Editoriais
Colômbia à esquerda
Folha de S. Paulo
Presidente eleito, Petro governará em
ambiente hostil para qualquer ideologia
Apesar de uma campanha repleta de ataques e
discursos apocalípticos de ambos os lados, o segundo turno da eleição
presidencial na Colômbia transcorreu sem maiores sobressaltos, consagrando
como vitorioso Gustavo Petro.
Ele venceu o candidato populista Rodolfo
Hernández por um placar apertado de 50,4% a 47,3%, no pleito mais acirrado dos
últimos 28 anos. Tendo disputado o cargo pela terceira vez, o ex-prefeito de
Bogotá vai se tornar agora o primeiro líder
de esquerda da história do país sul-americano. Adicionalmente,
conta com uma mulher negra como vice, Francia Márquez.
Para alcançar esse triunfo inédito, Petro
precisou, mais do que superar seu adversário, vencer as resistências que seu
passado de ex-integrante do grupo rebelde M-19, desmobilizado em 1990, ainda
geram num país traumatizado por décadas de conflitos envolvendo guerrilhas
armadas de esquerda.
Procurou afastar-se de regimes ditatoriais
do continente, como Cuba e Venezuela, e, ao contrário do que fez nos pleitos
anteriores, apresentou-se com perfil mais moderado, buscando articular acordos
com setores empresariais.
Assim como em outras eleições recentes na América do Sul, a votação colombiana foi marcada pela rejeição ao establishment político e por um forte desejo de mudança —o que pode ser medido, numa nação em que o voto não é obrigatório, pela maior participação eleitoral desde a década de 1970.
Petro governará um país que, embora venha
conseguindo se recuperar economicamente do tombo sofrido durante a pandemia,
ainda sofre seus efeitos sociais nocivos.
Se o Produto Interno Bruto da Colômbia
registrou em 2021 o maior crescimento de sua história (10,6%), hoje cerca de
40% da população vive na pobreza e o desemprego alcança 12%.
Além da urgência de enfrentar tal situação,
o ex-prefeito de Bogotá assume a Presidência com uma agenda ambiciosa de
reformas.
Dentre seus principais objetivos,
destaca-se a promessa de diminuir a dependência de petróleo e carvão, tornando
o país um modelo de combate à mudança climática na região. Ele também busca
implementar uma reforma agrária, aumentar os impostos dos colombianos mais
ricos e renegociar tratados de livre-comércio.
A isso se soma a reestruturação dos
sistemas de saúde e educação, bem como a implementação de pontos do pacto que
resultou no fim das Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia.
Concorre contra tais pretensões a escassa
base de apoio parlamentar obtida por Gustavo Petro. Sua coalizão, Pacto
Histórico, dispõe de menos de um quinto dos assentos do Congresso bicameral.
Afora o caso do Brasil, onde Jair Bolsonaro (PL) buscará uma reeleição difícil, a esquerda tem obtido triunfos nas maiores economias latino-americanas —México, Argentina, Chile, Peru e, agora, Colômbia. Já as condições atuais de governo, num mundo de pandemia, inflação e risco de recessão, são hostis a todas as ideologias.
A demagogia é nossa
Folha de S. Paulo
Presidente da Petrobras sai em meio a ataques simplórios à direita e à esquerda
A índole intervencionista, encontradiça da
esquerda à direita, se mistura ao oportunismo eleitoral na reação do mundo
político à disparada dos preços dos combustíveis —problema que tem sido
enfrentado à base de demagogia e medidas temerárias.
Do lado governista, ataca-se a Petrobras,
maior empresa do país, na tentativa de apontar um culpado fora do Palácio do
Planalto e do Congresso pelo encarecimento que atormenta a população em ano de
disputa presidencial.
Mesmo para seus padrões, a reação de
Bolsonaro e aliados foi explosiva. O presidente da República disse que a
estatal "pode mergulhar o país no caos". Ao catastrofismo somou-se a
ameaça de uma inusitada CPI contra a petroleira, com o apoio de Arthur Lira
(PP-AL), o chefe do centrão à frente da Câmara dos Deputados.
