Supremo fez bem em ajustar escopo do ‘foro privilegiado’
O Globo
A partir de agora, políticos não podem mais
sair do cargo para julgamentos recomeçarem do zero
O Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu na semana passada, por 7 votos a 4, mudar a interpretação sobre o foro “por prerrogativa de função” — mais conhecido como “foro privilegiado” — que vigorava desde 2018. Prevaleceu o entendimento do relator, ministro Gilmar Mendes, para quem, no caso de crimes cometidos no cargo e em razão dele, o foro do processo deve ser mantido mesmo depois que as autoridades — presidente, ministros, parlamentares, governadores, prefeitos etc. — deixarem o cargo. As exceções ao foro ficam mantidas: crimes praticados antes de o acusado assumir a função que garantiu o foro ou depois de deixá-la e aqueles que não guardem nenhuma relação com seu exercício.
O argumento central de Gilmar é sensato: a
suspensão do foro especial prejudica investigações de políticos e autoridades.
Pelo entendimento anterior, ele abrangia somente crimes cometidos durante o
exercício de mandato e relacionados ao cargo, mas vigorava apenas enquanto o
processado estivesse no cargo. Com isso, era comum um parlamentar processado
renunciar quando estava prestes a ser julgado, para que o processo recomeçasse
do zero na primeira instância. A intenção era alongar o caso, lançando mão das
inúmeras possibilidades de recursos, para buscar a prescrição. A extinção do
foro especial, segundo Gilmar, prejudicava o trabalho da própria Justiça. O
novo entendimento, diz ele, “estabiliza o foro para julgamento de crimes
praticados no exercício do cargo e em razão dele, ao mesmo tempo que depura a
instabilidade do sistema e inibe deslocamentos que produzem atrasos,
ineficiência e, no limite, prescrição”.
Com o objetivo de evitar que processos
judiciais se transformassem em arma política, a Constituição de 1988
estabeleceu que presidente, ministros, parlamentares, comandantes das Forças
Armadas, procurador-geral da República, governadores, desembargadores e
prefeitos fossem julgados apenas em instâncias específicas da Justiça, a
maioria Cortes superiores. Bastava ter um desses cargos para conquistar acesso
ao foro especial, independentemente de quando o crime tivesse sido cometido ou
das circunstâncias. Como as Cortes superiores não costumavam julgar políticos,
o acesso aos cargos públicos mais altos podia funcionar como blindagem, daí a
expressão “foro privilegiado”. Ao poucos, isso foi mudando.
Primeiro, leis infraconstitucionais ampliaram a prerrogativa de foro, estendida a cerca de 50 mil autoridades. Nos anos 2000, à medida que os tribunais superiores ficavam lotados de processos, cresceu o debate sobre a extensão da prerrogativa. Houve pelo menos duas tentativas infrutíferas de emendar a Constituição para reduzir o contingente dos contemplados. Depois do mensalão, o julgamento de casos criminais se tornou mais frequente no Supremo. O auge do debate ocorreu a partir da Operação Lava-Jato, que denunciou dezenas de políticos, assoberbando juízes nas instâncias mais altas. O Supremo então modulou a aplicação do foro especial, restringindo-o a crimes relacionados ao cargo do denunciado. Do contrário, processos passaram a ir para a Justiça comum. O voto de Gilmar corrige uma consequência indesejada dessa decisão, a possibilidade de deixar o cargo para que o julgamento recomeçasse do zero. A decisão da Corte foi acertada. O entendimento anterior não era satisfatório.
Brasil precisa estar preparado para riscos
trazidos pela gripe aviária
O Globo
Mundo passou do estado de alerta para a ação.
É necessário garantir doses e acelerar testes de vacinas
Faz bem o governo em se mobilizar para
combater eventuais surtos de gripe aviária.
