sábado, 1 de março de 2025

O que a mídia pensa | Editoriais / Opiniões

Trump estarrece o mundo ao humilhar Zelensky

O Globo

Sem poder confiar nos Estados Unidos, será mais difícil conter Putin e outras ameaças à paz mundial

O mundo jamais viu cenas como a que opôs, em pleno Salão Oval da Casa Branca, o presidente americano, Donald Trump, e seu vice, J.D. Vance, ao ucraniano Volodymyr Zelensky, convidado a assinar um acordo de cooperação que permitisse aos americanos explorar minério ucraniano, em troca, desejavelmente, de apoio militar e de negociações capazes de encerrar a guerra contra a Rússia. Em vez disso, Trump e Vance humilharam Zelensky com truculência inédita diante das câmaras. As imagens já têm lugar na História como evidência da guinada que o governo americano imprime à política internacional.

Zelensky compareceu à reunião na Casa Branca ainda que tivesse sido forçado a concordar com termos menos vantajosos no documento que assinaria — não havia garantia de segurança dos Estados Unidos à Ucrânia. Mesmo tendo cedido, o clima foi tenso. Trump criticou Zelensky por odiar o russo Vladimir Putin, responsável pela invasão da Ucrânia. Quando o ucraniano argumentou que não se deve confiar em Putin, porque ele já quebrou várias promessas, Vance respondeu dizendo que aquilo era um desrespeito a Trump. Daí em diante, Zelensky foi atacado até o fim. No final, humilhado pelos anfitriões, não assinou nada. Numa rede social, agradeceu a Trump e escreveu: “A Ucrânia precisa de paz justa e duradoura, e estamos trabalhando exatamente para isso”. Lideranças europeias reagiram em uníssono em apoio a ele.

Os tambores de Milton - Eduardo Affonso

O Globo

Sob o manto da Portela, pelas lentes da Flávia Moraes, é como se o Brasil fizesse um travesseiro dos seus braços

Lá vem Portela, com Milton em seu altar. Lado a lado, a águia altaneira e o passarim preto de terno azul e branco. E, quando o solidário que não quer solidão emergir daquele rio de asfalto e gente, os tambores de Minas soarão.

Soarão como samba trazendo alvorada, feito uma reza, um ritual. Com sabor de vidro e corte, com cheiro de cravo e canela, para lembrar que o azul e branco da Portela é o mesmo do Cruzeiro. (Milton merecia um samba feito por Paulinho da Viola e Paulo César Pinheiro.) Que falasse dos bailes da vida, do Beco do Mota, dessa gente que ri quando deve chorar — e inventasse na avenida um cais ligando Minas ao Rio, ao mar. Um samba para mostrar à arquibancada que o que importa é ouvir a voz que vem do coração e para deixar mestre-sala e porta-bandeira com a roupa encharcada — e a alma repleta de chão.

Um samba que trouxesse, como puxadoras, Elis, Gal, Lília, Rita Lee e juntasse — numa esquina da Sapucaí, a lembrar que nada será como antes, amanhã — os irmãos Borges, Bituca, Beto, Bastos, Brant. Que abrisse as janelas ao negro do mundo lunar e não nos deixasse esquecer que todo amor é sagrado, que qualquer maneira de amor vale amar.

Governo x BC: quem leva? – Carlos Alberto Sardenberg

O Globo

Enquanto o Banco Central eleva juros para conter a demanda (e a inflação), Lula só pensa em distribuir mais dinheiro, aumentar o gasto público e facilitar o crédito

Há uma contradição entre a política econômica do governo Lula e a política monetária do Banco Central. Pode parecer estranho para muita gente. Afinal, o BC não faz parte do governo? Para complicar ainda mais, a resposta a essa pergunta é mista: sim e não. Sim, porque os diretores do BC são nomeados pelo presidente da República. Não, porque os diretores do BC têm mandatos de quatro anos, isso desde 2021, quando se aprovou a lei que garantiu autonomia à instituição financeira.

A lei fixa também os objetivos do BC, basicamente controlar a inflação e colocá-la na meta. O BC é independente para aplicar a política monetária, seguindo o regime de metas de inflação. Bem resumido, funciona assim: quando a inflação está em alta, a instituição financeira sobe os juros; e inversamente. Aqui aparece a contradição.