Era chantagem, mas na sexta-feira (17)
contribuiu para uma perda de mais de R$ 27 bilhões em valor de
mercado da empresa na Bolsa. Não satisfeito, Bolsonaro insistiu na
comissão de inquérito e previu queda adicional de R$ 30 bilhões nesta segunda
(20). Em vez disso, colheu a renúncia do
presidente da estatal, José Mauro Coelho.
Sem nenhum interesse em travar um debate
mais qualificado, a oposição apenas procura jogar a crise no colo do
presidente.
O líder nas pesquisas, Luiz Inácio Lula da
Silva (PT), saiu-se com novas
bravatas contra a política de preços da Petrobras, que segue as
cotações globais: "A gente já provou que é possível lucrar com a
Petrobras, vendendo a gasolina com preço em real". Deveria ser
desnecessário lembrar a ruína da estatal ao final da gestão petista.
O presidenciável do PDT, Ciro Gomes, adotou
uma linha de argumentação ainda mais rudimentar ao chamar Bolsonaro de
"frouxo", como se evitar os reajustes fosse questão de valentia ou
virilidade.
Ainda que venha a render votos, a
indigência dos discursos e a temeridade dos atos dificultarão a tarefa de
governar, agora e à frente. O perigo está em semear expectativas de soluções
milagrosas para um problema complexo e global.
A fila dos pobres e pobreza da política
O Estado de S. Paulo
Em vez de zerar a fila do Auxílio Brasil, o governo Bolsonaro conseguiu a proeza de, em um mês, dobrar onúmero de famílias que estão à espera do benefício
Desemprego, inflação e empobrecimento fazem
crescer, mês a mês, a fila de pessoas em busca do Auxílio Brasil, enquanto o
presidente Jair Bolsonaro briga com a Petrobras por causa dos preços dos
combustíveis.
A fila mais que dobrou entre março e abril.
Em um mês, passou de 1,308 milhão para 2,788 milhões de famílias, ou, por outro
critério, de 2,450 milhões para 5,302 milhões de pessoas. Candidato à
reeleição, o presidente extinguiu o Bolsa Família e tentou, com a criação do
Auxílio Brasil, ter um grande programa social com a sua marca. Mas também nessa
área falhou a sua administração, assim como na economia, na saúde, na
preservação do ambiente e na defesa de fronteiras contra o crime internacional.
A fila dos pobres em busca de ajuda nunca
foi zerada. Chegou a diminuir, entre novembro e janeiro, de 3,189 milhões de
famílias para 434 mil, mas logo voltou a crescer, segundo levantamento da
Confederação Nacional de Municípios (CNM), principal fonte – diante da omissão
do Ministério da Cidadania – de informações sobre o assunto.
A omissão reflete o padrão geral da
administração Bolsonaro. Essa administração se relaciona duplamente com a longa
fila de gente à espera de ajuda. Além de ser incapaz de atender as famílias
candidatas, o presidente da República é responsável, juntamente com seus
auxiliares, pela falta de rumo da economia, pela insegurança dos negócios, pelo
continuado aumento da pobreza e pela piora dos indicadores sociais do Brasil.
A fila de famílias em busca do auxílio é
parte de um amplo e sombrio cenário. O quadro inclui desemprego na faixa de
10%, muito superior ao observado nas grandes economias, alta informalidade no
mercado de trabalho, estagnação industrial, inflação acelerada e grande aumento
da pobreza. A fome reapareceu no dia a dia de 33 milhões de brasileiros, 15,4%
da população. Quando o País saiu do Mapa da Fome da ONU, em 2014, havia 9,5
milhões de pessoas, 4,7% da população, sem alimentação regular.
O empobrecimento inclui o retrocesso de outros
indicadores. Com a economia sem dinamismo nos últimos dez anos, o Produto
Interno Bruto (PIB) por habitante ficou no ano passado em R$ 40.668, abaixo
daquele registrado em 2013, R$ 44.097, num cálculo a preços constantes
divulgado pela Fundação Getulio Vargas. Alguns anos ainda serão necessários
para a recuperação daquele valor, se o PIB continuar, como se estima, avançando
lentamente no futuro próximo.