É preciso tratar o assunto com a urgência necessária. Nos Estados Unidos,
já foram aprovadas três vacinas contra a cepa H5N1 do vírus influenza,
responsável pela atual epidemia no país. No Brasil, o Instituto Butantan
iniciou o desenvolvimento de sua vacina em 2023, quando o vírus foi
identificado aqui em aves silvestres. Já foram realizados testes de segurança
com animais. Só falta a Anvisa liberar testes clínicos com humanos. Quanto
antes começarem, melhor.
Embora ainda não haja registro da transmissão
entre humanos — todos os casos conhecidos foram transmitidos por animais —, é
necessário acompanhar com atenção as mutações do vírus. “A situação deve ser
vista com cautela e motivar medidas de preparação”, diz o virologista Fernando
Spilki, da Universidade Feevale e coordenador do Instituto Nacional de Ciência
e Tecnologia em Vigilância Genômica de Vírus. “A disseminação em diversas
espécies de mamíferos, o crescente número de casos em humanos e a detecção do vírus
no esgoto de grandes cidades americanas são fatores que podem contribuir para
mutações que permitam transmissão entre humanos.”
Desde 2022, o H5N1, identificado pela
primeira vez em 1996, já passou de aves silvestres para domésticas, contaminou
leões-marinhos na América do Sul, furões na Europa e chegou ao gado leiteiro
nos Estados Unidos. Foi detectado até na Antártica. A infecção de vacas
leiteiras, constatada em março do ano passado, se alastrou pelo país. Até o dia
12 deste mês, havia 983 rebanhos contaminados em 17 dos 50 estados americanos,
70 casos em humanos, 41 deles em trabalhadores rurais expostos ao gado, com uma
morte. “O fato de o vírus já ter causado tantos casos e ter começado a acometer
diferentes espécies de mamíferos mostra que vem ganhando capacidade de se
adaptar para uma potencial transmissão entre humanos”, diz o infectologista
Esper Kallás, diretor do Butantan.
Levantar o histórico de cada caso é vital
para mapear a evolução do vírus. Em pelo menos três pacientes testados no
Brasil, foi identificada gripe aviária, segundo a virologista Helena Lage, da
Universidade de São Paulo (USP). Não há ideia de como se infectaram. Também foi
descoberta uma nova variante do vírus nas vacas, associada a casos graves. Lage
relata que, nas últimas hospitalizações, identificaram-se duas mutações num
gene ligado a maior adaptação aos mamíferos. “Não temos ainda como afirmar que
acontecerá uma pandemia, mas precisamos estar preparados, porque muitos
elementos sugerem ser possível”, diz ela.
A vacina do Butantan disponível combate a
cepa H5N8 do influenza, que também causa preocupação. A ideia é ter uma
plataforma que possa ser adaptada a outras. Mas, hoje, numa emergência o
Ministério da Saúde ainda teria de importar vacinas. Estados Unidos e União
Europeia já providenciam seus estoques para o caso de necessidade emergencial.
O mundo já passou do estado de alerta para a ação. Não pode ser diferente no
Brasil.
Impacto da gastança não aguardará o próximo
presidente
Folha de S. Paulo
Tebet admite que atual conjunto de regras
orçamentárias é ineficaz; governo se arrisca ao tentar correção após eleição
Em 2027, o próximo presidente da República
não será capaz de governar com o atual conjunto de regras orçamentárias
—pomposamente chamado de arcabouço fiscal— sem gerar inflação e
aumento da dívida pública. É o diagnóstico da ministra do Planejamento, Simone Tebet,
revelado em entrevista concedida à GloboNews.
Para ela, o país não pode desperdiçar o
último bimestre de 2026, o período entre a eleição e a posse do próximo
mandatário, para rever as regras de gastos públicos e torná-las mais rigorosas.
Seria o oposto da janela da gastança no final
de 2022, termo usado pela ministra, quando foi aprovada a proposta de emenda
constitucional (PEC) da transição de governo, que adicionou R$ 150 bilhões
anuais nas despesas. Tal montante foi muito além do necessário para a
recomposição de políticas públicas, como amplamente diagnosticado à época.
O que se fez foi abrir um grande espaço para
medidas perdulárias e enfraquecimento de controles, algo devidamente
aproveitado pelo governo e pelo Congresso.
