Editoriais / Opiniões
O grande perigo da ignorância política
O Estado de S. Paulo
Maioria desconhece as atribuições do STF e do TSE. Onde há ignorância não prospera a democracia. É preciso ensinar a todos sobre o Estado Democrático de Direito
O Supremo Tribunal Federal (STF) e o
Tribunal Superior Eleitoral (TSE) ganharam enorme espaço no debate público nos
últimos anos. Ambas as Cortes são alvo frequente de ataques do presidente Jair
Bolsonaro contra as instituições democráticas. Seja para repudiar esses
ataques, seja para endossá-los, o fato é que as decisões do STF e do TSE
passaram a mobilizar cada vez mais os cidadãos – no caso do STF, um fenômeno já
observado desde o julgamento do mensalão petista, em 2012. É lastimável, no
entanto, que a grande maioria dos brasileiros não faça ideia sequer do que
significam as siglas que designam os dois órgãos do Poder Judiciário, que dirá
de suas atribuições no arranjo institucional inaugurado pela Constituição de
1988.
Uma pesquisa inédita realizada pela
consultoria Quaest a pedido da revista Justiça & Cidadania, à qual
o Estadão teve acesso, lançou luz sobre a percepção geral da
população em relação ao STF e ao TSE. Embora 78% dos entrevistados tenham dito
que “já ouviram falar” do STF e 82%, do TSE, a pesquisa revelou que a maioria
dos cidadãos não sabe quais são as funções de duas das mais importantes
instituições para plena vigência do Estado Democrático de Direito. É um retrato
fidedigno dos males causados pela falta de educação política para o exercício
da cidadania, problema que já havia sido notado por outra pesquisa, também
realizada pela Quaest, em relação ao trabalho do Congresso Nacional.
Diante disso, convém relembrar, sucintamente, quais são as funções do STF e do TSE. Ao STF compete originariamente atuar como guardião da Constituição, ou seja, assegurar a vigência das normas constitucionais, e processar e julgar, por crimes comuns, alguns agentes políticos e administrativos dotados de foro especial por prerrogativa de função, como o presidente e o vice-presidente da República, ministros de Estado, congressistas e o procurador-geral da República, além de seus próprios magistrados, entre outras autoridades. O STF também atua em determinadas hipóteses como Corte recursal de última instância.
Já ao TSE, como dispõe o Código Eleitoral
(Lei no 4.737/1965), compete dar a palavra final sobre registro ou impugnação
de candidaturas, registro e cassação de partidos políticos, a organização das
eleições, a apuração dos votos e a diplomação de candidatos eleitos, entre
outras atribuições.
Ao mesmo tempo que se amplia na sociedade a
consciência sobre os direitos dos cidadãos, individuais e coletivos, o que tem
levado a uma procura cada vez maior do Poder Judiciário para garantir seu
exercício, nota-se um profundo desconhecimento por parte da maioria desses
mesmos cidadãos sobre papéis e responsabilidades das instâncias judiciais.
Evidentemente, o presidente Bolsonaro não é o único responsável pelo alto grau
de desinformação da população sobre as atribuições do STF e do TSE, mas decerto
tira proveito da ignorância para disseminar mentiras e criar animosidades
visando a seus objetivos eleitorais, o que leva muitos cidadãos a relativizar a
importância dessas Cortes para o vigor da democracia no País. Agindo assim,
contribui para o aumento do nível de desinformação, que, como visto, já não é
baixo.
Tanto maior será o apelo do discurso de
populistas de viés autoritário como Bolsonaro quanto menor for o grau de
instrução dos cidadãos, sobretudo a educação política. É necessário, mas não
basta, que as autoridades do Poder Judiciário, seguindo a lei e as competências
dos respectivos órgãos, profiram decisões compreensíveis para a população. Em
paralelo, é preciso investir na educação cidadã. O futuro da democracia, já
dissemos nesta página, passa pela sala de aula.
