quinta-feira, 20 de março de 2025

Otimismo com cautela na temporada de balanços desafiadora - Nelson Niero

Valor Econômico

A grande preocupação é como o macro está batendo no micro, especialmente no equilíbrio entre as receitas de vendas das empresa e os custos

No mundo dos negócios, não existem problemas nem dificuldades, há desafios. “Desafiador” é o adjetivo preferido dos executivos para explicar aquelas situações que em ambientes menos formais seriam definidas sucintamente por um palavrão. O Brasil é desafiador por natureza, e estes são tempos muito desafiadores, para qualquer lado que se olhe, até para os padrões escrachados do país que, segundo o magistrado, ainda precisa ser “recivilizado”.

Não é preciso dizer que nesta temporada de resultados das companhias de capital aberto, que começou em fevereiro, fez uma pausa para os desafios carnavalescos e voltou para a reta final, os executivos estão sendo educadamente pressionados pelos analistas e investidores nas teleconferências de apresentação dos números a explicar em detalhes o tamanho das dificuldades, ou melhor, dos desafios, que estarão diante das companhias neste ano.

Apesar de o encontro trimestral dos executivos ser para tratar dos resultados dos três meses anteriores, o que os analistas queriam saber, em algumas dezenas de teles acompanhadas pelo Valor, era como a economia andou em janeiro e fevereiro, como está sendo março e qual a chance de todos chegarem vivos e fortes no fim do ano.

É normal, até em tempos relativamente normais, que os analistas queiram informações mais recentes, já que o jogo é projetar o preço da ação em 12 meses para que o cliente possa calcular seus riscos. Porém, a obsessão com o aqui e agora cresce quando eventos “disruptivos”, para usar um jargão favorito do mundo empresarial (diruptivo, sem o s, seria o correto, segundo os dicionários, mas agora é tarde), tornam o passado recente, como o quarto trimestre de 2024, matéria de historiadores.

A ansiedade fiscal, se assim pode-se chamar o surto que tomou conta da população financeiramente ativa, começou a se desenhar no segundo semestre e explodiu em novembro, com o anúncio desastrado do pacote que, para colocar delicadamente, frustrou as expectativas do mercado e fez o dólar e os juros dispararem.

O cenário mudou, para melhor, neste ano. Bolsa e dólar já voltaram para níveis pré-crise fiscal, e os exegetas da ata do Copom que sai na semana que vem esperam encontrar sinais de um viés de queda dos juros.

Mesmo assim, os gatos estão escaldados (“the cats are scalded”, na língua corrente do condado da Faria Lima). O enredo nas conversas entre analistas e executivos continuou a girar em torno das dúvidas sobre o (des)controle das contas públicas e seus efeitos na economia, nos custos das empresas e nos preços dos ativos.

“Foi mais desafiador do que eu esperava”, definiu Belmiro Gomes, diretor-presidente do atacadista Assaí, referindo-se ao ano marcado pela “mudança do dólar, na taxa de juros, nas perdas dos créditos de subvenção e no poder de compra da população, que ainda continua bem pressionado”.

Gomes resumiu, na abertura da teleconferência do Assaí, em 20 de fevereiro, os temas que iriam dominar as discussões da temporada de balanços: câmbio, juros, inflação e, claro, impostos. Até ontem, foram perto de 200 resultados divulgados e um número equivalente de teleconferências das empresas com ação em bolsa.

A grande preocupação é como o macro está batendo no micro, especialmente no equilíbrio entre as receitas de vendas das empresa e os custos - a chamada “margem bruta”, um indicador olhado de perto porque dá uma pista se está havendo crescimento com rentabilidade, já que cada ponto percentual que os custos levam das vendas significa menos lucro no fim das contas.

Na teleconferência da varejista de moda Lojas Renner, um analista quis saber sobre “o caminho da margem bruta” diante da desaceleração da atividade econômica observada a partir de dezembro. A resposta de Fábio Faccio, diretor-presidente, foi que, “apesar do cenário macroeconômico mais desafiador”, a empresa está preparada por causa dos investimentos feitos e, além disso, ressaltou que continua trabalhando com um cenário de crescimento.

Apesar das explicações, a reação do mercado foi negativa com os números, e as ações da varejista despencaram. Em entrevista no mesmo dia à repórter Adriana Mattos, do Valor, Faccio reclamou da “interpretação equivocada”. “Tivemos uma margem bruta ligeiramente menor, mas a interpretação foi desproporcional”, disse.

O otimismo inabalável que faz parte do “physique du rôle” dos executivos e a melhora do ambiente neste começo de ano deram a eles algo mais palpável para se opor à incredulidade do mercado.

“Não estamos aqui nem para engrandecer os problemas nem para diminuí-los”, disse Renato Raduan, diretor-presidente da rede de farmácias RD Saúde, ao falar sobre a piora dos resultados, ou o que ele chama de “degrauzinho”, no quarto trimestre, para em seguida ressaltar uma recuperação em janeiro em relação a dezembro. Perguntado sobre a possibilidade de, num cenário de “mais um ano desafiador”, ter que abrir mão do crescimento para manter a rentabilidade, ou vice-versa, Raduan disse a empresa tem que se preparar para não ter que fazer essa escolha. “Eu acredito que não vamos chegar a isso.”

Otimismo sempre, mas com cautela. “Neste momento optamos por pagar dívidas”, disse Alfredo Setúbal, diretor-presidente da Itaúsa, quando perguntado sobre a alocação de recursos holding de investimentos durante a teleconferência. “Vamos ver como a economia se comporta antes de pensar em investir em novas empresas.”

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