Sobre essa base já elevada foi construído o
arcabouço petista —o conjunto de normas que deveria reger o ritmo de
crescimento das despesas públicas, mas que se mostrou, não sem repetidos
alertas de especialistas,
Tebet se queixou do Congresso
Nacional, que não se portou como o parceiro fiscalista esperado nos
momentos cruciais e tampouco estaria disposto a discutir qualquer ajuste antes
das eleições gerais
de 2026. Essa seria, avaliou, a realidade da política brasileira.
Embora isso de fato faça parte do quadro,
outro aspecto bem mais impactante da realidade foi ignorado pela crítica da
ministra do Planejamento: o de que a liderança no trato de grandes temas
nacionais parte do Palácio do Planalto, que até aqui se mostrou avesso, em
palavras e ações, a qualquer ajuste contundente no Orçamento federal.
O risco de tais deficiências derrubarem
a economia,
entretanto, não esperará 2027. Na verdade, o impacto da irresponsabilidade da
administração petista no trato das contas públicas já se mostra presente para a
população.
A
inflação, nos itens de primeira necessidade, em especial alimentos, corrói
o poder de compra e o bem-estar das famílias. A alta dos juros, resultado
da desconfiança na gestão fiscal, encarece o crédito, eleva ainda mais a dívida
do Tesouro e trava consumo e investimentos. Tudo sugere, ademais, que a
atividade crescerá menos neste ano, com provável piora na geração de empregos.
Lula desperdiçou
a janela dos primeiros dois anos de mandato para garantir a estabilidade
econômica. Programas sociais, investimento em infraestrutura e
geração de empregos ficam insustentáveis sem contas em ordem e controle do
endividamento.
Se não mudar de rumo —estamos em 2025 e há
tempo— logo, limitará o que resta de seu governo à mera contenção de danos.
O machismo de Bolsonaro e Lula
Folha de S. Paulo
Retórica do presidente, como a do anterior,
avilta brasileiras, num país mal colocado no ranking de paridade de gênero
Se a eleição de Luiz Inácio Lula da Silva
(PT) trouxe de
volta a normalidade institucional ao Planalto, o mandatário atual compartilha
com o anterior uma retórica
preconceituosa sobre o sexo feminino.
"Por isso eu coloquei essa mulher bonita
para ser ministra de Relações Institucionais, é que eu não quero mais ter
distância entre vocês". A fala, proferida
por Lula na última quarta (12), foi direcionada aos presidentes da Câmara
dos Deputados e do Senado.
Gleisi
Hoffmann é a ministra cujos atributos intelectuais e trajetória
política foram diminuídos em prol de sua aparência física na declaração do
presidente, que não é a primeira desse naipe.
Lula já disse que nenhuma mulher quer namorar
ajudante geral e que mulher com profissão não precisa de ajuda do pai para
comprar batom. Relatou que perguntou a uma mãe de cinco filhos quando ela iria
"fechar a porteira"; ao comentar sobre a violência contra
mulheres após jogos de futebol, disse que "se o cara for corintiano, tudo
bem".
No caso do petista, tais falas, mais do que
gafes, são expressões de machismo arraigado
na política brasileira, assim como são as falas ainda mais escandalosas
de Jair
Bolsonaro (PL).
O ex-presidente disse que petistas são feias
e "incomíveis" e que, para as mulheres, notícia boa é beijinho e
presente. Defendeu o turismo sexual, desde que não praticado por gays:
"Quem quiser vir aqui [ao Brasil] fazer sexo com uma mulher, fique à
vontade". Foi condenado a pagar indenização à repórter Patrícia Campos
Mello, da Folha, por um ataque verbal com conotação sexual.
Apesar dos avanços nos direitos das mulheres,
o machismo se espraia pela sociedade, independentemente da ideologia política,
e homens de mais idade tendem a manifestá-lo sem amarras.
Contudo o cargo de chefe de Estado exige
contenção do ocupante, e as brasileiras merecem respeito num país que enfrenta
grave desigualdade
de gênero.
