BC não poderá ceder a apelos populistas
O Globo
Autoridade monetária tem agido bem até aqui.
Seu papel será ainda mais crucial diante do risco fiscal futuro
O Banco
Central (BC) terá, na segunda metade do mandato do presidente Luiz
Inácio Lula da
Silva, papel ainda mais crucial que na primeira. Não que os últimos dois anos
tenham sido tranquilos. Para estimular a economia, o governo expandiu sem
cerimônia o gasto público. Um dos efeitos colaterais foi a inflação. Em
2023, ela ficou em 4,62%, pouco abaixo do teto da meta. No ano passado, subiu
para 4,83%, acima do limite. Nos últimos 12 meses, está em 5,06% (mais de meio
ponto de estouro).
De um lado, o governo jogava lenha na caldeira e, do outro, o BC tentava baixar o fogo subindo os juros. No último trimestre do ano passado, a economia finalmente desacelerou. À primeira vista, poderia ser o prenúncio de menor pressão inflacionária e de política monetária menos restritiva. Mas, como mostrou nesta quarta-feira a alta dos juros — a taxa básica foi para 14,25%, nível mais alto desde outubro de 2016 —, a história não é bem assim. No comunicado, o BC acertadamente deixou a porta aberta a novos aumentos, mas previu ajustes menores. Espera-se que continue a se orientar por razões técnicas.
Se Lula privilegiou crescimento a qualquer
custo nos dois primeiros anos de mandato, que esperar dos dois últimos, com
popularidade em queda e uma eleição presidencial chegando? O BC se mostra
ciente do risco. Há evidências claras de que a agenda política prevalecerá em
detrimento da política econômica responsável. No mês passado, o governo mudou
as regras de saque do FGTS, com intenção de colocar R$ 12 bilhões em
circulação. Na semana passada, lançou o programa Crédito do Trabalhador, um
consignado para assalariados do setor privado que estimulará o consumo. Nesta
semana, enviou projeto ao Congresso para ampliar os beneficiados por isenção de
Imposto de Renda. Com tantos incentivos, é difícil prever quando a Selic
voltará a cair.
A inflação, é bom lembrar, continua alta. Até
2024, o cumprimento da meta era avaliado em dezembro, quando se comparava o
índice anual ao objetivo. A partir deste ano, a metodologia será diferente. Se
a inflação ficar fora do intervalo de tolerância por seis meses consecutivos, a
meta não poderá ser considerada cumprida. Desde outubro, o acumulado em 12
meses está acima do teto de 4,50%. É difícil acreditar que haverá queda
significativa até julho. Com o alívio na cotação do dólar, analistas reduziram
previsões, mesmo assim nada sugere mudança de rumo. Confirmado o quadro, o PT
fechará o segundo ano seguido com meta estourada. Desde a criação do sistema de
metas, em 1999, isso só aconteceu duas vezes. Nos governos Fernando Henrique,
quando o Brasil foi contaminado pela crise em mercados emergentes, e Jair
Bolsonaro, com a pandemia.
O cenário externo traz ainda mais pressão
inflacionária ao Brasil. Desde que assumiu a Casa Branca, Donald Trump tem se
mostrado um protecionista ferrenho. Para o início de abril, promete trazer
novas medidas que afetarão o comércio com dezenas de países, Brasil inclusive.
Elas terão o potencial de desestabilizar a economia global e o preço de
produtos nos mais variados mercados. O Banco Central americano, o Fed, manteve
ontem os juros inalterados em 4,5%, apesar de ainda haver expectativas de
cortes neste ano. A guerra comercial de Trump poderá, contudo, frustrá-las.
Diante de todos os riscos, o BC brasileiro não poderá ceder aos apelos
populistas.
Declaração de presidente da Conmebol reflete
leniência com racismo no futebol
O Globo
Em vez de punir racistas, Domínguez se juntou
a eles ao fazer comparação inadmissível
São inadmissíveis numa sociedade civilizada
as declarações do presidente da Confederação Sul-Americana de Futebol (Conmebol),
Alejandro Domínguez, na noite de segunda-feira. Questionado sobre eventual
ausência de clubes brasileiros na Copa Libertadores, devido à insatisfação com
sucessivos episódios de racismo nas
partidas, ele se saiu com a seguinte resposta: “Seria como o Tarzan sem a
Chita”. E deu uma risada sarcástica. É inconcebível a analogia com o chimpanzé
que atuava nos filmes de Tarzan. Não há como ele ignorar que uma das
manifestações racistas mais frequentes nos estádios são torcedores imitando
macacos. Em vez de punir os racistas, Domínguez se uniu a eles.