Entre outras tarefas, é preciso reformular
os currículos escolares para que o exercício da cidadania – o que inclui
compreender o funcionamento do Estado Democrático de Direito e de seus órgãos –
seja ensinado às crianças e jovens, de modo que as próximas gerações não sejam
reféns de comportamentos antidemocráticos, mas livres e genuínas protagonistas
da vida cívica e política do País.
Desinformação viceja na leniência
O Estado de S. Paulo
Não bastam as boas intenções das ‘big techs’. Para combater a desinformação nas redes sociais de modo eficaz, ter agilidade na remoção de conteúdo enganoso é fundamental
É certo que o Tribunal Superior Eleitoral
(TSE), os partidos políticos e a imprensa profissional, além dos próprios
eleitores, estão mais bem preparados para lidar com a desordem informacional do
que estavam há quatro anos. Muitas lições foram aprendidas de 2018 para cá.
Isso não significa, no entanto, que a eleição de 2022 esteja totalmente
blindada contra a influência de mentiras disseminadas por candidatos e seus
apoiadores. Longe disso.
Tanto é assim que, em boa hora, uma das
ações preparatórias adotadas pelo TSE para a realização do próximo pleito foi
convidar as grandes empresas de tecnologia que administram as redes sociais
para, juntos, adotarem medidas que visam à despoluição do debate público. Os
eleitores devem tomar suas decisões com base em informações fidedignas. Em
última análise, trata-se de salvaguardar a própria democracia.
Em uma primeira rodada, reuniram-se com as
autoridades do TSE representantes do Twitter, TikTok, Kwai, Telegram, Meta
(Facebook, Instagram e WhatsApp) e Google (YouTube). Depois, a Corte Eleitoral
também firmou parcerias com o LinkedIn e com o Spotify. A boa notícia é que
todas essas grandes empresas de tecnologia reconheceram que são parte
fundamental de um ecossistema de combate à desinformação, haja vista que é por
meio das redes sociais e dos aplicativos de mensagens que as mentiras e
distorções da realidade mais circulam. A má notícia é que, na esmagadora
maioria dos casos, as chamadas big techs têm falhado miseravelmente
em cumprir a parte que lhes cabe nos acordos firmados com o TSE.
Pesquisadores do Instituto Nacional de
Ciência & Tecnologia em Democracia Digital (INCT.DD), da Universidade
Federal da Bahia, acompanham o cumprimento desses acordos. Em relatório
divulgado há poucos dias, eles alertaram que as big techs já
implementaram a maioria das ações acordadas com o TSE, mas, na prática, têm
demorado demais para analisar conteúdos, processar denúncias e, assim, aumentar
a transparência nas redes sociais para combater a desinformação. “O processo
eleitoral é muito dinâmico e, desde o último pleito, o período de campanha
oficial foi reduzido para dois meses”, disseram os pesquisadores Rodrigo
Carreiro e Maria Paula Almada em seu relatório. Hoje, não há prazo definido
para que as empresas de tecnologia analisem e removam, quando for o caso, uma
postagem com conteúdo enganoso. O prazo ideal, segundo os pesquisadores, seria
de 24 a 48 horas da publicação.
De fato, agilidade é um fator determinante
para a eficácia de uma ação de combate à desinformação nas redes sociais, ambiente
marcado pela velocidade de propagação de uma mensagem e por seu alcance,
virtualmente ilimitado. Quanto mais tempo uma publicação de teor duvidoso
permanecer no ar, maior será seu alcance. Consequentemente, qualquer ação de
restauração da verdade dos fatos demandará muito mais esforço, e com menos
chances de ser bem-sucedida.
O Estadão procurou todas as
empresas que participaram das negociações com o TSE para questionar seus prazos
para processar uma denúncia de conteúdo falso. Nenhuma delas respondeu. É
importante destacar que não há uma lei que determine qual deveria ser o
protocolo operacional dessas empresas. E nem haveria de ter. No entanto, foram
essas mesmas empresas que, voluntariamente, aceitaram o oportuno convite do TSE
e decidiram colaborar para tornar as redes sociais, hoje mídias incontornáveis,
um ambiente mais sadio para o debate público. Para isso, assumiram compromissos
que, até agora, não têm sido plenamente cumpridos. Não é pedir muito que elas
façam o que disseram que fariam.
