O Globo
Além de ser contraproducente para forçar queda de juros, entrevista do presidente antecipa sucessão presidencial
O conteúdo e o tom da altamente noticiosa
entrevista de Lula à rádio CBN foram bastante questionáveis, mas o timing da
fala presidencial também foi infeliz por pelo menos três razões. O conjunto da
obra mostra que o governo precisa de ajustes também na comunicação, além de na
economia e na articulação política.
Já escrevi em meu blog no GLOBO a respeito de
como, ao voltar a mirar no presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto,
Lula reedita uma estratégia de 2023 que tem menos capacidade de surtir efeito
agora que há um ano.
A decisão do Copom a respeito da taxa básica
de juros sairá hoje, e, se tiverem algum efeito, os ataques de Lula ao
presidente do BC unirão o colegiado naquela que já era a decisão mais esperada
pelo mercado: a manutenção da Selic em 10,5%.
Nas últimas semanas já havia uma espécie de consenso de que a reunião de junho não repetiria a divisão exatamente meio a meio da diretoria: de um lado os indicados de Lula; de outro, os remanescentes indicados por Jair Bolsonaro.
As razões técnicas que explicam a pisada no
freio do Copom na sequência de sete quedas na Selic envolvem questões internas
e externas. A elas, se soma a natural propensão dos diretores de blindar a
instituição da pressão política que Lula tratou de explicitar.
Um dos problemas de timing das declarações em
tom belicoso do presidente é justamente terem precedido uma reunião do Copom
que já anunciava más notícias para as pretensões do Planalto.
O segundo problema é antecipar em nada menos
que dois anos e meio a sucessão presidencial, ao passar recibo do incômodo com
a confraternização de Campos Neto com o governador de São Paulo, Tarcísio de
Freitas. Convescote altamente impróprio, sem dúvida. RCN já vem de
comportamentos incompatíveis com a independência do BC, como ter envergado um
uniforme da Seleção Brasileira para ir votar em 2022, ou ter integrado o grupo
de WhatsApp dos ministros de Bolsonaro até ser flagrado.
Do presidente de uma autoridade monetária
independente, se exige afastamento das cortes políticas. E alcunhas como “pai
do Pix” podem até ser tentadoras, mas são kryptonita que joga contra o
princípio da autonomia — avanço institucional que não deve ser esculhambado.
Ainda assim, o que Lula ganha escolhendo
Tarcísio como provável adversário em 2026 com tanta antecedência? O presidente
confere ao governador de São Paulo uma importância na definição da política
monetária que ele não tem e acaba por galvanizar na opinião pública, inclusive
aos olhos do tal mercado com que vem se indispondo de forma também
desnecessária, a ideia de que Tarcísio é seu antípoda.
O terceiro descompasso temporal da fala em
que de novo se desviou de se comprometer com cortes de gastos e ainda
terceirizou para empresários e para o Congresso a responsabilidade de encontrar
receitas para compensar desoneração da folha de pagamentos, acenando até com a
liminar concedida pelo ministro do STF Cristiano Zanin como carta na manga que
pode voltar a usar, é que isso não ajuda a necessária reconstrução da
governabilidade previsível no Congresso.
Pelo contrário: parece que o presidente jogou
a toalha e reconhece que será difícil para seu governo apresentar uma proposta
que coadune o necessário ajuste fiscal e o empuxo para fazer com que ele tenha
o aval do Legislativo.
Tudo isso veio justamente no dia em que a
pesquisa Datafolha mostra um princípio de recuperação na popularidade de Lula,
com a aprovação descolando da rejeição pela primeira vez em 2024. Seria o caso
de ver de onde vem a luz no fim do túnel e de investir os esforços, inclusive
de comunicação, nessa direção, e não de criar novas arestas além das muitas que
já há nos fronts da economia e da política.
2 comentários:
Dois pontos :
• Há tempos a postura do presidente do Banco Central vem sendo imprópria.
Ok, perfeito.
• Nos 4 anos do governo Bolsonaro, a taxa básica de juros subiu de 6,5% para 13,75% ao ano.
De resto, cada um procura suas narrativas e bodes expiatórios.
😏😏😏
Vera sendo Vera e,acertando,diga-se.
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