Não há, por enquanto, razão para esperar
crescimento mais veloz, porque o investimento em capacidade produtiva continua
muito baixo, exceto na agropecuária. No conjunto da economia, o investimento em
máquinas, equipamentos e construções, incluídas obras de infraestrutura, tem
ficado abaixo ou pouco acima de 18% do PIB. Faltam seis ou sete pontos para atingir
o nível necessário a um dinamismo mais parecido com os padrões de outros
emergentes.
O investimento poderia ter sido maior, nos
últimos três anos e meio, se o poder central tivesse conseguido avançar nas
parcerias com o setor privado ou cumprido uma parte razoável das privatizações
prometidas. Pouco se realizou nessa área, além da venda de ações da Petrobras,
apesar das promessas grandiosas do principal membro da equipe econômica, Paulo
Guedes. O setor privado investiu o indispensável à sua manutenção, com empenho
muito limitado pelas modestas perspectivas econômicas.
Incapaz de promover o investimento e de
animar a economia no curto prazo, a administração Bolsonaro falhou também na
preservação da segurança fiscal. Furou o teto de gastos, permitiu a apropriação
de parte significativa do Orçamento pelo Centrão e criou incerteza quanto às
contas públicas, facilitando a instabilidade cambial e as pressões
inflacionárias causadas pela valorização do dólar. O combate real à inflação
ficou por conta do Banco Central e, portanto, da alta dos juros, mais um
obstáculo ao crescimento e ao emprego. Não há como estranhar, nesse quadro, o
aumento da pobreza e da fila dos candidatos a uma ajuda para sobreviver.
Os ‘meninos’ de Lula
O Estado de S. Paulo
Petista jacta-se de ter intercedido em favor dos sequestradores de Abílio Diniz, como se estes fossem só jovens que mereciam perdão, e não delinquentes que cumpriam pena segundo a lei
Para quem não está com o juízo comprometido
pela paixão ideológica, a pré-campanha eleitoral tem evidenciado o relativismo
de Lula da Silva ao tratar de certos crimes, que para ele seriam menos graves a
depender de quem os cometeu e das causas que os teriam motivado.
Além de tentar reescrever a história do
petrolão, fazendo os brasileiros de tolos, há poucos dias Lula achou que era o
caso de jactar-se de ter intercedido, em 1998, pelos sequestradores do
empresário Abílio Diniz junto ao então presidente Fernando Henrique Cardoso.
Presos havia quase dez anos, os
sequestradores do empresário, que Lula tratou singelamente como “meninos”,
decidiram entrar em greve de sede e de fome. “Eu disse: ‘Fernando, você tem a
chance de passar para história como um democrata ou como o presidente que
permitiu que dez jovens que cometeram um erro morressem na cadeia, e isso não
vai (se) apagar nunca’”, disse Lula em Maceió (AL) na semana passada, no que se
prestava a ser um discurso elogioso ao senador Renan Calheiros (MDB), ao seu
lado no palanque. Renan Calheiros era o ministro da Justiça àquela época.
Abstraindo a pretensão de Lula de ensinar a
FHC como entrar para a história como um democrata, é inacreditável como o
petista, passados todos esses anos, ainda manifeste explícita simpatia pelos
que cometeram não um “erro”, mas um crime tão violento – extorsão mediante
sequestro – que em 1990 passou a ser qualificado como hediondo, conforme a Lei
8.072.
Abílio Diniz, convém recordar, foi
sequestrado no dia 11 de dezembro de 1989, em São Paulo, por um grupo de
delinquentes do Movimento de Esquerda Revolucionária-Político (MIR-Político) e
das Forças Populares de Libertação (FPL) de El Salvador. Dez pessoas foram
presas por envolvimento no crime: cinco chilenos, dois canadenses, dois
argentinos e um brasileiro. O empresário passou quase uma semana no cativeiro
e, em entrevistas posteriores, descreveu seu medo de morrer a qualquer momento
nas mãos daqueles, segundo a definição carinhosa de Lula, “meninos”.