Os dois candidatos que lideram as intenções
de voto para a Presidência da República, Lula da Silva (PT) e Jair Bolsonaro
(PL), não são inocentes no que concerne à disseminação de mentiras nas redes
sociais. Os petistas praticamente inventaram a máquina de destruição de
reputações na internet, uma nódoa na atividade política no Brasil do século 21.
Bolsonaro, por sua vez, elevou a má-fé à categoria de política de governo. De
ambos, portanto, não se deve esperar bom comportamento no curso da atual
campanha.
A metástase da desigualdade
O Estado de S. Paulo
Os remédios oferecidos pelos populismos à direita e à esquerda são só mais dos mesmos venenos que a intensificaram
Na última década a pobreza e a desigualdade
no Brasil aumentaram. O ciclo iniciado pelos desmandos da gestão lulopetista de
Dilma Rousseff foi agravado pela pandemia e pela crise dentro da crise
fabricada pela incúria e a má-fé de Jair Bolsonaro.
Segundo o Boletim
Desigualdade nas Metrópoles compilado com dados do IBGE pela
PUC-RS em parceria com o Observatório das Metrópoles e a Rede de Observatórios
da Dívida Social na América Latina, entre 2014 e 2021 a pobreza e a miséria nas
populações metropolitanas atingiram um recorde, saltando, respectivamente, de
16% para 23,7% e de 2,7% para 6,3%. Todos os estratos de renda experimentaram
contração em seus rendimentos, mas a queda foi mais expressiva entre os mais
pobres. A desigualdade medida pelo Coeficiente Gini subiu de 0,538 para 0,565,
outro recorde.
Desigualdade e pobreza estão sempre
interligadas. Seja lá qual for a causa e qual a consequência, países mais
desiguais tendem a ser mais pobres – e vice-versa. A mesma correlação se vê
entre inclusão social e democracia: quanto mais próspero é um país, mais
igualitário ele é.
Como lembram os pesquisadores, entre as
várias sequelas da desigualdade estão o esgarçamento do tecido social, o
desperdício de talentos, o enfraquecimento das instituições democráticas e a
redução da capacidade de crescimento econômico. Nas metrópoles, a pobreza está
visceralmente conectada a mazelas como a violência, más condições de moradia e
de acesso e qualidade dos serviços públicos e barreiras ao exercício da
cidadania.
Para enfrentar essa metástase, é preciso
ter em mente suas heterogeneidades. Dados levantados pelo Ipea mostram que a
pobreza cresceu ainda mais nas áreas rurais do que nas metropolitanas.
Regionalmente, os focos estão no Norte e no Nordeste. E em termos etários, as
crianças são mais pobres e têm menos proteção social, enquanto os idosos são
mais ricos e têm mais proteção.
Na concertação de políticas públicas, é
preciso evitar tanto a miopia própria da direita, que prioriza o crescimento
econômico, mas negligencia programas sociais, quanto a miopia inversa à
esquerda. Se a ampliação das classes pobres expõe a necessidade de programas de
assistência e transferência de renda, a vulnerabilidade da classe média e a
desaceleração da mobilidade social mostram que essas medidas só são
sustentáveis se combinadas a programas de desenvolvimento, capacitação e
produtividade.
Nada diferencia mais o populista do
estadista que o entendimento da relação entre o fiscal e o social. Para o
primeiro eles são antagônicos; para o segundo, interdependentes. Sem dinheiro
em caixa e contas públicas arrumadas, não há como garantir recursos para
programas assistenciais e a confiança que gera crédito para os mercados, viabilizando
a ampliação do emprego e da renda.
Até o momento, contudo, a disputa à Presidência está polarizada entre dois populismos, à direita e à esquerda. Lamentavelmente, o eleitorado parece inclinado a eleger como remédio para a desigualdade e a pobreza o mesmo veneno que as intensificou.