O episódio foi ainda mais constrangedor
porque, antes do sorteio de grupos da Libertadores, Domínguez fizera um
discurso condenando atos de racismo. Reconheceu que as punições aplicadas pela
Conmebol — excessivamente brandas — não têm sido suficientes para coibi-los.
Disse que a Conmebol convocou autoridades dos governos sul-americanos e
integrantes das entidades esportivas com o objetivo de buscar soluções para
enfrentar o racismo. De concreto mesmo, nada.
A presidente do Palmeiras, Leila Pereira,
afirmou que, além de desastrosa, a declaração posterior foi uma provocação
neste momento em que os clubes cobram maior rigor. Ela sugeriu que os
brasileiros deixassem a Conmebol e se juntassem à Confederação das Associações
de Futebol da América do Norte, Central e Caribe (Concacaf), caso não haja
medidas mais drásticas.
A Conmebol tem sido leniente com sucessivos
episódios de racismo. Isso ficou claro no caso envolvendo Luighi, atacante do
Palmeiras, alvo de ofensas racistas por parte de torcedores adversários em
partida contra o Cerro Porteño pela Libertadores sub-20, no Paraguai. Depois da
vitória por 3 a 0, Luighi chorou e fez um discurso contundente quando um
repórter lhe perguntou sobre o jogo: “Vocês não vão me perguntar sobre o ato de
racismo que aconteceu hoje comigo? É sério? Até quando vamos passar por isso?”.
O caso repercutiu dentro e fora do Brasil,
mas a Conmebol demorou a anunciar punição. E, quando anunciou, decepcionou.
Aplicou multa de US$ 50 mil ao Cerro, determinou que o clube fizesse uma
campanha antirracismo nas redes sociais e proibiu acesso de público aos
estádios durante jogos do time na Libertadores sub-20. A medida foi tão inócua
que a própria campanha do clube gerou comentários racistas. A restrição ao
público pouco adiantou, uma vez que o Cerro saiu logo da competição. Palmeiras
e CBF defendiam medidas mais duras, como punição dos torcedores e exclusão do
time.
As declarações de Domínguez só incentivam o
preconceito nos estádios. Países sul-americanos contam com legislações
diferentes sobre racismo, mas a Conmebol tem suas próprias regras e não pode
ser condescendente. Enquanto não houver punições severas, pouco mudará. A
Conmebol e seu presidente ainda precisam responder à pergunta de Luighi: “Até
quando vamos passar por isso?”.
A ratificação do Fed e a sinalização
inesperada do BC
Valor Econômico
Com a manutenção da taxa pelo Fed, cresce o diferencial de juros com o Brasil, um fator que pode auxiliar no processo de valorização do real
O Comitê de Política Monetária (Copom) do
Banco Central elevou ontem os juros para 14,25%, como era esperado, mas
surpreendeu ao anunciar “um ajuste de menor magnitude na próxima reunião”,
provavelmente de 0,5 ponto, sem ter mudado substancialmente as perspectivas
para a inflação, que não são boas. Já o Federal Reserve (Fed) americano manteve
as taxas de juros em 4,25% e ratificou sua atitude de expectativa sobre os
efeitos que terão as mudanças de política econômica feitas pelo presidente
Donald Trump sobre a política monetária. A dúvida maior dos investidores antes
da reunião de ontem era se o banco americano manteria sua projeção de ao menos
dois cortes das taxas básicas até o fim do ano. A resposta foi positiva.
O BC alterou a avaliação de conjuntura para
indicar “sinais de uma incipiente moderação do crescimento”. O resto do cenário
não mudou e continua adverso. Tanto a inflação cheia como as medidas
subjacentes se mantiveram acima da meta e “apresentaram elevação nas
divulgações mais recentes”. As projeções Focus subiram de uma reunião para
outra, situando-se em 5,7% para este ano e 4,5% para o ano que vem. A projeção
do Copom para o terceiro trimestre de 2026, o cenário relevante da política
monetária, recuou muito pouco, de 4% para 3,9%. O balanço de riscos continua
com “assimetria altista”, isto é, os riscos de a inflação crescer são maiores
do que cair.