“Eles iam entrar em greve seca, que é ficar
sem comer e sem beber, e aí é morte certa”, disse Lula. “Eu então fui procurar
o ministro da Justiça, Renan Calheiros, que depois de uma longa conversa me
disse para falar com o presidente Fernando Henrique Cardoso, porque ele teria
toda a disposição de mandar soltar o pessoal.” O petista afirmou ter convencido
os sequestradores a encerrar a greve seca. “Eu fui na (sic) cadeia no dia 31 de
dezembro (de 1998) e falei com os meninos: ‘Vocês vão ter que dar a palavra
para mim e garantir que vão acabar com a greve de fome agora, e vocês vão ser
soltos’. Eles respeitaram a proposta, pararam a greve de fome, foram soltos.
Não sei onde estão agora.”
É muito curiosa essa preocupação de Lula
com o equilíbrio nutricional dos sequestradores de Abílio Diniz, todos ligados
a movimentos revolucionários de esquerda, que, confessadamente, pretendiam usar
o dinheiro do resgate para sustentar a guerrilha em El Salvador. O mesmíssimo
Lula tem uma visão diametralmente oposta da greve de fome como instrumento de manifestação
política quando ela é empregada no cárcere por opositores dos regimes que ele
apoia. Recordemos o que Lula disse à agência Associated Press, em 2010, quando
um grupo de opositores da ditadura de Fidel Castro em Cuba decidiu iniciar uma
greve de fome em protesto contra prisões arbitrárias na ilha caribenha. “Nós
temos de respeitar a determinação da Justiça e do governo cubano de deter
pessoas em razão da legislação de Cuba, como quero que respeitem o Brasil”.
Para aquele Lula, “a greve de fome não pode ser usada como um pretexto de
direitos humanos para libertar as pessoas. Imagine se todos os bandidos presos
em São Paulo entrassem em greve de fome e pedissem a liberdade”.
Lula é isso: para seus “meninos”,
criminosos condenados por sequestro, carinho e compreensão; para os que
enfrentam a ditadura sanguinária de Cuba colocando a própria vida em risco,
frieza e cinismo. Eis aí o líder que pretende resgatar o Brasil do pântano
moral.
A vez da esquerda na Colômbia
O Estado de S. Paulo
Sucesso de Petro dependerá de moderação e consensos que preservem a estabilidade política e o crescimento econômico
Pela primeira vez em 203 anos de vida
republicana, a Colômbia elegeu um presidente de esquerda. O primeiro turno já
marcara a derrota do establishment político. O segundo sacramentou a derrota do
conservadorismo. Os 11,2 milhões de votos para Gustavo Petro sinalizam a fome
por mudanças, mas os 10,5 milhões de votos para o populista de direita Rodolfo
Hernández mostram que elas dependerão da capacidade do próprio Petro de mudar,
moderando seu radicalismo e compondo compromissos.
O segundo turno, com a maior taxa de
participação desde 1998, confirmou a saúde da democracia colombiana. Os temores
de violência não se concretizaram. Hernández, o incumbente Iván Duque e outros
opositores felicitaram prontamente o novo presidente.
Apesar de 50 anos de guerra contra milícias
marxistas e narcotraficantes, a Colômbia tem uma história notável de
estabilidade política e de crescimento econômico construídos por governos
liberais e conservadores. Contudo, a insatisfação com o desemprego, a
desigualdade, a precariedade dos serviços públicos e a corrupção – agravada na
pandemia – chegou a um ponto de saturação.
Economista e ex-guerrilheiro, Petro, que
foi prefeito de Bogotá e congressista, concorreu pela terceira vez à
presidência. Seus apoiadores esperam que ele lidere a mudança de um país
dominado por uma elite estreita para um Estado de bem-estar social inclusivo e
moderno. Seus oponentes temem que seu radicalismo destrua a paz e o crescimento
dos últimos anos.
Algumas propostas, seja por razões
ideológicas – como a de banir novas explorações de petróleo, que respondem por
metade das receitas da exportação colombiana –, seja por razões demagógicas –
como a de ensino superior universalmente gratuito ou empregos públicos para
todos os desempregados –, mostram que os riscos de desestabilização econômica
são reais.