Soberanias em conflito – Pablo Ortellado

O Globo

O debate sobre se as decisões de Moraes são razoáveis ou excessivas em relação à plataforma Rumble precisa ocorrer dentro do Brasil, pelas vias institucionais apropriadas

As plataformas de mídia social Rumble e Truth Social (a segunda de propriedade do presidente americano, Donald Trump) processaram o ministro Alexandre de Moraes nos Estados Unidos acusando-o de violação da soberania americana, sob o argumento de que extrapolou sua autoridade ao tentar impor censura extraterritorial sobre empresas do país. A decisão da juíza, que considerou o processo prematuro, foi noticiada, nos Estados Unidos, como vitória da Rumble e, no Brasil, como vitória do ministro Alexandre de Moraes. O caso escalou com uma nota da embaixada americana afirmando que “bloquear o acesso à informação e impor multas a empresas sediadas nos EUA por se recusarem a censurar indivíduos que lá vivem é incompatível com os valores democráticos”. O Ministério das Relações Exteriores do Brasil respondeu dizendo que “o Departamento de Estado distorce o sentido das decisões do Supremo Tribunal Federal, cujos efeitos destinam-se a assegurar a aplicação, no território nacional, da legislação brasileira pertinente”.

América corrupta ‘again’ - Miguel Reale Junior

O Estado de S. Paulo

Trump ordenou a suspensão da lei antissuborno, com a desculpa de que isso significará mais negócios para os EUA

Após o escândalo de Watergate, o Congresso americano decidiu enfrentar o tema sabido da corrupção de agentes políticos ou administrativos no exterior, como forma de obter ou manter negócios.

Lembra Mike Koehler ( The story of FCPA Act) que a Gulf Oil fez contribuições para a campanha política do presidente da República da Coreia; Northrop realizou pagamentos a general da Arábia Saudita; a Exxon e a Mobil Oil deram dinheiro a partidos políticos italianos. Por fim, Lockheed fez pagamentos ao primeiro-ministro japonês Tanaka e ao príncipe Bernhard – inspetor-geral das Forças Armadas holandesas e marido da rainha Juliana, dos Países Baixos.

Os pagamentos foram feitos para ganhar vantagens, especialmente na obtenção ou manutenção de contratos governamentais ou para influenciar qualquer ato ou decisão de funcionário estrangeiro.

Os próximos quatros anos - André Gustavo Stumpf

Correio Braziliense

O grande acordo a ser perseguido é aquele a ser assinado com Pequim. Trump quer criar um G2. Um pacto entre os novos donos do mundo

Faltam três anos e 11 meses para que o governo Trump termine. Ao longo desse período, o bronzeado político norte-americano vai causar muitos estragos nos Estados Unidos — onde está promovendo o desemprego em massa de funcionários públicos — e no exterior, por intermédio de suas sobretaxas aplicadas sem qualquer critério ou negociação prévia. Ele não quer saber das consequências. É o cowboy norte-americano correndo pelas pradarias, matando índios, invadindo países, expulsando comunidades inteiras para construir hotéis de luxo, como sonha fazer em Gaza, em nome da reafirmação da importância do capital. O negócio é fazer dinheiro. O Deus é o dólar.

Trump já deu um golpe? - Hélio Schwartsman

Folha de S. Paulo

Erosão institucional já está contratada, mas ditadura escancarada é pouco provável

Patrícia Campos Mello, como sempre, levanta ótima questão. Já dá para chamar de golpe o que Donald Trump está fazendo nos EUA?

A própria Patrícia, recolhendo comentários de historiadores, cientistas políticos e outros analistas, constata que é crescente o número de especialistas, da esquerda e da direita, de Timothy Snyder a Anne Applebaum, que classificam algumas das ações de Trump como ruptura institucional, que é uma das definições de golpe.

Existem golpes insofismáveis, como quando militares destituem um presidente (Chile, 1973) ou quando um presidente fecha o Legislativo e o Judiciário (Peru, 1992), mas, especialmente nos dias de hoje, a maior parte das descontinuidades constitucionais se desenrola de modo mais ambíguo.