O Fed, por seu lado, incorporou alguns dos
efeitos esperados das políticas do novo governo aos cenários dos membros do
banco, que estimaram uma queda maior da economia, cujo crescimento recuou de
2,1% em dezembro para 1,7% agora, e nas previsões de inflação, que subiram. O
núcleo dos gastos pessoais de consumo, medida preferida do Fed, variou de 2,5%
para 2,8% no ano. O mantra do presidente da instituição, Jerome Powell, não
mudou. Ele acha que a política monetária está “bem posicionada” para responder aos
desafios futuros e que “não tem pressa” para alterar a instância contracionista
atual.
Powell disse que as “incertezas estão
inusualmente elevadas”, o que obrigará o banco a depender dos dados econômicos
futuros, e que é preciso “esperar para se ter maior clareza do progresso da
inflação”. Apesar disso, o Fed manteve a avaliação geral do estado da economia,
que “continua se expandindo em ritmo sólido”, a condição do mercado de trabalho
é boa, ao passo que a inflação segue “um pouco elevada”.
As expectativas de inflação dos consumidores
mudaram bastante entre as duas reuniões do Fed e a posse de Trump. Pesquisa
recente da Universidade de Michigan apontou que eles esperam inflação de 3,9%
nos próximos anos, o maior nível captado pelo levantamento desde os anos 1990 e
acima dos 2,8% atuais. A confiança dos consumidores caminhou no sentido
contrário e caiu mais uma vez. Powell ressaltou que esses levantamentos não têm
muita aderência com a realidade dos dados econômicos posteriores, mas as projeções
dos membros do Fed apontaram menos crescimento e mais inflação.
As bolsas americanas entraram em forte
correção, parte dela decorrente do temor crescente de recessão com inflação, a
estagflação. Mas pelo cenário dos membros do Fed não há sombra de recessão no
futuro. Depois de cair a 1,7% em 2025, a economia manterá o ritmo de 1,8% nos
próximos dois anos, que é sua tendência de longo prazo. O desemprego continuará
muito baixo, em 4,3%. Com isso, o índice cheio de gastos pessoais do consumidor
subirá este ano para 2,7%, para cair 2,2%, perto da meta, em 2026, e atingi-la
em 2027, com 2%. O núcleo desse índice segue trajetória idêntica.
Powell afirmou que nos cenários privados a
chance de uma recessão cresceu, mas que ainda está longe de ser alta. Mas a
guerra tarifária de Trump já se insinuou na inflação nos dois primeiros meses
do ano, mais como reação preventiva a sua implantação do que como efeito
consolidado do protecionismo revivido. “A inflação de bens nos últimos dois
meses teve altas inesperadas e parte disto está vindo das tarifas”, disse o
presidente do Fed. A tarefa do Fed agora, afirmou, é separar “os sinais dos
ruídos”, ou seja, o que as estatísticas confirmam como resultado firme e os
episódios (os ruídos). Mas ele não tem dúvida de que as tarifas “puxarão o
crescimento para baixo e a inflação para cima”. A consequência disso para a
política monetária é que o declínio da inflação “será provavelmente
postergado”. A perspectiva de dois cortes dos juros, que parece contraditória
com o novo cenário que vai se desenhando, foi mantida porque, segundo Powell,
as expectativas inflacionárias de longo prazo continuam ancoradas.
O Banco Central brasileiro decidiu, o que foi
inesperado, apresentar qual seria seu passo futuro, quando se esperava que
fosse ganhar tempo para escolher seu rumo. A ata poderá esclarecer melhor suas
razões, e uma delas pode ser a de que o aperto monetário já foi longe demais,
apesar de os números da inflação não ratificarem essa assertiva. Com a
manutenção da taxa pelo Fed, cresce o diferencial de juros com o Brasil, um
fator que pode auxiliar no processo de valorização do real.
Projeto para ampliar isenção de IR embute
riscos
Folha de S. Paulo
Texto segue objetivo desejável de tornar
tributação mais progressiva; há perigo de agravar déficit fiscal no Congresso
Recém-apresentado pelo governo Luiz
Inácio Lula da
Silva (PT), o
projeto que amplia até R$ 5.000 mensais a isenção do Imposto de
Renda, com alta na taxação de rendas mais altas, atende ao menos
parcialmente ao objetivo de tornar mais progressiva a tributação brasileira,
defendido por esta Folha. O texto embute riscos importantes, porém.