Politicamente, Petro parece apegado a
vícios sectários, como a antipatia pelos EUA ou a simpatia pelo chavismo. Ele
tem a reputação de ser um administrador com quem é difícil trabalhar. Quando
prefeito de Bogotá, cerca de 60 membros do governo se demitiram ou foram
exonerados, e ele chegou a ser suspenso por suspeitas de improbidade. Nas
eleições, atacou as autoridades eleitorais, suscitando temores de que não
aceitaria uma derrota.
O teste para o seu amadurecimento político
virá nos próximos dias, com a composição de seu gabinete. A capacidade de virar
a página de uma trajetória marcada por críticas radicais e de construir
consensos em uma sociedade dividida será essencial para serenar o mercado e
alicerçar sua governabilidade. O Congresso está fragmentado e sua coalizão
conquistou só 15% das cadeiras. Os sinais de esperança vieram de seu primeiro
discurso: “A mudança não é para nos vingar nem construir mais ódios”.
As urnas foram claras: a Colômbia precisa
de mudanças, mas sem rupturas; precisa consolidar direitos sociais, mas isso
dependerá da continuidade da estabilidade política e do crescimento econômico.
Em linguagem popular, Petro terá o desafio de jogar fora a água do banho sem
sacrificar o bebê.
Pressão sobre Petrobras expõe desespero
O Globo
A renúncia de José Mauro Coelho ao comando da Petrobras, pouco mais de dois
meses depois de assumir o cargo e quatro semanas depois de demitido pelo
presidente Jair Bolsonaro, expõe o desespero do governo em sua obsessão por
conter a alta dos combustíveis. Depois de trocar duas vezes o comando da
estatal para interferir nos preços — e de fracassar — , Bolsonaro agora
deposita suas esperanças no presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL). Pressiona
por uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Petrobras no Congresso, e
Lira fala até em mudar a Lei das Estatais, aprovada depois da Operação
Lava-Jato justamente com o intuito de blindá-la (e a outras estatais) de
intervenções.
No plano econômico, as acusações de
Bolsonaro e Lira depois dos últimos reajustes da gasolina e do diesel não têm
nenhum sentido. A alta do petróleo é um movimento global, provocado pela
transição rumo à matriz energética mais limpa, pela retomada da atividade
depois da pandemia e pela guerra na Ucrânia, que tirou do mercado o segundo
maior produtor, a Rússia. Pôr a culpa disso tudo na Petrobras ou querer que o
preço no Brasil esteja imune às oscilações do mercado global equivale a impor
desabastecimento, a criar um incentivo artificial ao combustível fóssil e a
disseminar pela economia uma distorção que cobrará seu preço no futuro. O país
viveu essa fantasia pela última vez no governo Dilma Rousseff e não deveria
repetir a experiência.
Isso não significa que nada possa ser feito
para conter os preços. No mundo todo governos tentam suavizar o impacto do
choque do petróleo. A ideia de reduzir impostos, desde que respeitados os
limites fiscais, não é descabida. Criar subsídios temporários financiados pelo
Tesouro (criando um fundo com dividendos e impostos pagos pela Petrobras) é
outra arma ao alcance do Congresso. Há, por fim, uma questão de base: é preciso
privatizar refinarias para instaurar competição no mercado. O difícil, no
quadro atual, é atrair algum investidor para apostar num negócio sob a ameaça
constante de intervenção ou expropriação pelo governo.
É justamente aí, no plano político, que
repousa a maior dificuldade. Permanece não apenas entre dinossauros da esquerda
nacionalista, mas também no discurso de Lira e Bolsonaro, a percepção de que a
Petrobras deveria se dobrar à vontade do acionista majoritário, movida por
interesse político, em vez de seguir regras do mercado. É como se o lucro da
petroleira fosse ruim, quando seus dividendos e impostos vão direto para o
caixa do Tesouro.
