sexta-feira, 20 de outubro de 2023

Claudia Safatle - Governo e mercado seguem distantes na questão fiscal

Valor Econômico

No governo, acha-se bastante ‘conservadora’ a projeção da média do mercado, que estima déficit de 0,8% do PIB para 2024

Continua grande a distância entre as expectativas do mercado e as pretensões do governo na política fiscal, seja no resultado primário, seja na trajetória da dívida pública. Esse tema não é novo para quem acompanha o dia a dia das contas públicas, mas ele impõe um custo que não existiria se houvesse uma convergência entre o que o mercado espera e o que o governo se propõe a fazer: não só atrasa a velocidade de queda da taxa de juros, mas eleva a curva da taxa de juros futura e encarece o financiamento da dívida pública.

No governo, acha-se bastante “conservadora” a projeção da média do mercado, que consta do relatório Focus, do Banco Central, que estima déficit de 0,8% do Produto Interno Bruto (PIB) para 2024, decrescendo muito lentamente até 2026, sem nem sequer chegar à estabilidade da dívida bruta como proporção do PIB.

“Achar que o governo vai errar este tanto, com tantos instrumentos à sua disposição, me parece um cenário quase ingênuo, que na minha opinião reflete um forte viés ideológico”, disse uma fonte que está com a mão na massa da política fiscal.

Uma outra fonte comentou que no seu cenário, no momento, é mais provável que o governo tente todas as alternativas possíveis antes de desistir da meta de zerar o déficit primário e “jogar a toalha”. Mas, se por ventura isso vier a acontecer, só se pretende “jogar a toalha” no segundo semestre de 2024. E o governo perderia a meta por pouco.

É importante lembrar que a meta de zerar o déficit primário tem uma banda de 0,25% para cima ou para baixo, o que equivale à uma margem de tolerância de cerca de R$ 25 bilhões para mais ou para menos.

A área econômica do governo precisa arrecadar aproximadamente R$ 168 bilhões a mais, no próximo ano, para zerar o déficit primário. O mercado, por sua vez, considerou possível uma receita extra de metade desse valor, cerca de R$ 80 bilhões.

Se o governo não cumprir a meta para 2024, poderá gastar, no ano seguinte, 2025, só metade do que conseguir de aumento das receitas. Trata-se de uma punição para o caso de não obter o resultado esperado para as contas públicas.

Já está praticamente decidido que o Ministério da Fazenda recorrerá ao contingenciamento de uma parte relevante da despesa prevista no Orçamento como uma das formas de assegurar que a meta é pra valer e que o governo usará de todo seu instrumental para cumprir o seu compromisso fiscal.

Sob o ponto de vista legal, porém, o contingenciamento só é possível a partir da apresentação do primeiro relatório bimestral de avaliação das receitas e despesas, que ocorre em março. É por meio desse relatório que o Executivo estabelece o contingenciamento de parte dos gastos previstos no Orçamento da União quando a receita reestimada não comporta a despesa, de forma a assegurar o cumprimento das metas de resultado primário.

Uma fonte oficial disse que o governo tem planos B e C para conduzir a política fiscal, mas não pode antecipá-los porque isso jogaria contra a estratégia de negociação com o Congresso, onde estão as medidas necessárias ao cumprimento da meta de zeragem do déficit. “É um trade-off entre a comunicação com o mercado e o esforço de aprovação no Congresso”, disse a fonte.

Infelizmente, nenhum desses planos tem a intenção de olhar as contas públicas pelo lado do gasto. A opção preferencial do governo, seja nos planos A, B ou C, é obter mais dinheiro dos contribuintes para financiar o permanente aumento da despesa pública.

Há medidas que só vão acontecer ao longo do próximo ano, a exemplo da antecipação do pagamento de dividendos pelas empresas estatais à União.

São as companhias abertas como a Petrobras, a Eletrobras, o Banco do Brasil que, assim como o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) e a Caixa Econômica Federal, que são empresas fechadas, têm em seus estatutos a possibilidade, não a obrigatoriedade, de antecipar o pagamento de dividendos.

A cada ano, a pedido do controlador (que é a União), elas avaliam se podem ou não fazer essa antecipação. Foi assim em 2022 e em diversos outros momentos. As empresas, sobretudo a Petrobras e o BNDES, têm antecipado o pagamento dos dividendos com base nos resultados trimestrais a pedido do controlador.

 

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