De mais evidente, não se trata de uma
proposta abrangente e criteriosa de reforma do IR, como se previa na sequência
da já aprovada reforma dos tributos sobre o consumo. Está-se diante de
iniciativa um tanto improvisada de um presidente ávido por recuperar
popularidade a tempo das eleições de 2026—quando as novas regras, se aprovadas
pelo Congresso, entrarão em vigor.
A ideia não é nova. Na campanha presidencial
de 2018, Jair
Bolsonaro (então PSL, hoje PL) anunciou isenção
para rendas de até 5 salários mínimos. Seu governo não levou adiante a
promessa, o que não impediu que ela fosse repetida em 2022. Naquela disputa, o
adversário petista adotou o valor de R$ 5.000 (pouco mais de 4 mínimos na época
e 3,3 agora).
O projeto atual, além
de prever imposto zero nessa faixa, concede descontos até os R$ 7.000
mensais —neste ano, quem recebe até 2 salários mínimos (R$ 3.036) deverá ser
liberado de pagar. Para compensar a perda de receita, ganhos a partir de R$ 600
mil serão submetidos a uma taxa mínima.
Os beneficiários estão relativamente
distantes dos estratos mais pobres, pois o rendimento médio do trabalho no país
é de R$ 3.343 ao mês, segundo o IBGE. Ainda assim, o contingente é numeroso,
estimado em 10 milhões de novos contribuintes isentos.
O
potencial político-eleitoral do projeto obviamente não passará
despercebido pelo Congresso, onde a base governista é frágil e os partidos já
fazem seus cálculos para 2026. Se é remota a possibilidade de deputados e
senadores votarem contra as bondades propostas, outras dificuldades perigosas
podem ser criadas.
Já se fala, por exemplo, em resistência
à tributação extra de rendas mais altas, que de resto ainda demanda de fato
esclarecimento e debate sobre setores atingidos e impactos.
Mérito à parte, uma vez que até as projeções
de arrecadação do Executivo suscitam dúvidas, é longe de desprezível a
possibilidade de se agravar o déficit do Orçamento —ainda mais se o Legislativo
quiser incluir no texto suas próprias bondades.
Nesse caso, o resultado final da tramitação
penalizaria toda a sociedade brasileira, sobretudo os mais pobres, com inflação e juros, no sentido
oposto ao declaradamente pretendido.
Uma reforma do Imposto de Renda, de modo a
torná-lo mais justo, é tarefa complexa que envolve questões como pessoas
jurídicas, terceirizações, dividendos, alíquotas máximas e deduções de gastos
com saúde e educação. Na melhor das hipóteses, o projeto de Lula pode ser um
passo inicial que precisará de ajustes à frente.
Clima de guerra
Folha de S. Paulo
Relatório mostra que consequências do
aquecimento global podem perdurar por séculos; multilateralismo é minado sob
Trump
A Organização Meteorológica Mundial (OMM),
ligada à ONU,
publicou relatório com panorama funesto sobre o clima na
Terra. Não se trata mais de desastre projetado para o futuro, e sim de uma
crise em que milhões de pessoas já sofrem com o impacto de eventos extremos.
Pior, as consequências do aquecimento serão
irreversíveis por séculos. O CO2, cuja emissão seguiu em alta nas últimas
décadas, apesar de 29 cúpulas como a COP30 de Belém, permanece
muito tempo na atmosfera e não dá sinal de diminuirá tão cedo.
O Homo sapiens caminha sobre o
planeta há algo entre 200 mil e 300 mil anos, mas a poluição produzida pela
espécie, sobretudo nos dois séculos passados, fez a concentração de CO2 e
outros gases do efeito estufa atingir
patamar inédito em 800 mil anos —420 partes por milhão (ppm).
Esse véu de gases gerou recordes que teriam
sido inimagináveis na Cúpula da Terra (Rio-92). A temperatura atmosférica em
2024 ficou 1,55ºC acima da média de 1850 a 1900, cruzando pela primeira vez o
limite de prudência do Acordo de
Paris, em 2015.
Todos os dez anos mais quentes já registrados
coincidem com os últimos dez anos. Isso porque 90% do calor adicional foi
absorvido na imensa massa de água dos oceanos, que tiveram sua taxa de
aquecimento mais que duplicada no intervalo 2005-2024, em comparação com
1960-2005.
