O Globo
Enquanto o governo Lula aproveita
o raro momento de tranquilidade com o anúncio da isenção de Imposto de Renda
para quem ganha até R$ 5 mil, a disputa pelo espólio eleitoral de Jair
Bolsonaro ganhou contornos mais concretos nos últimos dias.
O ato em Copacabana por
anistia aos presos do 8 de Janeiro flopou. Silas
Malafaia pôs a culpa num hábito que atribuiu ao carioca: acordar tarde
aos domingos. Mas a comparação com o ato nas mesmas condições em abril de 2024
sugere que a capacidade mobilizadora do bolsonarismo encolheu.
Com isso, o plano de usar a massa para
pressionar o Congresso a aprovar a anistia ficou prejudicado. O presidente
da Câmara
dos Deputados, Hugo Motta (Republicanos-PB),
que andou flertando com a ideia de pautar a votação do projeto nos primeiros
dias de mandato, já a abandonou.
Nesse contexto, a ida de Eduardo Bolsonaro (PL-SP) para os Estados Unidos nada tem de improvisada. Ao contrário, obedece a uma estratégia com finalidades bem claras. A primeira é criar um factoide, não necessariamente com o objetivo de dispersar a atenção dos adversários, mas para engajar o minion que precisa de razões para continuar na guerra ideológica, às vésperas do início de um julgamento que monopolizará a atenção do Brasil por meses — e que deverá acabar em condenação para Jair Bolsonaro.
Outro objetivo é nitidamente aumentar a
visibilidade da campanha anti-Alexandre
de Moraes nos Estados Unidos, única seara onde Eduardo tem chance de
conseguir algum resultado concreto. O Zero Três de Bolsonaro sabe que precisa
manter o assunto vivo para fazer com que os republicanos se movam para aprovar
o projeto de lei que barraria a entrada de Moraes no país, assim como fazer com
que o Departamento do Tesouro determine sanções contra ele.
Donald Trump não
se move unicamente pela opinião pública, mas a tarefa de Eduardo fica bem mais
fácil se colar por lá a noção de que há algo de errado na democracia
brasileira.
Nas primeiras 24 horas depois do anúncio do
deputado de que tinha saído do Brasil, um mapeamento da consultoria Bites
localizou 171 artigos em inglês, dos quais 118 em veículos americanos, contando
a história do filho do ex-presidente da República que pretende buscar asilo
político nos Estados Unidos. Não há dúvida de que Eduardo passará os quatro
meses de licença da Câmara gerando fatos e factoides para as redes sociais e a
mídia tradicional.
Nada impede que, ao final do período, volte
ao Brasil dizendo ter cumprido sua missão de alertar o mundo sobre a
“perseguição da ditadura”. O mais provável, aliás, é que esse seja o desfecho
da novela.
Só não dá para dizer que, com isso, ele deixa
o campo aberto a Tarcísio
de Freitas (Republicanos) na eleição presidencial de 2026. A
estratégia parece ser exatamente a oposta: dar ao Zero Três um tamanho que ele
ainda não tem e fortalecer sua imagem como herdeiro legítimo do legado
bolsonarista. É cedo para saber se funcionará. Primeiro, porque muita coisa
pode sair fora do script. Depois, porque o roteiro seguido por Tarcísio em
Copacabana, com um discurso cheio de afagos e juras de lealdade a Bolsonaro,
sugere que ele está, sim, na disputa por 2026.
Para o governador se tornar viável como
anti-Lula, é essencial se manter leal a Bolsonaro, especialmente nos momentos
mais críticos — como um protesto esvaziado ou uma condenação. Ele já tem a
preferência da Faria Lima, do empresariado, das elites. Também tem uma gestão
bem avaliada em São
Paulo. E sabe que, em algum momento, o ex-presidente terá de largar o osso
e admitir que não será candidato. Não há por que se dar ao luxo de vacilar
antes de poder decidir se fica em São Paulo ou tenta o Palácio do Planalto.
A guerra de posições começa a ficar evidente
até dentro da direita. Não à toa, Eduardo e o ex-ministro do Meio
Ambiente Ricardo
Salles (Novo-SP)
dedicaram um bom tempo de uma live ontem para sustentar que, ao contrário da
esquerda, frequentemente consumida por disputas fratricidas, na direita o
pessoal discute, mas continua sempre unido.
“A esquerda tem chantagem, tem jogo de poder,
tem marreta na cabeça dos outros. Todo mundo come na mão do líder. E o líder
não confia em ninguém”, disse Eduardo. “Não existe lealdade ou propósito de
convicções no núcleo duro da esquerda. Existe jogo de poder, 100%. E quem chega
a ser líder jogou um jogo pesado de poder. Nós, da direita, não.”
Pode até convencer alguém. Mas quem conhece o
riscado sabe que negar qualquer divergência faz parte do ritual das grandes
batalhas da política — até que chegue a hora de partir para o ataque.
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