O Globo
A situação atual dos EUA com Trump serve de
alerta: a inflação dissolve intenções de de voto e o perigo institucional muitas é esquecido
A economia vencerá Donald Trump. Ela é o que é. Não aceita desaforos e responde sempre. A guerra tarifária é inflacionária e a inflação é uma velha inimiga da popularidade. A incerteza provocada por um líder bélico, errático, randômico, vai paralisar decisões. A economia não gosta da dúvida. Ela é o que é. O grande desafio neste momento vai além da economia. Ainda é a democracia que está num pêndulo perigoso. A nossa, custou muito caro e ontem completou 40 anos. Jovem a nossa democracia, mas é a mais longeva que tivemos. Preciosa. Viveu sustos recentes e não está fora de perigo.
O governo José Sarney precisou
de coragem para enfrentar a crise econômica deixada pela ditadura. A economia
poderia derrotar a nascente democracia. Por um enredo surpreendente, a vitória
breve do primeiro plano anti-inflacionário, que manteve preços baixos por seis
meses, levou o brasileiro a persistir no sonho do Real, só realizado anos
depois sob a batuta do maestro Fernando
Henrique Cardoso. Os dias do agudo da hiperinflação, com os militares à
espreita e os preços selvagens, foram assustadores.
A economia responderá de várias formas aos
ataques de Trump. As tarifas vão impactar os preços de muitos produtos já que
ele está criando barreiras à entrada para todos os países. Não haverá
fornecedor alternativo para o aço brasileiro, porque os competidores também
estão sendo taxados. Esse é só um exemplo. Mercadorias que os Estados Unidos
importam do Canadá, México, China e Europa, terão aumento de preços.
Momento estranho no mundo. Os consumidores
são intolerantes a preços altos, mas os eleitores têm sido permissivos com os
ataques ao arcabouço institucional. Donald Trump afrontou a Constituição em
cena pública. “To the Capitol”, instigou. A multidão fez o que escandalizaria
os Founding Fathers, invadiu o Capitólio. Mesmo assim, Trump voltou coberto de
glória. Nesta segunda estadia na Casa Branca, radicalizou seus ataques à
democracia americana e às alianças tecidas na cicatrização das feridas da
grande guerra. Tudo está ficando fora da ordem na velha ordem mundial. E não
para melhor.
Trump prometeu inflação baixa. O índice
estava caindo no fim do governo Joe Biden, mas ficou o travo da carestia. Os
preços subiam menos, mas estavam altos demais. Trump aproveitou esse desgosto.
Nunca se saberá quantos votos ele teve por isso, mas podem ter sido decisivos.
O risco que ele representa para a democracia não foi considerado pela maioria.
Esse é o tempo de hoje, que sirva de alerta. A inflação dissolve intenções de
voto. O perigo institucional muitas vezes será esquecido.
A economia derrotará Trump porque ele está
convocando muitos fantasmas ao mesmo tempo. As imprevisibilidades que semeou
podem levar as empresas a não investir e derrubar o crescimento. Em ambiente
recessivo, os preços perdem gás. Ou não. A dupla da maldade na economia tem
nome: estagflação.
O projeto de Trump é forçar a
renacionalização das cadeias produtivas. Isso é uma ideia fora do seu tempo. A
substituição de importações está datada. Pode ocorrer em partes, em setores,
mas não é possível desfazer tudo o que foi feito em décadas de produção
distribuída e conectada. Seria como revogar a internet.
Os adoradores de Trump no Brasil estão em
apuros. O que ele tem feito para seguir o ideal “Make America Great Again”
pressupõe diminuir os outros. Nós estamos entre os outros. Três bilhões de
dólares em nosso saldo comercial foram alvejados só com a medida do aço. Haverá
outras. Os bonés pesarão sobre certas cabeças.
A economia cobrará sua conta. Ela é o que é.
Mas como a democracia se protegerá do vendaval autoritário que varre o mundo,
com sopro forte desde Washington? Não demorar no julgamento dos responsáveis
pelo crime de lesa democracia do último atentado é prudente. Também é sábio não
cometer deslizes que sejam brechas para o desmonte futuro dos julgamentos.
Quarenta anos é uma vida. E um curto tempo
histórico. Ainda lembro do espanto da não posse de Tancredo Neves no dia 15 de
março de 1985. Foram dias de pura aflição até a dor do 21 de abril. Tancredo
subiu a rampa no caixão. Quem viu traz a imagem tatuada na memória. “Serei
maior que eu mesmo”, prometeu José Sarney. A economia estava em desordem, os
quartéis em prontidão. Fizemos a travessia. Agora na maturidade, a democracia
ainda exige proteção. Se errarmos na economia, ela cobrará o preço. Ela é o que
é.
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