Águas mais quentes são má notícia. Sua
energia fornece combustível para tempestades mais intensas, inclusive ciclones.
A expansão térmica do oceano, aliada ao derretimento de geleiras, acelera a
elevação do nível do mar, que saltou do ritmo de 2,1 mm ao ano, entre 1993 e
2002, para 4,7 mm/ano, de 2015 a 2024.
Pode parecer pouco, em especial na
perspectiva imediatista de governantes. Eles e seus eleitores desconsideram a
inércia titânica do sistema climático, que fará o aquecimento e o degelo
prosseguirem por décadas a fio.
O horizonte se anuvia de vez quando se
observa que o tema perde prioridade global, na esteira de retrocessos nos EUA.
Além de retirar
o país do Acordo de Paris e aniquilar políticas ambientais
domésticas, Donald Trump tensiona
a geopolítica de tal modo que a Europa já
reduz despesas com adaptação à mudança
climática e mitigação de seus efeitos para
custear o próprio rearmamento.
Minado o multilateralismo, não haverá
vencedores na guerra contra o aquecimento global. Nesse cenário conturbado
acontecerá a COP30, em novembro, com escassa chance de resultados à altura do
desafio portentoso.
O presente de Lula para a classe média
O Estado de S. Paulo
Em busca de votos e sem tempo a perder,
governo isenta classe média do pagamento do IR, não corrige a tabela, abre mão
de R$ 27 bilhões e abandona a ideia de uma reforma ampla
O governo enviou ao Congresso o projeto de
lei que garante a isenção do Imposto de Renda (IR) para todos os trabalhadores
que ganham até R$ 5 mil mensais e um desconto para quem recebe entre R$ 5 mil e
R$ 7 mil. A estimativa é de que a medida gere uma renúncia fiscal de R$ 27
bilhões, integralmente compensada, segundo a equipe econômica, pela tributação
mínima sobre a alta renda.
Geralmente falha, a comunicação do Executivo
funcionou bem ao associar uma medida evidentemente populista à ideia de um país
mais justo. Mais justo e correto, no entanto, seria corrigir a tabela do
Imposto sobre a Renda da Pessoa Física (IRPF) e criar novas faixas de
contribuição. Mais justo e simples seria taxar lucros e dividendos. E
certamente ainda mais justo e corajoso seria propor uma reforma ampla sobre
todos os impostos que incidem sobre a renda e que desse fim a regimes especiais
de tributação que permitem ao 0,06% mais rico pagar uma alíquota efetiva média
de 2,54% sobre sua renda.
Mas não é de justiça que se trata. Corrigir a
tabela do IRPF diluiria o benefício além da classe média, alcançando camadas da
população que o governo já desistiu de conquistar. Taxar lucros e dividendos
exigiria do governo uma liderança dotada de articulação política invejável no
Congresso, que o governo já comprovou não ter. E propor uma reforma ampla sobre
a renda demandaria tempo e disposição para o debate, mas um governo em busca de
uma marca para apresentar nas eleições não dispõe desses ativos.
O próprio governo reconheceu, na exposição de
motivos, que o projeto não é a melhor alternativa para tornar a carga
tributária mais justa e progressiva. “Enquanto tal reforma estrutural não
ocorre, medidas alternativas como a imposição de imposto mínimo sobre os
milionários podem cumprir um papel paliativo temporário, compensando a falta de
progressividade no topo da pirâmide”, diz o texto, assinado pelo ministro
Fernando Haddad.
Pouco importa se as perdas serão mesmo
compensadas, sobretudo para o Congresso. O presidente da Câmara, Hugo Motta
(Republicanos-PB), pouco disse sobre o projeto, mas nem precisava ser mais
claro. “O Congresso, com certeza, na sua diversidade, fará alterações nessa
matéria. Não tenho dúvidas, pela importância que ela tem, alterações que com
certeza visarão a melhorar a proposta”, afirmou.
Melhor ou pior, como se sabe, depende pouco
da qualidade do projeto em si e mais do ponto de vista de quem é beneficiado ou
afetado pela medida. Sabendo do caráter populista dos deputados e senadores e
das boas relações que o Congresso mantém com as classes mais privilegiadas, já
se pode imaginar como serão pautados os debates no Legislativo.