Além do teto
Folha de S. Paulo
Próximo governo precisará rever normas e,
mais importante, práticas do Orçamento
Diante da deterioração das instituições e
da gestão do Orçamento público nos últimos anos, será necessário grande esforço
de modernização do arcabouço fiscal durante o próximo ciclo presidencial.
O país dispõe de um conjunto amplo de
regras criadas em momentos diferentes com objetivos louváveis, como impedir
práticas populistas, manter a dívida sob controle e propiciar algum grau de
organização e transparência para o gasto governamental.
Na prática, porém, em vez de um
assentamento virtuoso na conduta política, o padrão recente foi de ataque às
normas de controle, com danos severos para a credibilidade da política
econômica.
Na gestão de Dilma Rousseff (PT), a afronta
se deu pela contabilidade criativa que erodiu a eficácia da Lei de
Responsabilidade Fiscal, então o principal regramento vigente. Os resultados
foram o surgimento de déficits primários (antes das despesas de juros) elevados
e um rápido crescimento da dívida pública.
Ante a constatação de que a meta de saldo
primário se mostrou frágil e não conteve a despesa (que aumentou 6% ao ano além
da inflação entre 1994 e 2014), no governo Michel Temer (MDB) foi inscrito na
Constituição o teto que limita o crescimento dos gastos à inflação.
A medida foi instrumental para sinalizar
responsabilidade de longo prazo e assim reduzir os juros,
que caíram de 14,25% ao ano em 2015 para 5% no final de 2019.
No governo Jair Bolsonaro (PL), os ataques
às regras fiscais se ampliaram. Mesmo que se reconheça algum avanço, como o
controle da folha de pessoal, e se tenha em mente a emergência da pandemia, a
degradação é inegável.
Além do calote em dívidas judiciais e da
alteração do teto em 2021, neste ano o Congresso aprovou outra mudança
casuística, que ampliou despesas em desrespeito à lei eleitoral. O surgimento
das bilionárias emendas parlamentares secretas foi outro grave retrocesso.
Essa fragilidade institucional destoa do
que se observa, por exemplo, na política monetária, em que foi consolidada ao
longo de décadas uma cultura de responsabilidade, culminando mais recentemente
com a aprovação da autonomia formal do Banco Central.
É necessário trilhar o mesmo caminho na
gestão do Orçamento. Saídas fáceis, como o simples abandono do teto de gastos
insinuado por Luiz Inácio Lula da Silva (PT), tampouco são plausíveis.
O ponto principal nem é a regra mais
adequada, já que não existe receita única. O mais importante é definir
princípios norteadores e construir boas práticas em torno deles. Os objetivos
centrais devem ser garantir a solvência do Estado, ganhar transparência e
melhorar a qualidade da ação social.
Congresso fértil
Folha de S. Paulo
Parlamentares promovem avanço com projeto
que facilita planejamento familiar
De tempos em tempos, o Parlamento dá sinais
de que não voltou de todo as costas para o país real. Ao menos em matéria de
saúde pública e direitos fundamentais, vez por outra caminha na direção
correta, como agora ao atualizar
regulamentos acerca de cirurgias de esterilização e outros métodos de
contracepção.
O Senado aprovou na quarta-feira (10), sem
alterações, projeto de lei de 2014 da Câmara que disciplina a matéria em
compasso com os dias atuais. Um dos pontos de destaque se dá com o abandono da
exigência de que ambos os cônjuges participem da decisão quanto a procedimentos
como laqueadura
de trompas e vasectomia.
Até aqui valia a norma de que era
necessário, para efetivar a intervenção, consentimento expresso do marido e da
mulher. Embora a regra se aplicasse para os dois lados, parece evidente que se
trata de um resquício machista, voltado a tolher o direito feminino de não
querer mais engravidar.
Note-se que o dispositivo não representa
permissão generalizada. Só se aplica, prudentemente, para quem tiver ao menos
21 anos ou dois filhos vivos e observar um intervalo de dois meses entre a
manifestação da vontade de fazer a cirurgia e sua efetivação.
