domingo, 14 de agosto de 2022

Míriam Leitao - Democracia para quê?

O Globo

A democracia é um estado permanente de inquietação que exige movimento em direção ao futuro e às novas conquistas

O Brasil tem muitos problemas. Imensos e graves. Nenhum deles será resolvido sem democracia. Quando o país exibe novamente o espetáculo da sociedade civil organizada construindo pontes para passar a mensagem da defesa da democracia é preciso pensar de novo no quanto falta avançar. As arcadas que sustentam esse pacto entre pessoas diferentes entre si vêm da certeza de que só na democracia é possível negociar consensos.

Os rostos que apareceram nas falas e nas leituras na USP mostraram o quanto a democracia nos fez bem até o momento. Agora há jovens, mulheres, negros. O fato de a Carta às Brasileiras e aos Brasileiros ter iniciado sua leitura por Eunice Jesus Prudente, uma mulher preta, como ela se identificou, é muito mais do que um sinal politicamente correto. Ela é professora de Direito, tinha razão de estar ali. O fato de o Centro Acadêmico XI de Agosto e a União Nacional dos Estudantes serem presididos por mulheres é resultado de muito avanço. São conquistas pessoais, de Manuela Morais e Bruna Brelaz, mas são também vitórias coletivas.

É importante refletir sobre o que disseram as duas jovens. Elas traçaram o fio histórico. “Somos filhos de Honestino Guimarães, Helenira Resende e Edson Luiz”, disse Bruna. Manuela, por sua vez, lembrou dos mortos e desaparecidos que passaram pela USP e, depois, foi mais atrás. “Pisamos no mesmo solo em que Luiz Gama aprendeu a lutar.” O que estavam informando é que pegaram o bastão das gerações que as antecederam e estão levando adiante. Um país que faz isso tem história.

Mas é preciso mais que história. A democracia é um estado permanente de inquietação que exige movimento em direção ao futuro. Até aqui temos conquistas a comemorar, e com seus rostos as duas meninas davam notícia desse avanço. “Nós que éramos os outros, agora fazemos parte desta nova Carta. Somos jovens negros, periféricos, uma nova intelectualidade que é fruto das universidades públicas, das quebradas e das favelas”, disse Manuela Morais, do alto dos seus 19 anos. E avisou que todos têm lutado para que essas conquistas cheguem a um ponto de não retorno.

Curioso é que a presidente do Centro Acadêmico e o ex-presidente do Banco Central passaram o mesmo sentimento. “Era preferível que não houvesse, 45 anos depois, a necessidade de uma nova Carta”, disse Manuela. “É uma situação esdrúxula que tenhamos que nos concentrar em salvar o que foi conquistado”, disse Armínio Fraga.

Que dia. A nova carta foi lida em 11 de Agosto, o nome da primeira representação estudantil do país é Centro Acadêmico XI de agosto, e a UNE foi criada em um 11 de agosto. Bruna Brelaz se apresentou assim. “Sou filha do Amazonas, do Norte do Brasil, a primeira mulher negra nortista a assumir a UNE nesses 85 anos.” O Brasil estava lá em sua diversidade, em sua pluralidade, para quem quisesse ver. A democracia é que trouxe para a cena os novos rostos.

E fez mais. A democracia nos deu uma nova Constituição, a vitória sobre a hiperinflação, políticas públicas que incluíram e garantiram direitos. Mas tudo somado é pouco para superar as imensas fendas e fraturas entre brasileiros que se aprofundaram nesses anos da onda conservadora autoritária que nos assolou, impondo espantosos retrocessos.

O movimento da semana foi bonito e triste ao mesmo tempo. É ruim ter que voltar à primeira barricada. Não deveria ser preciso. Mas é bom ver que tantos se dispõem a reforçar as bases do pilar fundacional do Brasil moderno, o Estado Democrático de Direito.

O Brasil precisa de democracia para proteger a vida dos indígenas que foram nossas primeiras vítimas e ainda hoje morrem em defesa do patrimônio comum dos brasileiros. Precisa de democracia para preservar a vida dos jovens negros e ter políticas mais poderosas de inclusão. É fundamental para encontrar formas de vencer essa verdadeira epidemia de violência contra a mulher. A democracia precisa reforçar os marcos de proteção ambiental que estão sendo desfeitos. A economia produtiva e próspera não será encontrada no modelo autoritário. A educação de qualidade só será possível em ambiente de liberdade. A transição para uma economia de baixo carbono será possível apenas se o Estado de Direito prevalecer sobre a lei do mais forte. O Brasil tem muitos problemas. Todos eles só poderão ser enfrentados com mais democracia.

 

2 comentários:

Anônimo disse...

Cara jornalista hoje quem está rompendo com a democracia é o Judiciário, particularmente o ST F que cassa, prende, exila por falas e opiniões até deputados que tem garantias constitucionais para se manifestarem livremente, criaram o crime Fake News e o inquérito do fim do mundo, segundo o
Ministro Marco Aurélio que chamou de xerife
o Alexandre de Moraes que vem atropelando toda a normativa constitucional que é a nossa maior e principal Carta pela democracia
Estamos lutando e saindo às ruas para retomar a democracia perdida e a liberdade democrática

ADEMAR AMANCIO disse...

Sem democracia não há solução,viva o Supremo!