Num contexto politicamente desfavorável,
resgatar uma ousada promessa de campanha que muitos acreditavam ser impossível
de cumprir caiu como luva. Não importa se a renúncia vai causar impactos nas
receitas não apenas da União, mas também no caixa de Estados e municípios. A
exemplo do ex-presidente Jair Bolsonaro, Lula da Silva lançou um desafio do
qual dificilmente sairá derrotado. Que deputado, senador, governador ou
prefeito ousará defender a responsabilidade fiscal e posicionar-se contra uma
medida que reduz os impostos para a classe média?
É a mesma lógica adotada por Bolsonaro quando
transformou o barateamento dos combustíveis numa bandeira eleitoral impondo a
redução do ICMS, quando reajustou generosamente o antigo Auxílio Brasil e
quando criou benefícios para taxistas e caminhoneiros – tudo isso a menos de um
ano da eleição.
Para o bem e para o mal, o alcance do projeto
de Lula para o IR será gigantesco. De um lado, cerca de 10 milhões de
brasileiros serão diretamente beneficiados com a isenção e poderão gastar mais,
o que pressionará a inflação. De outro, nada menos que 90% dos brasileiros que
pagam Imposto de Renda estarão na faixa de isenção total ou parcial e deixarão
de contribuir com os cofres públicos.
Uma vez aprovada, a benesse valerá a partir
de 2026, mas seu verdadeiro custo só será conhecido em 2027. Este, no entanto,
será um problema do próximo presidente da República.
Os estudantes que esperem
O Estado de S. Paulo
Sem justificativa plausível, governo Lula
atrasa regulamentação da educação a distância no ensino superior e deixa
milhões de alunos à mercê de suas conveniências políticas
Após pouco mais de dois anos do governo Lula
da Silva, os estudantes ainda esperam pela definição das novas regras da
educação a distância (EAD) no ensino superior. Tanto tempo indica que passou da
hora de o Ministério da Educação (MEC) apresentar um plano que estabeleça com
clareza e previsibilidade quais serão os cursos autorizados a funcionar nessa
modalidade, de modo a garantir acesso à universidade a milhões de brasileiros,
e com qualidade.
Desde junho do ano passado, a abertura de
novos cursos e novas vagas na modalidade EAD está suspensa em todo o País por
ordem do MEC. A medida valeria até o último dia 10 de março, mas, de acordo com
portaria do ministério, seu prazo foi prorrogado para 10 de abril “ou até a
publicação da regulamentação do novo marco regulatório”.
Parece não haver pressa e, na prática,
significa que não há prazo algum. Isso porque, como revelou o Estadão, o
decreto com essa regulamentação já foi finalizado pelo MEC e deveria ter sido
publicado até 31 de dezembro de 2024. A proposta está parada na Casa Civil.
O ministro Rui Costa deve ter preocupações
mais urgentes do que a formação dos universitários brasileiros, tais como a
popularidade de seu líder máximo, hoje em queda livre. Segundo a apuração
do Estadão, há a avaliação de que uma atuação rigorosa do governo Lula na
regulamentação da EAD poderia levar à reação de parte dos estudantes, vistos
não como universitários, mas, ao que tudo indica, apenas como potenciais
eleitores do petista.
Na visão da cúpula do governo, que só pensa
em reeleição, essa modalidade beneficia mais aqueles que votaram ou podem vir a
votar em Lula, por se tratar de uma opção mais barata e acessível de curso
superior. E hoje essa cúpula vive não para governar, mas para evitar assuntos
considerados sensíveis, prejudiciais ou espinhosos para a imagem do
presidente-candidato.
Ademais, há ainda a pressão de grandes grupos
privados que pesa sobre o governo. Dentro das regras até então vigentes, essas
empresas expandiram seus negócios no ensino remoto e, claro, temem mudanças que
possam impactá-las.
Em meio a tantos impasses, é de se perguntar
como fica a formação dos estudantes País afora – e são milhões de estudantes.
Segundo os dados oficiais mais recentes do MEC, divulgados em outubro do ano
passado e referentes a 2023, o Brasil tinha 4,9 milhões de matriculados em EAD,
ante 5,06 milhões no presencial. Para se ter uma ideia do avanço do ensino
remoto, dez anos antes eram 6,1 milhões de alunos no presencial e 1,1 milhão na
EAD. Hoje, de cada dez alunos que ingressam no ensino superior, sete vão para a
educação a distância.
