Valor Econômico
A grande preocupação é como o macro está batendo no micro, especialmente no equilíbrio entre as receitas de vendas das empresa e os custos
No mundo dos negócios, não existem problemas
nem dificuldades, há desafios. “Desafiador” é o adjetivo preferido dos
executivos para explicar aquelas situações que em ambientes menos formais
seriam definidas sucintamente por um palavrão. O Brasil é desafiador por
natureza, e estes são tempos muito desafiadores, para qualquer lado que se
olhe, até para os padrões escrachados do país que, segundo o magistrado, ainda
precisa ser “recivilizado”.
Não é preciso dizer que nesta temporada de resultados das companhias de capital aberto, que começou em fevereiro, fez uma pausa para os desafios carnavalescos e voltou para a reta final, os executivos estão sendo educadamente pressionados pelos analistas e investidores nas teleconferências de apresentação dos números a explicar em detalhes o tamanho das dificuldades, ou melhor, dos desafios, que estarão diante das companhias neste ano.
Apesar de o encontro trimestral dos
executivos ser para tratar dos resultados dos três meses anteriores, o que os
analistas queriam saber, em algumas dezenas de teles acompanhadas pelo Valor, era como a economia
andou em janeiro e fevereiro, como está sendo março e qual a chance de todos
chegarem vivos e fortes no fim do ano.
É normal, até em tempos relativamente
normais, que os analistas queiram informações mais recentes, já que o jogo é
projetar o preço da ação em 12 meses para que o cliente possa calcular seus
riscos. Porém, a obsessão com o aqui e agora cresce quando eventos
“disruptivos”, para usar um jargão favorito do mundo empresarial (diruptivo,
sem o s, seria o correto, segundo os dicionários, mas agora é tarde), tornam o
passado recente, como o quarto trimestre de 2024, matéria de historiadores.
A ansiedade fiscal, se assim pode-se chamar o
surto que tomou conta da população financeiramente ativa, começou a se desenhar
no segundo semestre e explodiu em novembro, com o anúncio desastrado do pacote
que, para colocar delicadamente, frustrou as expectativas do mercado e fez o
dólar e os juros dispararem.
O cenário mudou, para melhor, neste ano.
Bolsa e dólar já voltaram para níveis pré-crise fiscal, e os exegetas da ata do
Copom que sai na semana que vem esperam encontrar sinais de um viés de queda
dos juros.
Mesmo assim, os gatos estão escaldados (“the
cats are scalded”, na língua corrente do condado da Faria Lima). O enredo nas
conversas entre analistas e executivos continuou a girar em torno das dúvidas
sobre o (des)controle das contas públicas e seus efeitos na economia, nos
custos das empresas e nos preços dos ativos.
“Foi mais desafiador do que eu esperava”,
definiu Belmiro Gomes, diretor-presidente do atacadista Assaí, referindo-se ao
ano marcado pela “mudança do dólar, na taxa de juros, nas perdas dos créditos
de subvenção e no poder de compra da população, que ainda continua bem
pressionado”.
Gomes resumiu, na abertura da teleconferência
do Assaí, em 20 de fevereiro, os temas que iriam dominar as discussões da
temporada de balanços: câmbio, juros, inflação e, claro, impostos. Até ontem,
foram perto de 200 resultados divulgados e um número equivalente de
teleconferências das empresas com ação em bolsa.
A grande preocupação é como o macro está
batendo no micro, especialmente no equilíbrio entre as receitas de vendas das
empresa e os custos - a chamada “margem bruta”, um indicador olhado de perto
porque dá uma pista se está havendo crescimento com rentabilidade, já que cada
ponto percentual que os custos levam das vendas significa menos lucro no fim
das contas.
Na teleconferência da varejista de moda Lojas
Renner, um analista quis saber sobre “o caminho da margem bruta” diante da
desaceleração da atividade econômica observada a partir de dezembro. A resposta
de Fábio Faccio, diretor-presidente, foi que, “apesar do cenário macroeconômico
mais desafiador”, a empresa está preparada por causa dos investimentos feitos
e, além disso, ressaltou que continua trabalhando com um cenário de
crescimento.
Apesar das explicações, a reação do mercado
foi negativa com os números, e as ações da varejista despencaram. Em entrevista
no mesmo dia à repórter Adriana Mattos, do Valor, Faccio reclamou da “interpretação
equivocada”. “Tivemos uma margem bruta ligeiramente menor, mas a interpretação
foi desproporcional”, disse.
O otimismo inabalável que faz parte do
“physique du rôle” dos executivos e a melhora do ambiente neste começo de ano
deram a eles algo mais palpável para se opor à incredulidade do mercado.
“Não estamos aqui nem para engrandecer os
problemas nem para diminuí-los”, disse Renato Raduan, diretor-presidente da
rede de farmácias RD Saúde, ao falar sobre a piora dos resultados, ou o que ele
chama de “degrauzinho”, no quarto trimestre, para em seguida ressaltar uma
recuperação em janeiro em relação a dezembro. Perguntado sobre a possibilidade
de, num cenário de “mais um ano desafiador”, ter que abrir mão do crescimento
para manter a rentabilidade, ou vice-versa, Raduan disse a empresa tem que se preparar
para não ter que fazer essa escolha. “Eu acredito que não vamos chegar a isso.”
Otimismo sempre, mas com cautela. “Neste momento optamos por pagar dívidas”, disse Alfredo Setúbal, diretor-presidente da Itaúsa, quando perguntado sobre a alocação de recursos holding de investimentos durante a teleconferência. “Vamos ver como a economia se comporta antes de pensar em investir em novas empresas.”
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