No Global Gender Gap, ranking do Fórum
Econômico Mundial que avalia paridade entre os sexos em 146 países, o
Brasil saiu
da 94ª posição em 2022 para a 57ª em 2023, mas caiu para 70ª no ano
passado. Somos superados por vizinhos como Chile (21ª), Argentina (32ª)
e Peru (40ª).
Dentre os quatro setores analisados (economia, educação, saúde e política), o Brasil tem a pior avaliação no último. Está longe de satisfatório o nível de participação feminina na seara do poder público. E falas como a de Lula sobre a ministra de Relações Institucionais não contribuem para ampliar esse espaço.
Mais um Orçamento de mentirinha
O Estado de S. Paulo
Se o Brasil ainda não tem uma peça
orçamentária, é pela negligência com que o tema é tratado pelo governo e pelo
Congresso, algo que diz muito sobre a credibilidade do País
O governo Lula da Silva não conseguiu
encontrar espaço necessário no Orçamento para acomodar suas prioridades em
termos de política pública. O cobertor curto ficou evidente na semana passada,
quando o Executivo fez uma ginástica para ampliar a verba do Auxílio Gás,
cortar as despesas previstas para arcar com o Bolsa Família e reforçar a verba
da Previdência e da Assistência Social, mas não conseguiu incluir na peça
orçamentária o Programa Pé-de-Meia.
Dizer que o Orçamento Geral da União não
reflete a realidade já não espanta ninguém. Mas é bastante simbólico que o
governo Lula da Silva não consiga manejar receitas e despesas para garantir que
uma de suas potenciais bandeiras eleitorais seja paga da maneira adequada.
Ninguém duvida de que as bolsas do
Pé-de-Meia, programa de incentivo aos estudantes da rede pública que fazem
parte do Cadastro Único para Programas Sociais (CadÚnico) a concluir o ensino
médio, serão pagas – afinal, o governo entrou de cabeça no modo reeleição. Mas
a falta de planejamento e de previsibilidade sobre como isso se dará explica a
desconfiança dos investidores em relação ao Executivo.
As contas simplesmente não fecham, e não é de
hoje. No ano passado, as bolsas do Pé-de-Meia já haviam sido pagas por meio de
R$ 6 bilhões em recursos do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação
(FNDE), providencialmente aportados no fim de 2023, fora das regras do
arcabouço fiscal, em um fundo privado, administrado pela Caixa Econômica
Federal, para piorar o resultado primário de 2023 e salvar o de 2024. Ainda
assim faltou dinheiro, e o governo usou verba do Fundo Garantidor de Operações
(FGO) para complementar o Pé-de-Meia.
Para este ano, a projeção é de que o programa
custe cerca de R$ 12 bilhões, e ficou acertado com o Tribunal de Contas da
União (TCU) que o governo incluiria o programa no Orçamento de 2025. Até agora,
isso não ocorreu, mas o ministro da Educação, Camilo Santana, assegurou que o
governo tem recursos para o Pé-de-Meia continuar.
Enquanto isso, os parlamentares, tão zelosos
de suas emendas, acham que não cabe a eles colaborar nessa tarefa. “Se não veio
com a previsão no Orçamento, o governo precisa dizer onde deverá ser cortado
para atender aos programas do governo federal. Não será o relator que vai
cortar, ao bel-prazer, para atender aos programas do governo”, disse o senador
Angelo Coronel (PSD-BA), relator do Orçamento no Congresso.
No ofício que enviou ao Congresso, o
Executivo alocou R$ 3 bilhões para o Auxílio Gás, programa que, até então,
contava com apenas R$ 600 milhões previstos para o ano todo, mesmo depois de
ter ampliado a quantidade de beneficiários. Felizmente, após severas críticas,
o governo desistiu da ideia de bancar o programa com recursos oriundos da
exploração do pré-sal que transitariam fora do Orçamento e à revelia do
arcabouço fiscal.
