Eduarda Esposito e Vanilson Oliveira / Correio Braziliense
Ex-presidente José Sarney relembrou os
desafios enfrentados na transição para a democracia, durante evento no Panteão,
que contou com a presença de autoridades, acadêmicos e ex-chefes de Estado
A celebração dos 40 anos da redemocratização
política do Brasil reuniu autoridades, acadêmicos e ex-chefes de Estado no
coração de Brasília: o Panteão, na Praça dos Três Poderes. O evento Democracia
40 anos: Conquistas, Dívidas e Desafios, apoiado pelo Correio Braziliense,
relembrou o passado e indicou perspectivas para o futuro.
O ex-presidente José Sarney, o principal
homenageado, afirmou que é preciso vigilância permanente para garantir a
continuidade do regime democrático. Primeiro presidente da Nova República, o
maranhense, vice-presidente na chapa vencedora das eleições indiretas, tomou
posse no lugar do presidente eleito, Tancredo Neves, internado no Hospital de
Base, em 15 de março de 1985.
Com a morte de Tancredo, em 21 de abril, Sarney governou o Brasil durante os anos de mandato subsequentes, época fundamental para a elaboração da Constituição de 1988. No discurso, Sarney destacou os desafios enfrentados no período da transição da ditadura para a democracia e ressaltou o papel da Carta Magna como pilar fundamental da estabilidade política do país. "Ulysses Guimarães me disse: 'Sarney, podemos não ter Constituição'. Eu respondi: 'Sem Constituição, não há transição, porque é a Constituição que vai estabelecer a nova sociedade democrática do Brasil'", recordou o ex-presidente, ressaltando que a elaboração da Carta Magna foi essencial para consolidar o Estado democrático.
"Nossa democracia amadureceu, mas
precisa ser protegida. Devemos continuar a exigir a profundidade do processo
democrático e garantir que ele nunca seja interrompido
"José Sarney, ex-presidente
O ex-presidente também destacou o papel da cooperação entre civis e militares na transição política e alertou sobre a importância de garantir a continuidade das instituições. "A transição será feita com as Forças Armadas, e não contra as Forças Armadas", afirmou, ressaltando que as Forças Armadas continuam "fiéis às instituições, como demonstraram nos episódios do dia 8 de janeiro do ano passado".
Segundo Sarney, o compromisso de conciliação
evitou conflitos e possibilitou que o país atravessasse um período de forte
instabilidade sem rupturas institucionais. "Foram anos de muita luta.
Enfrentamos mais de 12 mil greves. Muitas vezes, tivemos momentos em que
poderíamos ter retrocessos, mas conseguimos superá-los", disse ele,
afirmando estar feliz e orgulhoso de poder acompanhar as comemorações dos 40
anos de democracia no Brasil.
O ex-presidente encerrou o discurso
destacando que a democracia deve ser um valor inegociável e que a manutenção
exige um compromisso contínuo da sociedade. "Nossa democracia amadureceu,
mas precisa ser protegida. Devemos continuar a exigir a profundidade do
processo democrático e garantir que ele nunca seja interrompido. O preço da
liberdade é a eterna vigilância", concluiu Sarney.
Consolidação
Pelas redes sociais, o presidente Luiz Inácio
Lula da Silva disse que "mais que a posse de um presidente da República,
15 de março de 1985 será lembrado como o dia em que o Brasil marcou o
reencontro com a democracia". O Correio Braziliense apoiou o evento,
organizando uma exposição no hall de entrada e disponibilizando registros dos
acontecimentos nesses 40 anos.
"O presidente José Sarney governou sob a
constante ameaça dos saudosos da ditadura, mas com extraordinária habilidade e
compromisso político criou as condições para que escrevêssemos a Constituição
Cidadã de 1988 e mudássemos a história do Brasil", disse Lula.