Para parte dos especialistas, o afrouxamento
das regras em 2018 permitiu essa proliferação de cursos sem qualidade
assegurada. E até mesmo quem defende essa modalidade de ensino concorda que o
mercado hoje está desregulado.
Crítico da EAD, o ministro da Educação,
Camilo Santana, fala desde o primeiro mês do atual mandato de Lula sobre a
necessidade de apresentar uma regulamentação para esse setor. Por isso é no
mínimo de se estranhar tanta demora para solucionar esse problema num governo
que, sempre que pode, se diz preocupado com a formação superior no Brasil e com
a educação de um modo geral.
Num evento da ONG Todos pela Educação na
quinta-feira, 13, em São Paulo, Santana disse que a regulamentação da EAD deve
sair nos “próximos dias”. Mas sobram motivos para duvidar da concretização
dessa promessa. E, se o decreto vier a ser publicado, virá tarde.
Sem dúvida, a expansão do ensino superior é
crucial para o desenvolvimento do País. O Brasil precisa de mão de obra
qualificada para enfrentar os desafios de um mundo cada vez mais tecnológico e
em constante e acelerada transformação. Cientes disso, milhões de brasileiros
frequentam o ensino superior para se capacitarem e melhorarem sua colocação no
mercado.
Ao recorrerem à EAD, os estudantes buscam uma
profissão, e não a compra de uma ilusão. Mas o governo Lula da Silva parece
pouco se importar. Cada passo é pensado não no País, mas nos palanques de 2026.
Os estudantes, o mercado de trabalho e o Brasil que esperem.
A guerra de Bibi
O Estado de S. Paulo
A retomada do conflito em Gaza é
politicamente conveniente para o premiê de Israel
Na terça-feira, Israel literalmente implodiu
o cessar-fogo com o Hamas pactuado em janeiro. Integrantes do grupo terrorista
afirmam que o bombardeio deixou mais de 400 mortos, no que seria o dia mais
letal na guerra desde novembro de 2023.
A trégua sempre foi frágil, e desde que a
primeira de suas três fases terminou, em 1.º de março, depois da troca de
alguns reféns israelenses por centenas de presos palestinos, ela estava no
limbo. Na segunda fase, o Hamas deveria devolver os 59 reféns restantes (vivos
e mortos) em troca da retirada das tropas de Israel, mas as negociações não
avançaram.
O governo de Israel acusa o Hamas de recusar
repetidas vezes a liberação dos reféns, o que é verdade. Mas Israel também se
recusou a negociar garantias para a retirada de suas tropas, restringindo-se a
advogar por uma extensão da primeira fase tal como sugerida pelos mediadores
dos EUA. Se houve má vontade do Hamas, também houve de Israel.
Na verdade, houve vontade deliberada do
governo de Benjamin Netanyahu de mandar pelos ares as possibilidades
diplomáticas quando ainda existiam. O Hamas está mais isolado do que nunca, sem
o apoio do Hezbollah. Seus aliados houthis estão sob pressão militar dos EUA, e
Teerã está sob pressão diplomática.
O desenho do cessar-fogo nunca foi totalmente
compatível com o objetivo do governo israelense de destruir o Hamas, mas a
retomada das hostilidades a toda força não era justificável como estratégia
para atingir o objetivo imediato de libertação de reféns. Por outro lado, é
compreensível como tática de sobrevivência política de Netanyahu.
A ala de extrema direita que sustenta sua
coalizão nunca aceitou a trégua e parece tolerar o sacrifício dos reféns como
um efeito colateral da destruição do Hamas e da ocupação de Gaza. Com a
retomada da guerra, os extremistas que haviam abandonado o governo retornaram,
garantindo a Netanyahu a maioria necessária para aprovar o orçamento nas
próximas duas semanas, sem o qual seu governo cairia. Perpetuar a guerra é uma
maneira de perpetuar o governo.
Os líderes do Hamas têm pouca margem de
manobra: eles podem sucumbir e liberar os reféns em troca de sua vida e
possivelmente o exílio, ou serem mortos com outros civis palestinos. Dado o
relativo descaso do governo Netanyahu com os reféns israelenses, o Hamas tem
poucos incentivos para mantê-los vivos. Desde terça-feira as ruas de Israel
foram tomadas por manifestantes revoltados com o governo Netanyahu e suas
táticas.
