Decisão
de banir Trump é o maior fato político dos últimos tempos
Daron
Acemoglu e James Robinson, autores do best-seller Por que as Nações Fracassam?,
apresentaram uma hipótese bastante convincente para explicar o
subdesenvolvimento econômico de povos e países. De acordo com os professores do
MIT e da Universidade de Chicago, a concentração de poder nas mãos de elites
política e econômica gera os incentivos institucionais para um ciclo vicioso
difícil de ser rompido, em que se os mais ricos extraem renda da população e
grupos políticos se perpetuam no poder.
Nos
últimos anos, um novo debate tem agitado não apenas a academia, mas
principalmente os meios políticos e empresariais, e tem a ver não diretamente
com o funcionamento dessas engrenagens descritas com farta evidência empírica
pelas pesquisas de Acemoglu & Robinson, mas com esse jogo de interação
entre variáveis econômicas e políticas. Trata-se do incontrolável poder de
influência das gigantes de tecnologia em nossas vidas.
Segundo
levantamento do Global Digital Overview 2020, 5,2 bilhões de pessoas possuem
celular, o que representa quase 70% da população mundial. 4,5 bilhões de
terráqueos têm acesso à internet (59%) e 3,8 bilhões têm contas em redes
sociais - praticamente a metade dos habitantes do planeta.
Além
da ampla penetração, estamos cada vez mais conectados à rede. Em janeiro de
2020, as pessoas de 16 a 64 anos passavam em média 6 horas e 43 minutos por dia
utilizando a internet. No caso brasileiro, estamos em terceiro lugar do ranking
global, atrás apenas dos filipinos e dos sul-africanos. Em média, passávamos 9
horas e 17 minutos de frente para a tela - índice que deve ter aumentado ainda
mais desde o início da pandemia.
As redes sociais nos fisgaram oferecendo tudo ao alcance de poucos cliques: a interação com familiares e amigos, a oportunidade de nos divertir e ler notícias de vários canais e até mesmo a possibilidade de participar de debates políticos num alcance nunca antes imaginado.
Do
ponto de vista comercial, seu modelo de negócios é muitíssimo atraente. O
acesso é gratuito, embora ao aderir você aceite abrir mão de seus dados
pessoais. Afinal, redes sociais ganham dinheiro com os anúncios. E ele
tornam-se melhores à medida em que compartilhamos nossos hábitos de consumo,
nossas opiniões e preferências.
Para
construírem seu incrível poderio econômico, as grandes corporações do Vale do
Silício colocaram toda a tecnologia para explorar ao máximo todos os benefícios
de conceitos econômicos há muito mapeados pela teoria. Em essência, as redes
sociais são plataformas, também conhecidas como mercados de dois lados.
A
ideia não é nova: de imobiliárias a empresas de cartões de crédito, passando
pela publicidade de jornais, todos esses negócios buscam conectar compradores e
vendedores. Nesses mercados, os efeitos de rede tornam a imobiliária, a empresa
de cartão de crédito ou o jornal mais valiosos quanto mais gente recorre aos
seus serviços.
No
caso das redes sociais, quanto mais gente se conecta, mais elas se tornam
valiosas para os usuários (afinal, não faria muito sentido aderir se a maioria
dos seus amigos não estivesse lá) e também para os anunciantes. E quanto mais
as usamos, mais insumos fornecemos para os algoritmos desenharem o nosso
perfil, captarem nossos gostos e identificarem nossos desejos, impulsionando
seu valor para a publicidade.
E
aqui entram em campo as economias de escala; afinal de contas, quanto maior
você se torna, mais atrai usuários. E aí começam a surgir os efeitos deletérios
de seu poder econômico sobre os concorrentes. Da mesma forma que motoristas só
vão migrar para um novo aplicativo de transporte urbano se houver muitos
consumidores conectados a ele e, de maneira reversa, os consumidores só vão
migrar se houver uma boa disponibilidade de motoristas perto de você, as redes sociais
vão se tornando mais potentes à medida em que se tornam mais presentes no nosso
dia-a-dia.
Por
outro lado, graças às economias de escopo, esses grandes conglomerados têm
maiores condições técnicas e econômicas de investir em mercados contíguos que
sejam promissores e, assim, inibir o crescimento de seus rivais - ou
simplesmente comprá-los. Foi o que aconteceu, por exemplo, com a aquisição do
YouTube pelo Google ou do Instagram e do WhastApp pelo Facebook. Ou pela
decisão do Facebook de arrasar com o Snapchat ao lançar os stories no
Instagram.
O
grande problema dos tempos atuais surge quando o poder econômico se converte em
poder político. Ao longo da história, grandes grupos econômicos sempre se
valeram de mecanismos para defender seus interesses e obter benesses em termos
de regulação ou tributação favoráveis, seja por meio de doações de campanhas,
lobby ou captura de autoridades por dirigentes de grandes empresas.
No
caso das redes sociais, sabemos que a política nos mobiliza, nos envolve, nos
une e nos divide. A polarização nos mantém mais tempo conectados, seja
brigando, seja interagindo com quem pensa semelhante a nós, nas nossas bolhas.
E isso é tudo o que as redes desejam, pois quanto mais tempo gastamos
discutindo política, mais informações são coletadas - e transmitidas aos
anunciantes.
Donald
Trump tinha 88 milhões de seguidores no Twitter e 35 milhões no Facebook antes
de ser banido pelas duas plataformas. Cassar o seu direito de comunicação com o
público levanta dúvidas sobre os limites das gigantes de tecnologia em mediar o
debate político.
Redes
sociais deveriam ser tratadas como uma infraestrutura digital, por onde
transitam ideias, como as estradas ou ferrovias, e como tal deveriam ser
reguladas para garantir condições mínimas de acesso a todos os participantes,
independentemente de suas visões?
Redes
deveriam ser o “livre mercado de ideias”, tão caro aos defensores do direito
irrestrito à liberdade de expressão? Ou seria uma contradição defender a
intervenção estatal sobre um negócio privado para garantir o direito à
liberdade?
Quando
grandes empresas conseguem transformar poder econômico em poderio político,
nossas preocupações mudam de patamar. O banimento de Trump do Twitter e do
Facebook inaugura um debate que vai nortear nossas vidas na próxima década.
*Bruno Carazza é mestre em economia, doutor em direito e autor de “Dinheiro, Eleições e Poder: as engrenagens do sistema político brasileiro”.
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