Mas o corte de R$ 7,7 bilhões no Bolsa
Família, previsto no ofício, é ilusório. Trata-se apenas de uma estimativa de
economia com a realização de operações do tipo pente-fino, e não de algo com
efeito estrutural. “Não alterará o número de famílias sendo atendidas nem a
perspectiva de crescimento do programa”, afirmou o líder do governo no
Congresso, Randolfe Rodrigues (PT-AP).
E mesmo com o reforço de R$ 8 bilhões para
gastos previdenciários e de cerca de R$ 680 milhões para o Benefício de
Prestação Continuada (BPC), pago a idosos em situação de vulnerabilidade e a
pessoas com deficiência, a previsão de despesas para essas áreas ainda parece
estar subestimada, apontam especialistas.
Se em meados de março o País ainda não tem um
Orçamento aprovado, é em razão da negligência com que a questão é tratada pelo
Executivo e pelo Legislativo. E isso diz muito sobre a credibilidade do País.
Lula da Silva já deixou claro que, se
depender dele, não haverá novas medidas fiscais, e ele nunca teve a ambição de
reequilibrar as contas públicas. Mas isso não exime o governo de administrar o
dia a dia com mais transparência sobre suas fontes de receita e suas previsões
de despesas, sobretudo quando diz respeito às políticas que ele considera
prioritárias.
‘Muita calma nessa hora’
O Estado de S. Paulo
O Brasil tem alguns trunfos para buscar um
acordo com os EUA que reverta ou reduza a sobretaxa imposta por Trump ao aço.
Por isso, o momento é de negociação, e não de bravata
A entrada em vigor da tarifa adicional de 25%
sobre as importações de aço e alumínio pelos EUA coloca à prova a capacidade de
negociação comercial e a diplomacia do Brasil. Até o início da vigência do
decreto de Donald Trump, no último dia 12, havia ainda alguma expectativa de
tratamento diferenciado, mas não houve exceções. Com a sobretaxa, as primeiras
estimativas apontam perda de US$ 1,5 bilhão nas exportações brasileiras neste
ano, de acordo com o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea).
Ao contrário das reações de Canadá, União
Europeia e China, que diante do protecionismo exorbitante do governo Trump
partiram para o confronto com medidas retaliatórias, o Brasil tem mantido o
propósito de negociar com os EUA. É uma decisão acertada, considerando os
elementos favoráveis ao lado brasileiro, como uma relação equilibrada de compra
e venda entre os dois países, com leve superávit americano, e uma exportação
brasileira fortemente concentrada em placas de aço, produto semiacabado que
serve de insumo às fábricas que Trump diz querer fortalecer. Acaba atirando na
indústria americana intensiva em aço, como a de eletrodomésticos e de
automóveis, já que a produção americana de placas é insuficiente para atender à
demanda.
O poder econômico do Brasil, infinitamente
menor do que o norte-americano, conduz à busca de uma via negocial
estrategicamente pensada. Por isso, discursos desafiadores do presidente Lula
da Silva contra Trump são nada mais do que jogo de cena voltado ao público
interno. “Não adianta o Trump ficar gritando de lá, porque eu aprendi a não ter
medo de cara feia”, disse Lula em recente evento em Minas Gerais, no qual
advertiu ainda o americano: “Fale manso comigo”. A plateia aplaudiu e Trump,
por certo, nem tomou conhecimento.
Para alívio geral, o tom nas discussões
internas do governo é outro, como revelou o ministro da Fazenda, Fernando
Haddad, que disse ter recebido do chefe recomendação expressa para ter “muita
calma nessa hora”. Após reunião com representantes da indústria do aço, o
ministro lembrou que o Brasil teve êxito em negociações passadas com os EUA, em
condições menos favoráveis do que a atual. De fato, em 2018 foi firmado um
acordo em que o aço brasileiro permaneceu isento de imposto de importação nos
EUA, dentro de um sistema de limite de cotas.