O ex-presidente uruguaio Julio María
Sanguinetti também prestigiou o evento e destacou a importância de Sarney na
consolidação da democracia na América do Sul: "Um presidente prudente de
um país livre, cumprindo sua missão em um momento delicado da história
brasileira", frisou. Sanguinetti e Sarney assumiram a presidência em
períodos cruciais para seus países, um em 1º de março e outro no dia 15.
Sanguinetti enfatizou que a presidência de
Sarney marcou uma aproximação com a Argentina, o que foi vital para o Uruguai,
restabelecendo um equilíbrio regional e dissipando antigos receios em relação
ao Brasil. Ele destacou que Sarney eliminou fantasmas históricos, promovendo
acordos como o de Itaipu e iniciativas nucleares, reforçando que o Brasil não
tinha, nem tem, planos militares agressivos, estabelecendo um momento
importante de paz na região.
Já o ministro aposentado do Supremo Tribunal
Federal (STF) Nelson Jobim afirmou que o país precisa focar no futuro, sem
retaliações ao passado, e buscar a redução do ódio político. Jobim destacou que
a democracia brasileira tem se consolidado ao longo das últimas quatro décadas,
apesar dos desafios e conflitos políticos. "Temos 40 anos de democracia e
ela está durando. As instituições estão acertadas, têm lá os seus conflitos,
mas o que nós precisamos é pensar no futuro", afirmou.
"Temos 40 anos de democracia e ela está
durando. As instituições estão acertadas, têm lá os seus conflitos, mas o que
nós precisamos é pensar no futuro"Nelson Jobim, ministro aposentado do
Supremo Tribunal Federal
Para Jobim, a manutenção da democracia exige
não apenas vigilância, mas também a compreensão de que a política deve ser
conduzida com equilíbrio e sem revanchismos. "Pensar no futuro significa
não ter retaliações do passado e também a redução do ódio político",
ressaltou. Sobre a recente tentativa de golpe, ele disse que é preciso cautela
e vigilância diante dos desafios atuais. "A cautela é ter capacidade de
compreender que os momentos históricos se produzem na história. Temos que
tolerar tudo isso", sinalizou Jobim.
A punição é fundamental
Ao discursar, o diretor-geral da Fundação
Astrojildo Pereira (FAP), Marcelo Aguiar, afirmou que o Brasil só pode celebrar
os 40 anos da redemocratização porque os planos de golpe de Estado, tramados
dentro do governo Jair Bolsonaro, foram derrotados. Ele disse ainda que existem
extremistas, que continuam atuando à espreita, travando uma guerrilha
permanente contra o sistema político, e que a punição aos responsáveis pelos
atos golpistas do dia 8 de Janeiro é essencial para evitar novas ações.
"Estamos comemorando hoje 40 anos da democracia, e só podemos celebrar
porque os planos de golpe de Estado tramados dentro do Palácio do Planalto no
governo Bolsonaro foram derrotados", afirmou.
O embaixador Júlio César Gomes dos Santos foi
o último palestrante da Mesa I - Democracia 40 anos: As conquistas
consolidadas. Ele ficou 38 dias ao lado de Tancredo Neves antes da morte e
relembrou episódios dessa época. "Eu era subchefe do cerimonial, e meu
chefe me disse: "Você vai ser o homem junto ao doutor Tancredo".
Foram 38 dias inesquecíveis, tristes e difíceis de esquecer. Vieram algumas
coisas que não foram publicadas e que mostravam o que era aquele momento tão
difícil para o Brasil."
Uma das lembranças contadas pelo embaixador foi a surpresa ao ver as condições do Hospital de Base para receber o presidente. "Surpreendeu-me, enormemente, a deficiência do hospital. O doutor Tancredo, com os seus médicos, desceu um dia para a sala de radiografia do hospital, onde havia uma fila de pessoas que iam e entravam. Eram radiografadas e saíam, e o enfermeiro passava um pano em cima da mesa. E quando chegou a vez do doutor Tancredo, o homem passou um pano como se fosse um outro paciente que estava na fila, e eu me perguntei: 'Meu Deus do céu, será que não existe ressonância magnética? Não desinfetam a mesa?"', recordou.
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