Ninguém pode dizer como isso terminará. A
melhor alternativa ainda seria a ocupação de Gaza por uma força árabe ou
multinacional apoiada pelos EUA. Mas, sem perspectivas concretas disso, a
trajetória mais provável é uma ocupação israelense por tempo indeterminado.
O que acontecerá de agora em diante? “Tudo o
que sabemos com certeza é que a continuação da guerra põe em risco as vidas dos
reféns israelenses remanescentes, a população de Gaza, os soldados de Israel e
os voluntários humanitários”, resumiu Jonathan Panikoff, especialista em
Oriente Médio do instituto Atlantic Council. “Não há respostas boas; só as
ruins e as piores. Logo descobriremos qual delas a retomada da guerra implica.”
Abandono de idosos desafia o país
Correio Braziliense
O Brasil não pode fechar os olhos para o
próprio envelhecimento e perder a oportunidade de usufruir da expectativa de
vida conquistada
Há uma dificuldade estrutural no Brasil em
assumir a sua envelhescência. O termo, criado pelo sociólogo Manoel Berlinck,
refere-se ao período de transição entre a vida adulta e a velhice.
Individualmente, é considerado um momento-chave para garantir autonomia e saúde
nos anos que se seguem. Em termos macro, revela-se um período ainda mais
desafiante, sobretudo porque demanda a concordância de medidas coletivas,
incluindo as de Estado, para que seja, de fato, estratégico. Uma delas é não
deixar quem vai chegando à terceira idade para trás. Reportagem do Correio
desta quarta-feira mostra que o país faz o contrário.
No Distrito Federal, as denúncias de abandono
de idosos cresceram 68% em dois anos — de 7.693 em 2022 para 12.932 em 2024.
Dados do Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania indicam o mesmo
fenômeno: um aumento de 855% das denúncias no Disque 100 considerando os cinco
primeiros meses de 2022 e os de 2023 (de 2.092 para 19.987). Há de se ressaltar
que se trata de um crime, com previsão de detenção para quem o comete. Mas
também é reflexo de configurações sociais que levam à ausência de familiares.
Liliane Alves Fernandes, doutora em política
social, lembra os dilemas da chamada geração sanduíche: adultos —
portanto, na envelhescência — com a responsabilidade de cuidar de filhos, pais,
sogros, carreira e outros anseios pessoais. "No meio dessa situação
desafiadora, muitas vezes, há somente um provedor na família (...) e os
cuidados com idosos acabam ficando negligenciados", ilustra a professora
universitária.
É pertinente concluir que essa sobreposição
de fatores exige um enfrentamento que vai além de escolhas familiares. Faltam
contrapartidas dos governos e das empresas que deem respostas efetivas ao
problema. Cuidar de quem cuida, lema que ganha força nos mais diversos setores,
só sai da retórica se há a oferta de condições que propiciem a escolha sadia
pelo cuidado.
Nesse sentido, a saúde mental de idosos e
familiares demanda ainda mais esforços. Tanto pelo descaso cultural com o
bem-estar psicológico, quanto pelo forte arcabouço científico relacionando a
saúde mental com o Alzheimer. Pesquisas mostram que a solidão na velhice
aumenta o risco de surgimento da doença — em 38% maior, segundo estudo
recente da Universidade Estadual da Flórida. O estresse crônico, também —
em 24%, estimam cientistas da Universidade de Helsinque, na Finlândia.
Mais incidente entre idosos, o Alzheimer tem
impactos financeiros consideráveis. O total de gastos com a doença no
país foi de R$ 96,7 bilhões em 2022. Em 15 anos, deve chegar a R$ 163,7
bilhões, segundo o Relatório Nacional sobre as Demências (ReNaDe). No mesmo
ritmo, espera-se que a incidência da doença neurodegenerativa dobre até 2050:
dos 2,71 milhões de casos atuais para 5,6 milhões.
Sobram evidências de que desconsiderar a atual dinâmica etária é, no mínimo, um contrassenso. O Brasil não pode fechar os olhos para o próprio envelhecimento e perder a oportunidade de usufruir da expectativa de vida conquistada. É preciso abandonar a aversão à velhice e começar a agir. Longevidade e prosperidade se constroem no agora.
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