Em comunicado conjunto divulgado pelos
Ministérios das Relações Exteriores e do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e
Serviços, o governo não descartou recorrer à Organização Mundial do Comércio
(OMC) para enfrentar os “efeitos nocivos” da sobretaxa imposta pelo governo
Trump. É do jogo. Apesar do esvaziamento da OMC – iniciado ainda no governo
Barack Obama e que tomou corpo a partir do primeiro mandato de Trump –, o órgão
é a principal instância a administrar o sistema multilateral de comércio que o
presidente dos EUA tenta subverter.
O Órgão de Apelação da OMC está paralisado
desde 2019, o que abriu caminho para Trump violar acordos. Mas, neste momento,
mais importante do que a eficácia da organização é a legitimidade que dará ao
País na busca pela obediência aos ritos do comércio multilateral. A primeira
instância da OMC está em funcionamento e pode autorizar atos de reciprocidade
por países que considerar prejudicados. Talvez seja este, inclusive, o momento
de se buscar a revitalização da organização que, há décadas, garante o respeito
às regras do comércio mundial.
A atitude do governo brasileiro em relação à
política prepotente de Donald Trump tem sido, até aqui, ao mesmo tempo crítica
e ponderada. Além de a balança comercial do aço ser superavitária para os EUA,
o Brasil conta com a complementaridade da siderurgia dos dois países – a
brasileira importa de lá o carvão usado na produção das placas exportadas –
como ponto forte para um entendimento. Por isso, como ressaltou o
vice-presidente Geraldo Alckmin, “a disposição, primeiro, é do diálogo”.
O reforço do agro no PIB
O Estado de S. Paulo
Supersafra deve ajudar a conter a inflação,
mas Lula insiste em criar caso com o setor
Apesar dos sérios problemas climáticos
enfrentados em 2024, o Brasil deve bater mais um recorde de safra neste ano. As
projeções vão de 322,6 milhões de toneladas, pelos cálculos do IBGE, a 328
milhões de toneladas, na estimativa da Companhia Nacional de Abastecimento
(Conab). Mais uma vez o agro se prepara para ser o esteio do crescimento
econômico brasileiro num ano de conjuntura particularmente difícil, sob o
cenário de tensões geopolíticas e guerra comercial no contexto externo e
desequilíbrio fiscal, juros e inflação em alta, além de sobreaquecimento de
demanda no front doméstico.
A partir da colheita da supersafra de grãos,
como soja, arroz e feijão, a tendência é de que os preços dos alimentos comecem
a cair, como já reconheceu o próprio ministro da Fazenda, Fernando Haddad. A
inflação das carnes, que passou de 20% em 2024, começa a desacelerar, com a
reversão do ciclo de abate bovino. Fosse a gestão de Lula da Silva mais
diligente e menos intempestiva, cuidaria de tentar fazer do governo parte do
bom desempenho agropecuário, em vez de apontar o dedo aos produtores rurais em
sua busca por culpados pela inflação.
Como é notório, a principal responsabilidade
pela disparada dos preços é do governo, com sua política permissiva com o
desequilíbrio fiscal e adepta da gastança em todos os níveis. Lula é um
persistente incentivador do crédito e do consumo porque parece convencido de
que está aí a fórmula para a popularidade eleitoral. Se demonstrasse a mesma
obstinação em buscar soluções para melhorar o escoamento da safra agrícola, por
exemplo, daria contribuição efetiva para a estabilização dos preços. Afinal,
este é o verdadeiro papel do Estado: dotar o País de infraestrutura e
incentivar investimentos em logística para que fique mais fácil empreender.
Mas Lula acredita que pode convencer os
eleitores de que está fazendo todo o possível para reverter a alta de preços.
Por isso, zerou tarifas de importação de alimentos como carne, café, milho,
óleo, açúcar e um punhado de outros itens, na esperança de que a competição com
o produto importado faça os preços baixarem. Ocorre que esses itens, juntos,
representaram apenas 1% de tudo o que o País importou no ano passado, pois a
produção brasileira está entre as maiores do mundo. O resultado da taxa de
importação zero é praticamente nulo, mas o estardalhaço em torno da medida traz
a atenção que o governo busca.
