O Globo
Os mercados, e não apenas o brasileiro, não acreditam que Lula tenha condições de mudar a rota que traçou para seu governo
Não é de hoje que o presidente Lula tem o
mercado financeiro como um dos principais adversários em sua vida política, por
uma visão ideológica que enxerga o capitalismo como projeto de poder que
privilegia as classes dominantes na sociedade. Embora tenha sido um dos mais
populares líderes políticos do país, nunca obteve maioria no Congresso. Sempre
usou a pressão popular para forjar maiorias eventuais e aprovar seus projetos.
Essas maiorias, como se sabe historicamente, sempre surgiram com o apoio de partidos que, em troca, recebiam pequenas, mas importantes, parcelas do Estado brasileiro como compensação, sem que Lula precisasse aproximar-se politicamente deles, nem que tivessem voz nas decisões do governo. Recompensas por meio de estatais como a Petrobras, como no caso do petrolão, esquema descoberto pela Operação Lava-Jato, ou simplesmente de outras, como no mensalão.
A situação se definiu desde quando, em 2002,
pela primeira vez o mercado financeiro estabeleceu parâmetros “técnicos” para
avaliar o peso de uma vitória de Lula para a Presidência da República na
cotação do dólar ou no aumento do risco Brasil. Um analista do banco de
investimentos Goldman Sachs chamado Daniel Tenengauzer criou então o
“Lulômetro”, um modelo matemático que tentava antecipar quanto a cotação do
dólar subiria em relação ao real a cada ponto que Lula subisse nas pesquisas.
O Lulômetro começou em maio de 2002 com o
dólar a R$ 2,52, e o analista previa que, em caso de uma vitória de Lula, o
dólar chegaria a R$ 3,04 — alta de 20,6% em cinco meses. Ao final da eleição, o
dólar estava em R $ 3,82. Lula assumiu em meio a uma crise financeira e manteve
a política econômica de seu antecessor até conseguir a confiança do mercado
para andar pelas próprias pernas. A ponto de ter de convidar o banqueiro
Henrique Meirelles, recém-eleito deputado federal pelo PSDB, para presidir o
Banco Central do primeiro governo petista.
A substituição do ministro da Fazenda,
Antonio Palocci, por Guido Mantega marcou também o ponto de inflexão da
política econômica brasileira. Desde então, Lula tem fama de gastador, e a
percepção de que o futuro da economia brasileira está ameaçado devido a essa
tendência só pode ser revertida pelo próprio Lula. É ele quem comanda, sem
contraste, um governo com um presente econômico bastante bom, mas que pode se
transformar numa crise grave fiscal.
Não é à toa que, no mundo financeiro,
acredita-se que só um “cavalo de pau” pode nos salvar. Uma maneira delicada de
dizer que só outro governo, não este, colocará o país nos trilhos novamente. A
maldade do mercado financeiro, que faz a Bolsa subir ao anúncio de uma doença
do presidente, reflete esse anseio por um novo governo. Cruel recado, mesmo que
metafórico.
Enquanto os economistas ortodoxos consideram
o mercado financeiro uma fonte inestimável de informações, que leva em conta a
meritocracia e a competição, “as mães da destruição criadora, a alma do
capitalismo”, na definição do economista Joseph Schumpeter, há quem, como Lula,
veja esse mercado como puramente especulativo, em busca de lucro a qualquer
custo. O resultado da pesquisa Quaest, mostrando que os principais gestores
financeiros do país perderam a confiança no ministro da Fazenda e que
consideram o governo Lula 3 um fiasco, é uma prolongação desse sentimento que
persiste por quase 25 anos.
Não há nada de anormal nisso, a não ser a
informação de que os mercados, e não apenas o brasileiro, não acreditam que
Lula tenha condições de mudar a rota que traçou para seu governo. E porque não
quer mudar, não porque não consiga. A derrocada de confiança em Fernando Haddad
é o pior resultado da pesquisa, pois registra o que o mercado mais teme: a rota
econômica já foi alterada sem que o ministro possa fazer alguma coisa, pois não
tem força interna no PT para bancar essa mudança.
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