quinta-feira, 20 de março de 2025

Queda de braço - Merval Pereira

O Globo

Os mercados, e não apenas o brasileiro, não acreditam que Lula tenha condições de mudar a rota que traçou para seu governo

Não é de hoje que o presidente Lula tem o mercado financeiro como um dos principais adversários em sua vida política, por uma visão ideológica que enxerga o capitalismo como projeto de poder que privilegia as classes dominantes na sociedade. Embora tenha sido um dos mais populares líderes políticos do país, nunca obteve maioria no Congresso. Sempre usou a pressão popular para forjar maiorias eventuais e aprovar seus projetos.

Essas maiorias, como se sabe historicamente, sempre surgiram com o apoio de partidos que, em troca, recebiam pequenas, mas importantes, parcelas do Estado brasileiro como compensação, sem que Lula precisasse aproximar-se politicamente deles, nem que tivessem voz nas decisões do governo. Recompensas por meio de estatais como a Petrobras, como no caso do petrolão, esquema descoberto pela Operação Lava-Jato, ou simplesmente de outras, como no mensalão.

A situação se definiu desde quando, em 2002, pela primeira vez o mercado financeiro estabeleceu parâmetros “técnicos” para avaliar o peso de uma vitória de Lula para a Presidência da República na cotação do dólar ou no aumento do risco Brasil. Um analista do banco de investimentos Goldman Sachs chamado Daniel Tenengauzer criou então o “Lulômetro”, um modelo matemático que tentava antecipar quanto a cotação do dólar subiria em relação ao real a cada ponto que Lula subisse nas pesquisas.

O Lulômetro começou em maio de 2002 com o dólar a R$ 2,52, e o analista previa que, em caso de uma vitória de Lula, o dólar chegaria a R$ 3,04 — alta de 20,6% em cinco meses. Ao final da eleição, o dólar estava em R $ 3,82. Lula assumiu em meio a uma crise financeira e manteve a política econômica de seu antecessor até conseguir a confiança do mercado para andar pelas próprias pernas. A ponto de ter de convidar o banqueiro Henrique Meirelles, recém-eleito deputado federal pelo PSDB, para presidir o Banco Central do primeiro governo petista.

A substituição do ministro da Fazenda, Antonio Palocci, por Guido Mantega marcou também o ponto de inflexão da política econômica brasileira. Desde então, Lula tem fama de gastador, e a percepção de que o futuro da economia brasileira está ameaçado devido a essa tendência só pode ser revertida pelo próprio Lula. É ele quem comanda, sem contraste, um governo com um presente econômico bastante bom, mas que pode se transformar numa crise grave fiscal.

Não é à toa que, no mundo financeiro, acredita-se que só um “cavalo de pau” pode nos salvar. Uma maneira delicada de dizer que só outro governo, não este, colocará o país nos trilhos novamente. A maldade do mercado financeiro, que faz a Bolsa subir ao anúncio de uma doença do presidente, reflete esse anseio por um novo governo. Cruel recado, mesmo que metafórico.

Enquanto os economistas ortodoxos consideram o mercado financeiro uma fonte inestimável de informações, que leva em conta a meritocracia e a competição, “as mães da destruição criadora, a alma do capitalismo”, na definição do economista Joseph Schumpeter, há quem, como Lula, veja esse mercado como puramente especulativo, em busca de lucro a qualquer custo. O resultado da pesquisa Quaest, mostrando que os principais gestores financeiros do país perderam a confiança no ministro da Fazenda e que consideram o governo Lula 3 um fiasco, é uma prolongação desse sentimento que persiste por quase 25 anos.

Não há nada de anormal nisso, a não ser a informação de que os mercados, e não apenas o brasileiro, não acreditam que Lula tenha condições de mudar a rota que traçou para seu governo. E porque não quer mudar, não porque não consiga. A derrocada de confiança em Fernando Haddad é o pior resultado da pesquisa, pois registra o que o mercado mais teme: a rota econômica já foi alterada sem que o ministro possa fazer alguma coisa, pois não tem força interna no PT para bancar essa mudança.

 

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