Folha de S. Paulo
Progressistas veem, mas não enxergam, a
obviedade de que país mudou
Jojo Todynho precisa
comprar toalhas novas. É o que lhe diz Luciano Hang, vestido de fadinha. O
"Véio da Havan" faz propaganda da loja dele: "um mês todynho de
ofertas". Zapeio a TV.
Ronaldinho Gaúcho recomenda a Shopee, loja
típica do mundo "blusinha". Cafu e Adriane Galisteu anunciam
"bets". Tão Brasil, "contemporâneo", embora Cafu, Gaúcho e
Galisteu sejam dos tempos de FHC 1 a Lula 2,
quando havia a ilusão de que o Brasil viria a ser mediocridade mais
arrumadinha.
No noticiário, Lula diz que estão "sacaneando as galinhas". Promete para terça-feira (18) o projeto de isenção do IR. No domingo (16), Jair Bolsonaro faz comício pela anistia de si mesmo e de golpistas coadjuvantes.
O processo do golpe e a lei do IR são eventos
políticos maiores, pois devem influenciar 2026. Lula quer ganhar pontos com a
classe média. Suponha-se que a lei seja ao menos tecnicamente certinha e que o
Congresso a aprove sem mumunhas. Vai colar?
Tornou-se clichê dizer que a inflação
derrubou Lula. Encrencou, mas Lula tomou tombo maior entre o pânico do
dólar de dezembro e a revolta
do Pix de janeiro, que repercutiram porque o povo já andava enfastiado e
não é mais aquele de FHC 1 a Lula 2.
É um mundo de Todynho, Jordana Gleise de
Jesus Menezes, 28, ex-faxineira que se tornou famosa de internet, atriz e
cantora, "cancelada" em 2024 por ser "mulher preta de
direita", diz. Mundo de Virginia
Fonseca, personagem de si mesma, 53 milhões de seguidores no Instagram.
O povo nunca foi tão "empoderado".
Elege preferidos sociais, culturais e políticos quase sem intermediários afora
o algoritmo —e elege o centrão. A Gusttavo Lima,
46 milhões de seguidores, cantor e investigado
pela polícia, basta dizer que estará
no centrão da política, e assim é.
Congresso e cada vez mais dinheiro da
República são do centrão faz década e meia —as cidades, parece que desde
sempre. Apesar de óbvia, pouco se investiga essa questão central: por que essa
massa amorfa engoliu a política, abafa renovações pensadas e deixa aberta,
apenas e se tanto, a decisão de quem ocupa a Fazenda ou coordena o acordão
sobre favores estatais?
Das dez maiores empresas do país, seis são de
petróleo e minérios, três do agronegócio, uma de varejo. Agro e sertanejo chegaram
ao poder em 2018 —foram cultivados pelo projeto da ditadura de ocupar
Centro-Oeste e pela Embrapa, nos 1970. Lideranças evangélicas chegaram ao poder
em 2018 —se criaram nas megaperiferias da barbárie socioeconômica da ditadura.
As oligarquias regionais, o centrão, se
reorganizaram e renovaram nas primeiras eleições da Nova República (como no
estelionato do Plano Cruzado) e pela distribuição de dinheiros e TVs para
partidos sucessores da Arena. Desde a Constituição de 1988, formou-se um
arranjo de grande distribuição de assistência social (com escasso progresso
social profundo, como em educação) e favores tributários a elites.
O Brasil é esse aí. Acabou o dinheiro para
alimentar o acordão. É uma economia sem rumo pensado, à beira de ser atropelada
pela IA, ineficiente, com baixa condição de ser empreendedora e cheia de
"empreendedores", como diz o clichê marqueteiro sobre o povo que vira
nessa precariedade e que sonha ter a vida de Virginia.
Parte da finança e da elite econômica já
sonha com a motosserra
de Javier Milei, Elon Musk e Donald Trump. Devem ter seguidores no
eleitorado do Instagram.
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