Outra provisão permite a esterilização da
mulher durante o parto, se for essa sua decisão, evitando assim que ela precise
passar por dois procedimentos hospitalares subsequentes. O projeto aprovado
exige que, nesses casos, se respeite aquele prazo de 60 dias entre a
manifestação e a laqueadura.
Entretanto ainda é incerto se haverá no
Executivo a mesma inclinação modernizante no tema do planejamento familiar.
Para se converter em lei, o diploma precisa da sanção de Jair Bolsonaro (PL), e
não haverá grande surpresa se ele se aproveitar da situação para afagar sua
base mais conservadora.
A semente retrógrada foi lançada na própria
Casa revisora. O senador Guaracy Silveira (Avante-TO) discursou em plenário
sugerindo veto à cláusula que elimina a obrigatoriedade de consenso do casal
sobre esterilização. Argumentou que o legislador não deve criar discórdia
dentro do lar.
É bem da discórdia matrimonial que se
trata, aquela gestada quando a esposa é impedida pelo cônjuge de decidir sobre
seu próprio corpo. É a mulher quem carrega a criança no ventre por nove meses,
e a ela cabe a escolha de assumir ou não tal responsabilidade.
Pulverização dos partidos é causa da
“amnésia eleitoral”
O Globo
No Brasil das 32 legendas, 40% dos
eleitores não lembram o próprio voto para deputado
Quando as eleições se aproximam, a história
se repete: eleitores começam a consultar amigos, familiares, líderes religiosos
e comunitários pedindo indicação de nomes para as Casas Legislativas. Depois de
votar nos deputados, em geral esquecem em quem votaram. Essa “amnésia
eleitoral” atinge 40% do eleitorado brasileiro, segundo o Estudo Eleitoral
Brasileiro (Eseb), pesquisa com 2.506 eleitores, do Centro de Estudos e Opinião
Pública (Cesop), da Unicamp.
É comum atribuir ao presidencialismo a culpa pelo distanciamento entre o eleitor e o Parlamento. É evidente que, no parlamentarismo, o comprometimento do eleitor com o Legislativo é maior, já que o primeiro-ministro e seu gabinete são parlamentares. Mas esse é um argumento limitado. Aqui mesmo na América Latina, Uruguai e Chile são regimes presidencialistas com índices de “amnésia” bem mais baixos: 7% e 20%, respectivamente.
A explicação para o engajamento nas
eleições para o Congresso está no sistema partidário. No Uruguai atuam sete
legendas. Duas, Partido Nacional e Partido Colorado, existem desde o século
XIX. A Frente Ampla, de centro-esquerda, foi formada há mais de 50 anos. O
vínculo com partidos é muito maior num sistema consistente. Mesmo no Chile,
onde há 15 partidos, a “amnésia” é menor em razão da coerência programática que
os define.
No Brasil, a consistência é uma piada.
Basta lembrar que o Congresso é comandado pela massa amorfa apelidada de
Centrão. Os mesmos nomes que apoiavam governos de esquerda hoje são entusiastas
da extrema direita. Tome-se o PL de Valdemar Costa Neto — condenado e preso por
envolvimento no mensalão —, partido que hoje abriga Jair Bolsonaro, seus filhos
e a ala radical do bolsonarismo.
Tal anomalia é resultado da pulverização
partidária: 23 legendas no Congresso e 32 registradas no Tribunal Superior
Eleitoral, sem contar aquelas à espera de autorização para funcionar. Essa
balbúrdia só poderia ter como resultado as conhecidas dificuldades para o Executivo
construir sua bancada e os proverbiais casos de corrupção, toma lá dá cá e
fisiologismo.
A situação estaria melhor se o Supremo
Tribunal Federal (STF) não tivesse derrubado a cláusula de desempenho,
instituída em 1995 para permitir que apenas partidos com um patamar mínimo de
votos tivessem representatividade no Congresso e acesso a recursos dos fundos
eleitoral e partidário.
Em 2017, o Congresso, enfim convencido da
disfuncionalidade da pulverização partidária, instituiu uma nova cláusula de
desempenho. Ela entrou em vigor na eleição de 2018, mas o teste para valer será
em outubro, quando pela primeira vez será aplicada ao mesmo tempo que o fim das
coligações em eleições proporcionais.
