua bengala, disse apenas: "Acho natural um trabalhador de idade avançada se aposentar".
Em livro recém-traduzido ("Irmã Outsider"), a ativista de direitos civis Audre Lorde inclui o etarismo entre outros ismos que representam formas de opressão, como o racismo e o machismo, chamando atenção para questão tão contemporânea.
Afastada da sociabilidade sob nova nomenclatura, a de grupo de risco, disputando com jovens o último respirador disponível, toda uma geração é vista como descartável. Vozes que impulsionaram mudanças sociais e construíram a redemocratização do país não parecem mais necessárias.
Enquanto isso, roemos as unhas aguardando o nome que será nomeado por Bolsonaro quando Celso de Mello, o decano do STF, chegar à aposentadoria compulsória.
*Beatriz Resende, ensaísta e professora de literatura na UFRJ.
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