Em recente relatório sobre o desempenho da
economia, a Secretaria de Política Econômica do Ministério da Fazenda reduziu
de 2,5% para 2,3% a previsão de crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) para
este ano. Caíram as estimativas para o avanço da indústria (de 2,5% para 2,2%)
e dos serviços (de 2,1% para 1,9%), mas a agropecuária manteve a expectativa de
crescimento forte, de 6%. Em dezembro passado, a Confederação da Agricultura e
Pecuária (CNA) já previa alta de 5%. Um esforço conjunto efetivo para ampliar o
desempenho desse setor seria mais eficaz ao governo e ao País.
BC solitário no combate à inflação
Correio Braziliense
O Banco Central está se preparando para
aplicar mais uma dose do remédio amargo para conter a inflação. O governo Lula
precisa contribuir mais para que o país saia desse momento delicado
Marcada para terça e quarta-feira, a próxima
reunião do Copom, com a expectativa de elevar para 14,25% a taxa Selic, vai
confirmar o trabalho praticamente solitário do Banco Central na tentativa de
conter a escalada da inflação. Ajudaria muito a missão da autoridade monetária
se o governo do presidente Lula seguisse com mais firmeza o ajuste fiscal
necessário, ao invés de anunciar medidas expansionistas, com riscos de
desequilíbrio nas contas públicas e aumento do endividamento.
O descompasso entre a política monetária e a
política fiscal é uma das críticas recorrentes à administração petista. Na
semana passada, durante o evento Brasil Summit, promovido pelo grupo Lide e
pelo Correio Braziliense em Brasília, o ex-presidente do Banco Central e
ex-ministro da Fazenda Henrique Meirelles foi didático ao explicar a
incongruência atual na economia brasileira. “Esse é um problema importante,
porque, quando temos uma política fiscal expansionista, a política monetária
precisa ser contracionista — e o equilíbrio se dá com uma taxa de juros mais
elevada”, explicou.
O presidente da Câmara dos Deputados, Hugo
Motta (Republicanos-PB), seguiu a mesma toada. “Não dá mais para afastar
decisões do governo da responsabilidade fiscal”, alertou, ainda no evento em
Brasília. Considerando a participação do Congresso Nacional no debate, é
preciso acrescentar que a austeridade nas contas públicas passa também por um
controle mais rigoroso das emendas parlamentares. Ao longo dos anos, os
excessos cometidos por integrantes do Legislativo resultaram em diversas
afrontas à transparência no manejo dos recursos públicos, obrigando o Supremo
Tribunal Federal a exigir o cumprimento dos princípios constitucionais de
publicidade, moralidade e eficiência.
Cabe ao Executivo, porém, uma maior parcela
de responsabilidade para se chegar ao equilíbrio fiscal. Infelizmente, as
medidas adotadas na primeira metade deste mandato do presidente Lula se
mostraram insuficientes. Além de anunciar novidades como mais acesso ao
consignado — uma temeridade em um cenário de juros altos — o governo tem feito
alarde em propostas como a isenção do Imposto de Renda a quem ganha até R$ 5
mil. Ocorre que ainda não está garantido de que forma será possível compensar a
renúncia de aproximadamente R$ 25 bilhões. É preciso lembrar que essas soluções
precisam ser aprovadas pelo Congresso Nacional, onde há uma resistência a
propostas como taxação de super-ricos, uma das possíveis alternativas para a
isenção do IR.
O complexo cenário econômico se torna mais
dramático particularmente para a população de baixa renda. De um lado, a alta
de alimentos tem comprometido cada vez mais o orçamento das famílias, e as
medidas anunciadas pelo governo só terão algum efeito a longo prazo, na melhor
das hipóteses. De outro, os juros altos tornam cada vez mais perigoso o
endividamento e a inadimplência.
O Banco Central está se preparando para
aplicar mais uma dose do remédio amargo para conter a inflação. O governo Lula
precisa contribuir mais para que o país saia desse momento delicado com
rapidez.
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