Com essas coligações, o voto num partido
contribuía para eleger deputados de outro, não raramente com ideologia e
programa antagônicos. O eleitor ficava sem saber o destino final de seu voto —
um desrespeito a sua vontade e uma agressão à democracia. Para substituir as
coligações, os pequenos partidos conseguiram aprovar as federações partidárias,
mas ao menos elas têm de atuar como partido por uma legislatura. A cláusula de
barreira continuará subindo até chegar a 3% dos votos na eleição de 2030. Até
lá, espera-se que a consolidação partidária que já começou ganhe corpo. E é
certo que a “amnésia eleitoral” será bem menor.
Faltam armas mais eficazes para combater pirataria
e contrabando
O Globo
Levantamento estima que essas práticas
criminosas custaram R$ 337 bilhões à economia em 2021
Pirataria e contrabando desviam recursos de
empresas e do Fisco, com efeitos negativos na economia formal e no mercado de
trabalho. Levantamento feito pela Associação Comercial do Rio de Janeiro
(ACRJ), pela Federação do Comércio de Bens, Serviços e Turismo do Estado do Rio
de Janeiro (Fecomércio RJ) e pela Federação das Indústrias do Rio de Janeiro
(Firjan) estimou
a perda para as empresas lesadas em R$ 336,6 bilhões. Essa economia
informal e criminosa impediu, segundo o levantamento, a criação de 535 mil
empregos no ano passado, mais que o dobro das vagas formais abertas em junho.
Do total, R$ 95 bilhões equivalem aos
impostos sonegados — valor que poderia financiar um programa social bem mais
eficaz que o Auxílio Brasil ao longo de um ano inteiro. Eis o aspecto mais
perverso da economia subterrânea: o desvio de recursos que poderiam ser
destinados a saúde, educação ou segurança.
Os ralos por onde escoa o dinheiro estão
visíveis nas cópias piratas de vídeos e softwares, nos “gatos” nas instalações
elétricas e sinais de TV desviados nas favelas do país, explorados por
milicianos e traficantes. O levantamento estimou o furto de eletricidade no ano
passado em R$ 6,5 bilhões, rateados nas contas de luz do setor formal. Mesmo
quem se recusa a comprar produtos e serviços piratas paga por eles sem saber.
Quanto mais desejado o produto ou serviço,
maior poder de atração exercerá sobre a indústria da pirataria e do
contrabando. A perda de faturamento dos fabricantes de vestuário copiado
ilegalmente, quase sempre roupas de grife, foi avaliada em R$ 60 bilhões em
2021, prejuízo que impediu o segmento de abrir 94 mil postos de trabalho. Nem
mesmo cosméticos e defensivos agrícolas escapam. Em razão da falsificação e da
importação ilegal, o primeiro setor deixou de faturar R$ 21 bilhões; o segundo,
R$ 15,1 bilhões.
Bens de consumo mais baratos também
oferecem oportunidade aos criminosos. É o caso dos cigarros, sobre os quais
incide uma carga tributária de 70% para encarecer um vício nocivo à saúde. O
objetivo do poder público é desestimular o consumo, mas na realidade isso acaba
incentivando o contrabando e a falsificação, que subtraíram R$ 13 bilhões da
indústria do fumo em 2021. São conhecidas as rotas pelas quais o Paraguai
abastece o Brasil de cigarros sem pagar imposto. Com preços mais baixos, quatro
marcas contrabandeadas estão entre as dez mais vendidas por aqui. A solução não
está em reduzir a tributação de um produto cancerígeno, mas em coibir a venda
dos produtos ilegais.
Executivos que lidam com o problema, além de mencionarem a necessidade imperiosa de conscientizar o consumidor, pedem uma legislação renovada que permita ação mais rápida e eficaz das autoridades. Sem uma fiscalização eficiente, nada se pode contra a indústria da pirataria e do contrabando, que opera de forma global e integrada.
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