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Ele insistia na direção inteligente, pela sociedade, dos mecanismos profundos que movem os negócios
Peço licença (ou desculpas) aos leitores de
nossa CartaCapital: vou reapresentar uma de minhas obsessões prediletas.
Diante da soberba “científica” de alguns economistas, arrisco minha reputação
para celebrar os escritos de um filósofo moral que embrenhou sua sabedoria nos
áridos territórios da Economia.
No artigo de 1930, “As Possibilidades
Econômicas dos Nossos Netos”, Keynes projeta a vida social que pode nascer do
avanço tecnológico e da rápida acumulação produtiva. O capitalismo, diz ele,
criou as condições para a superação das limitações impostas milenarmente à
satisfação das necessidades básicas dos indivíduos. Criou, mas não entregou.
Nesse texto perturbador para o ethos da sociedade aprisionada nas engrenagens da concorrência, Keynes escreve: “Devemos abandonar os falsos princípios morais que nos conduziram nos últimos dois séculos. Eles colocaram as características humanas mais desagradáveis na posição das mais elevadas virtudes. Não há nenhum país, nenhum povo que possa vislumbrar a era do tempo livre e da abundância sem um calafrio… Pois, fomos educados para o esforço aquisitivo e não para fruir… Se avaliarmos o comportamento e as realizações das classes abastadas de hoje, as perspectivas são deprimentes… Os que dispõem de rendimentos diferenciados, mas não têm deveres ou laços, falharam, em sua maioria, de forma desastrosa no encaminhamento dos problemas que lhes foram apresentados”.
Entre minhas modestas tentativas de desvendar
os valores que orientaram os trabalhos do maior economista do século XX,
sublinhei o peculiar humanismo de Keynes. Ele professava a crença de que a
sociedade e o indivíduo são produtos da tradição e da história. Cultivava os
valores de uma moral comunitária, radicalmente antivitoriana e, portanto,
visceralmente antiutilitarista.
Isso não quer dizer que recusasse as virtudes
criativas da modernidade capitalista nascida sob a consigna do avanço das
liberdades e da autonomia do indivíduo. O “amor ao dinheiro”, dizia, é o
sentimento que move o indivíduo na economia mercantil-capitalista. Fator de
progresso e de mudança social, the love of money pode transformar-se em um
tormento para o homem moderno. A sanha competitiva não avalia os custos da
refrega, “mas olha apenas para seus resultados finais, assumidos como
permanentes”.
No seu célebre artigo “O Fim do Laissez-faire”,
Maynard ironizou a ideia de que a busca do interesse privado levaria
necessariamente ao bem-estar coletivo. “Não é uma dedução correta dos
princípios da teoria econômica afirmar que o egoísmo esclarecido leva sempre ao
interesse público. Nem é verdade que o autointeresse é, em geral, esclarecido.”
Keynes cultivava os valores de uma moral
comunitária, antivitoriana e antiutilitarista
Os efeitos negativos do darwinismo social
devem ser neutralizados mediante a ação jurídica e política do Estado e,
sobretudo, pela atuação de “corpos coletivos intermediários”; como, por
exemplo, um Banco Central dedicado à gestão consciente da moeda e do crédito. Keynes
acreditava que a cura para os males do capitalismo deve “ser buscada, em parte,
pelo controle da moeda e do crédito por uma instituição central e, em parte,
por um acompanhamento da situação dos negócios, subsidiados por abundante
produção de dados e informações”. Ele insistia na “direção inteligente pela
sociedade dos mecanismos profundos que movem os negócios privados”,
particularmente as decisões sobre a posse da riqueza marcadas pelo conflito
entre o investimento criador de riqueza nova – leia-se emprego, rendimentos e
lucros para trabalhadores e empresários – e a acumulação de valores fictícios,
estéreis, para a comunidade. No último capítulo de sua obra maior intitulado
Notas Finais Sobre a Filosofia Social a Que Pode Levar a Teoria Geral, Keynes
constrói a síntese entre a sua filosofia moral e a crítica à “teoria clássica”
empreendida ao longo do livro. Ele propõe um conjunto de políticas apoiadas nas
concepções já sugeridas no artigo de 1933, “The Means to Prosperity”: “O
problema econômico é uma questão de economia política, isto é, da combinação
entre teoria econômica e a arte da gestão estatal”.
O primeiro ponto desse arranjo de política
econômica é a “socialização do investimento”, entendida como a coordenação pelo
Estado das relações entre o investimento público e privado. O “orçamento de
capital” do governo deve ser administrado de modo a minorar as incertezas que
contaminam o investimento privado. “Creio que uma socialização bastante
completa do investimento será o único meio de se aproximar do pleno emprego,
ainda que isso não exclua qualquer forma de cooperação entre a autoridade
pública e a iniciativa privada.”
O segundo pilar da proposta keynesiana cuida
da eutanásia do rentier. A política bancária e de crédito deve ser administrada
para neutralizar “o poder de opressão acumulativo do capitalista para explorar
o valor de escassez do capital … enquanto sejam intrínsecas as razões para a
escassez da terra, isso não é verdade para a escassez de capital”.
O terceiro ponto reclama um sistema fiscal
que mantenha permanentemente a capacidade de redistribuir renda dos mais
abonados para as classes menos favorecidas, com o objetivo de manter o consumo
crescendo à mesma velocidade da expansão da renda.
O quarto ponto. Já na Teoria Geral, Keynes
clamava por uma distribuição mais equitativa do ajustamento dos desequilíbrios
de balanço de pagamento entre deficitários e superavitários, como forma de
evitar os desatinos competitivos de “empobrecer o vizinho”. Isto significava
facilitar o crédito aos países deficitários e punir os países superavitários. O
propósito era evitar os “ajustamentos deflacionários” e manter as economias na
trajetória do pleno emprego. Mais tarde, em Bretton Woods, Keynes propôs a Clearing
Union, uma espécie de Banco Central dos Bancos Centrais. A Clearing Union
emitiria uma moeda bancária, o bancor, destinada exclusivamente a liquidar
posições entre os Bancos Centrais. Ele imaginava que o controle de capitais
deveria ser “uma característica permanente da nova ordem econômica mundial”.
*Publicado na edição n° 1301 de CartaCapital, em 13 de março de 2024.
2 comentários:
Muito bom!
Não entendi bulhufas,mas é lindo,rs.
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