O dia em que a Otan acabou - Demétrio Magnoli

Folha de S. Paulo

Sob Trump, Europa navega em águas desconhecidas e precisa erguer edifício de segurança independente

O reality show da humilhação de Zelenski promovido por Trump, no Salão Oval, concluiu a ruptura entre EUA e Ucrânia e o alinhamento da Casa Branca à Rússia de Putin. O evento, salpicado por ameaças, insultos e acusações, segue-se às negociações bilaterais EUA/Rússia sobre o futuro da Ucrânia, às declarações de Trump atribuindo aos europeus a responsabilidade por garantias de segurança ao país invadido e ao voto pró-russo dos EUA na ONU. O conjunto da obra assinala o virtual desmoronamento da Otan.

A Aliança Atlântica ainda existe no papel, mas perdeu sua alma, expressa no artigo 5 do tratado fundador que classifica um ataque militar contra qualquer de seus integrantes como agressão a todos. O artigo anulou, no plano geopolítico, a separação geográfica entre EUA e Europa pela vastidão do Atlântico. De agora em diante, volta a existir, nas palavras de Trump, "um maravilhoso oceano" dissociando a superpotência norte-americana das nações europeias.

Trump assume a direção da escola de ditadores - Alvaro Costa e Silva

Folha de S. Paulo

Brasil que se cuide com o projeto expansionista que ameaça Canadá, Groenlândia, Ucrânia...

A política dos EUA é agressiva e barulhenta. Trump adaptou a receita dos autocratas que estiveram e estão por aí, cada dia em maior número. Gatos que convivem bem no mesmo saco, apesar dos disfarces ideológicos. nicolas Maduro, Ortega, Bukele, Milei, Erdogan, NetanyahuPutin, Bolsonaro formam uma escola de ditadores. Maquiados de democratas, corroem a máquina do Estado para controlá-la e utilizá-la como arma de repressão.

O roteiro trumpista inclui demissão em massa de funcionários públicos, substituindo-os por aliados; enfraquecimento de agências e mecanismos de controle; imposição de tarifas e adoção de ferramentas econômicas para incentivar certos setores (criptomoedas); assédio judicial; saída de organismos internacionais; ausência de cooperação em temas como aquecimento global.

Homenagem ao papa Francisco - Luiz Gonzaga Belluzzo*

O pontífice rejeita as formas de religiosidade que deságuam no “consumismo do sagrado”

A saúde debilitada do papa Francisco impulsionou meus neurônios a relembrar suas palavras, em uma mensagem aos cristãos:

“Vigiemos o narcisismo e o exibicionismo, baseados na vanglória que levam também nós cristãos a ter sempre nos lábios a palavra ‘eu’ : ‘eu fiz isto, eu havia dito, eu havia entendido’. Onde há muito eu, há pouco Deus.”

Narcisismo, exibicionismo e autoritarismo são as marcas registradas de Donald Trump. Enquanto Donald Trump tomava posse em Washington para o exercício de seu primeiro mandato, Francisco concedia no Vaticano uma longa entrevista ao El País, em que pedia prudência ante os alarmes acionados com a chegada do egótico presidente dos Estados Unidos – “é preciso ver o que ele faz; não podemos ser profetas de calamidades” –, embora advertindo que, “em momentos de crise, o discernimento não funciona” e os povos procuram “salvadores” que lhes devolvam a identidade “com muros e arames farpados”.

Unidos do superávit primário - Marcus Pastana

Viva! Chegou! É Carnaval! Esquentem os tamborins, cuícas, surdos e repeniques. A vida continua e a economia ficará na marcação, esperando as decisões de março. Apesar de seus efeitos impactarem a vida de cada brasileiro, a discussão econômica não é nada popular. Alguém aí conhece algum bloco de carnaval chamado “Unidos do Superávit Primário” ou “Grêmio Recreativo Amantes da SELIC”?  Será que a economia vai ou não atravessar o samba em 2025?

O ano começou com a inflação em alta. Os juros deverão crescer ainda mais. Teremos uma inflação fora dos trilhos acima de 5,5%. O dólar deu um refresco e chegou ao carnaval no eixo dos 5 reais e setenta e cinco centavos. O Brasil não será punido pelos jurados em função das políticas monetária e cambial. A harmonia proporcionada pelo câmbio flutuante, pelas metas inflacionárias e a autonomia operacional do Banco Central asseguram um bom desempenho dessas alas no desfile da escola.

Poesia | Canavial, de João Cabral de Melo Neto

 

Música | Alceu Valença - Hino do Galo da Madrugada

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