Folha de S. Paulo
Recusar máscara é decorrência da idiotia
congênita ou patológica
Ao menos duas
novas variantes do vírus da Covid-19 foram captadas nestes dias em que
numerosos governadores e prefeitos dispensam
o uso da máscara contra contaminação.
Foram também os
dias recordistas de contaminados na Alemanha e na Coreia do Sul, com volta
no aumento das mortes. Os dias, ainda, em que os Estados Unidos, com vacinação
insuficiente, recaíram nos temores de nova onda, com as variantes recentes.
A Fiocruz e os mais autorizados no tema da
pandemia discordam
da liberação feita pelos políticos/administradores.
Em vão. Os cientistas críticos, há tão pouco consagrados como a própria ciência
contra os cloroquínicos, foram relegados também a lugares secundários no
noticiário.
Mas não se vislumbra nem um traço de racionalidade e senso de responsabilidade nas dispensas de cuidados, por um governante atrás do outro.
Muito ao contrário, todos sabem que às
ondas de contaminação se sucedem refluxos, e novas ondas e refluxos, até que a
natureza ou a ciência ou ambas se imponham aos atacantes. Antes disso, se
há variantes circulando, há risco de nova onda.
Portar máscara não
é mais do que pequeno incômodo. O benefício, coletivo e individual, é imenso.
Recusá-la é decorrência da idiotia congênita ou patológica.
A precipitação
dos governantes é, portanto, um serviço gentil e interesseiro, logo, de
má-fé, aos populosos segmentos eleitorais da incapacidade de discernir.
Tanto que nenhum dos governantes apresentou
sequer um argumento para a dispensa das máscaras, só a
diminuição promissora, mas inconfiável, das contaminações. Motivo forte,
aliás, para manter a máscara e assim acelerar a redução de casos e a
resistência a nova onda.
Uma das tantas sínteses possíveis do Brasil
pode ser a do país onde se prefere entregar as responsabilidades aos
irresponsáveis.
Em qualquer nível. Saber, por exemplo, de
um senador especialista em extorsões cordiais, à maneira suave da mineirice, só
entre nós. E só aqui enriquecido e impune por proteção da Justiça criminal.
Para isso, o conhecido juiz Ali Mazloum, da
7ª Vara Federal de São Paulo, apresenta argumento interessante, e
inovador, em
sua sentença de absolvição do hoje deputado Aécio Neves: "O ato de
transportar dinheiro não configura delito algum".
Depende. Primeiro, porque se o juiz Ali
Mazloum aceitasse levar em seu carro oficial, apenas levar a um destino
qualquer, o dinheiro de uma extorsão, incorreria em vários delitos.
Entre eles, conivência com a extorsão, uso
de bem público para transportar e proteger produto de crime e corrupção
política, e talvez também formação de quadrilha. Nesse enredo hipotético, se o
juiz Ali Mazloum não fosse julgado pelo juiz Ali Mazloum, estaria sob provável
condenação.
Segundo, o ato de carregar dinheiro não
foi a razão da denúncia judicial de Aécio Neves, mas a extorsão maneirosa
que praticou contra Joesley Batista, executivo do Grupo JBS. Extorsão e
corrupção gravadas e informadas à Polícia Federal. Com isso, as
entregas de dinheiro, no total de R$ 2 milhões, foram flagradas.
Associado a Eduardo Cunha e lançador das
acusações de fraudes no sistema eleitoral vigente; impulsionador da conspiração
para derrubar Dilma Rousseff (o relator-promotor foi seu obediente Antonio
Anastasia), Aécio
Neves viu até sua irmã e comparsa na cadeia, e, impune, segue como uma
consagração da irresponsabilidade dos responsáveis.
Mas o tempo é de guerra, e as
características do Brasil não são exclusivas. Então o astro do momento,
Volodimir Zelenski, lança ao mundo uma lufada de aparentes racionalidade e
responsabilidade: "É
hora de negociar com Moscou".
O que daí surge, no entanto, é uma zona
obscura entre a bravura exibida por Zelenski e a sua responsabilidade
pela Ucrânia.
A frase sugere a aceitação da exigência
básica de Putin —o compromisso formal da Ucrânia
de recusar a entrada na Otan e qualquer atração contra a segurança da
Rússia.
Isso significa que Zelenski não considera a
Otan e bases americanas indispensáveis à soberania da Ucrânia.
Logo, o agora poderia e deveria sê-lo antes
da iniciar-se a guerra. E, mais ainda, antes de mantê-la à custa de tanto
sofrimento do povo ucraniano e do seu futuro posto em cinzas. O heroísmo exibido
talvez não seja mais do que terrível irresponsabilidade.
A ser assim, Zelenski e Putin poderiam
sentar-se lado a lado no Tribunal Internacional de Crimes Contra a Humanidade.
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