A Lei das Estatais que Lira fala em mudar
foi adotada depois de desmascarado na Petrobras o maior esquema de corrupção da
História brasileira. Esquema criado pelo partido de Lira, o PP, responsável
pela indicação do principal delator da Lava-Jato (o ex-diretor Paulo Roberto
Costa) e um dos principais beneficiários das verbas desviadas. Ela impede a
indicação de conselheiros com cargo no governo, exige da diretoria experiência
no setor e estabelece que usar a empresa numa política pública demanda uma
discussão transparente e ressarcimento pelo Estado.
No mais, a Petrobras, como toda empresa de
economia mista, é regida por um arcabouço jurídico que a obriga a se comportar
como empresa privada no mercado em que atua. Abrir mão da governança que blinda
seu negócio dos políticos seria um retrocesso inaceitável.
Acreditando em mudança, Colômbia elege
primeiro esquerdista presidente
O Globo
Gustavo Petro foi o primeiro candidato de
esquerda eleito presidente da Colômbia. O ex-guerrilheiro, ex-prefeito de
Bogotá e ex-senador derrotou Rodolfo Hernández, um populista de direita. Num
país onde o voto não é obrigatório, o comparecimento chegou a 58%, patamar mais
alto desde os anos 1970. A vitória de Petro acontece na esteira de outras
conquistas da centro-esquerda na América Latina. Argentina, Bolívia, Chile,
México e Peru são governados por presidentes desse campo, eleitos
democraticamente. Porém as circunstâncias que levaram à eleição de Petro foram
singulares.
Por muitos anos, as disputas presidenciais
na Colômbia foram marcadas pela guerra entre o Estado e as narcoguerrilhas
marxistas. Nas pesquisas sobre as principais preocupações da população, o
conflito predominava, em benefício de candidatos linha-dura de centro-direita.
A situação começou a mudar a partir do acordo de paz assinado em 2016 entre o
então presidente Juan Manuel Santos e as Farc. A transformação culminou nesta
campanha eleitoral, cujos temas dominantes foram economia e corrupção.
A questão agora é se Petro conseguirá
atender às demandas de quem o elegeu. É exagero acreditar que promova a
degradação das instituições rumo a uma ditadura, como a Venezuela. Ele adotou
um tom conciliador em seu primeiro discurso e fez acenos a ideias moderadas, em
especial na economia. A comparação que tem sido frequente entre analistas é com
o Luiz Inácio Lula da Silva de 2002.
Tanto Petro como Lula foram eleitos depois
de várias derrotas e de suavizar promessas de campanha. Mas as semelhanças
param aí. O PT de 2002 era um partido com experiência e alcance nacional. A
coalizão Pacto Histórico, de Petro, não passa de um amontoado de movimentos
sociais com partidos amalgamados em torno do petrismo.
O plano de governo de Petro é primário.
Promete desacelerar a produção de petróleo e carvão sem pensar em atenuar o
impacto na economia. Em termos de estilo de fazer política, Petro e Lula tampouco
se parecem. Enquanto este é conhecido como conciliador, Petro rompeu com o
grupo que ajudou a elegê-lo prefeito de Bogotá, sob críticas de que lhe faltava
capacidade de delegar e negociar.
No discurso de vitória no domingo, Petro
falou em governar para todos os colombianos, inclusive os de extrema direita.
São as palavras esperadas de um vencedor. A dúvida é se atingirá o objetivo.
Soltar frases de efeito sobre uma futura frente de esquerda latino-americana e
fazer acenos aos vizinhos venezuelanos não resolverá os problemas do eleitor
colombiano. O peruano Pedro Castillo completará um ano na Presidência e já
provou ser um inepto. Gabriel Boric assumiu no Chile em março e hoje sente na
pele a diferença entre discurso e prática. Agora Petro terá de mostrar a que
veio.
Brasil recua em ranking global de
competitividade
Valor Econômico
Queda do Brasil no ranking deveu-se a
problemas com infraestrutura, falta de mão de obra qualificada e insegurança
jurídica
O Brasil perdeu duas posições no ranking
global de competitividade elaborado pelo International Institute for Management
Development (IMD), da Suíça, e caiu para a 59ª posição entre 63 países
analisados. No levantamento feito em parceria com a Fundação Dom Cabral (FDC),
o Brasil só está à frente da África do Sul, Mongólia, Argentina e Venezuela; e
fica atrás de países como Malásia (32º lugar), Peru (54º) e Botsuana (58º).
Nos últimos dois anos o Brasil recuou três
postos no ranking de competitividade e voltou ao patamar de 2019. Dos 63 países
analisados, 35 subiram ou ficaram estabilizados no último ano e 28 caíram. A
resposta do país à pandemia pode ter influenciado. Mas não foi só isso que
afetou os resultados. No caso brasileiro, antigas mazelas não enfrentadas ainda
fazem estragos.
A elaboração do ranking leva em conta 333
variáveis de desempenho econômico, infraestrutura, eficiência do governo e das
empresas. São avaliados indicadores macroeconômicos e entrevistados executivos
de empresas nos países pesquisados. A queda do Brasil no ranking deveu-se
especificamente a problemas com infraestrutura, deficiência de mão de obra
qualificada e insegurança jurídica. Como o país continua mal nessas frentes não
há razão para se esperar uma recuperação nos próximos anos.
A insegurança jurídica no Brasil
desestimula investimentos, principalmente estrangeiros. A perspectiva de que as
regras podem mudar a qualquer momento gera intranquilidade, posterga e inibe
iniciativas. Se, de um lado, o governo brasileiro avançou na redução da
burocracia e na digitalização de documentos e certidões legais, de outro segue
incentivando intervenções e alterações de regras legais e tributárias.
Especialistas se queixam ora da omissão do Legislativo, ora do ativismo que se
observa nos últimos meses com objetivos arrecadatórios e eleitoreiros.
Já o Executivo banaliza os projetos de
emenda constitucional (PECs), feitos muitas vezes sem necessidade a não ser o
interesse e a pressa determinados pelo calendário eleitoral. Do seu lado, o
Judiciário ultrapassa barreiras e excede em algumas de suas intervenções como a
recente atuação do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), André Mendonça,
que concedeu liminar pedida pelo presidente suspendendo decisão do Confaz para
fazer vigorar sua determinação de que o ICMS sobre combustíveis tenha um valor
fixo e único em todo o país. O caso tinha sido sorteado para o ministro Gilmar
Mendes, mas André Mendonça, indicado por Bolsonaro para a Corte, o atalhou em
movimento inédito e concedeu a liminar.
A insegurança jurídica acaba resultando na
proliferação de organismos criados teoricamente para resolver pendências, mas
que contribuem para a instabilidade. O Ministério da Infraestrutura e o
Conselho Nacional de Justiça (CNJ) criaram em abril o Comitê de Resolução de
Disputas Judiciais de Infraestrutura (CRD-Infra), para resolver conflitos
judiciais relativos a projetos do Programa de Parcerias de Investimentos (PPI).
A intenção é agilizar a solução de conflitos entre o poder público e a
iniciativa privada para destravar obras de infraestrutura que estão paradas por
serem alvo de disputa judicial.
O relatório do IMD ressalta a piora na
infraestrutura básica do país. O governo Bolsonaro demorou a pôr em marcha os
projetos de privatização e, sem espaço fiscal, cortou os recursos para
investimento público. Levantamento da consultoria Inter.B mostra que o país
investe menos da metade dos 3,6% do Produto Interno Bruto (PIB) necessários
apenas para manter o estoque existente. Em 2021 o investimento ficou em 1,73%
do PIB e, para este ano, a previsão é de 1,71%, o que contribui para a
estagnação da economia. O setor público propriamente dito tem investido cerca
da metade do privado. Em 2021, investiu 0,59% do PIB para 1,14% do privado.
Neste ano, enquanto o setor privado deve manter o ritmo, o público vai diminuir
sua participação para 0,57% do PIB.
O ponto mais crítico da competitividade
brasileira, porém, é a qualificação da mão de obra. O problema está diretamente
ligado à educação, em que o Brasil permanece em último lugar no ranking do IMD.
Dos brasileiros entre 25 e 34 anos, apenas 23,5% têm acesso ao ensino superior,
abaixo da média das economias analisadas (44,2%). Em consequência, falta mão de
obra qualificada, a produtividade deixa a desejar, os salários são baixos e a
miséria se perpetua.
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