quinta-feira, 20 de março de 2025

Lula vence primeira batalha pelo eleitor bolsonarista - Maria Cristina Fernandes

Valor Econômico

Questão agora é saber com que roupa se agregarão os sócios de todos os naipes que esta isenção vai atrair

Três meses depois de a intenção do governo de isentar de Imposto de Renda a faixa até R$ 5 mil levar o dólar a R$ 6,26, o projeto foi enviado ao Congresso. No dia seguinte, o dólar fechou em R$ 5,64.

O fenômeno encontrou uma miríade de explicações dentro e, principalmente, fora do governo. Em dezembro, diz um, o mercado tinha pedido sushi (ajuste fiscal) e recebeu macarronada (isenção de IR para mais pobres). A neutralidade tributária da proposta está mais amarrada e convincente, diz outro. E ainda há quem sustente que é moralmente indefensável atacar uma saída que minora a desigualdade de renda do país.

Como a situação fiscal não mudou, as leis que regem as contas públicas continuam a impedir que se aprovem despesas sem previsão de receitas e a moralidade pública nunca foi um impedimento à apropriação de riqueza no país, as explicações parecem insuficientes.

Uma lente desapaixonada sobre a conjuntura lembra que dezembro sempre culminou com saída de dólar por conta de operações como remessas de lucros e dividendos. Foi assim que aquela temporada deu carona ao mau-humor antigoverno. Três meses depois, ficou difícil competir com a incerteza de um mundo movido a Donald Trump e o anúncio oficial do projeto da isenção do IR nem cócegas fez nos pregões.

Vencida a gangorra do câmbio, o cálculo político do Congresso fica desimpedido. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva venceu a parada. A questão agora é saber com que roupa se agregarão os sócios de todos os naipes que esta isenção vai atrair.

A adesão do eleitor bolsonarista à tese da isenção foi lembrada pelo ministro da Fazenda. Três meses depois, Fernando Haddad não era o mesmo daquele que, em pronunciamento à cadeia nacional de rádio e TV em dezembro, estampava a capitulação. Ali começaria um período de ostracismo que emendou na novela do Pix e do qual acabaria sendo resgatado por Lula para voltar à primeira vaga do seu banco de reservas.

Apenas em março, a agenda de Haddad incorporou inauguração de galpão de laminação em Minas, fábrica da Toyota em Sorocaba (SP) e entrevista ao podcast Flow. O ministro delega comunicações mais técnicas e engata a quinta: “Esta proposta é o 14º salário do trabalhador”. Contra o carimbo “Taxad”, apresenta o da “maior desoneração já feita no país”.

Vira o leme à esquerda, de onde Lula já mostrou que não arredará o pé, preservando pontes com alguns dos interlocutores cultivados no primeiro biênio. Ganhou desagravo do presidente do Conselho de Administração do Bradesco, Luiz Carlos Trabuco, em entrevista a Adriana Fernandes: “A questão fiscal não é problema de vida e de morte”.

Por suicida, a oposição à isenção não encontrará porta-vozes no Congresso. O enrosco virá da compensação. Há desde os mais desabridos, como o senador Oriovisto Guimarães (Podemos-PR), que classifica quem ganha mais de R$ 50 mil de “classe média”: “Você vai pegar toda a OAB, advogados, médicos, juízes, pequenos comerciantes. É mais carga tributária e a classe média vai reagir fortemente”.

O senador, fundador do Grupo Positivo de educação e um dos mais ponderados da oposição, expressa o senso comum de um país de baixa renda em que o topo da pirâmide não se vê como rico. A “classe média” a que se refere corresponde a 0,2% da população adulta.

Presidente da Casa por onde o projeto vai se iniciar, o deputado Hugo Motta (Republicanos-PB) citou o gasto tributário como fonte de receita. Como dele cuidou a reforma tributária, é possível que Motta tenha verbalizado o desejo da Casa de acenar a agentes econômicos em busca de proteção.

Foi o deputado Pedro Paulo (PSD-RJ) quem tocou naquele que, de fato, deve ser o maior enrosco, que é a compensação de Estados e municípios. Ex-secretário de finanças do Rio, que recebe R$ 2 bi anuais da retenção do IR, Pedro Paulo já foi relator de duas propostas da Fazenda (tributação de offshore e de fundos exclusivos) e é novamente cotado para a relatoria do projeto de mais visibilidade eleitoral do biênio.

O deputado rebate o argumento da Fazenda de que Estados e municípios, sócios da arrecadação do IR, serão compensados com o aumento do consumo: “Por que a União será compensada com a taxação da renda acima de R$ 50 mil, e a federação ganha uma compensação condicionada?”.

A força adquirida pelos prefeitos junto ao Congresso nesta legislatura, potencializada com a aproximação da disputa pela renovação dos mandatos legislativos, não deixa dúvidas de que, se há gordura na proposta, ela terá que ser consumida com esta compensação federativa.

A batalha que está para se iniciar no Congresso é tratada por petistas como o divisor de águas. Como só vai sobrar um dinheirinho a mais no bolso em 2026, soa exagerado. A sorte de Lula é que, do outro lado, a bagunça está instalada. A fuga do deputado Eduardo Bolsonaro (PL-RJ) para os Estados Unidos sintetiza as dificuldades do pai em emplacar a anistia.

O ex-presidente interdita a direita e Lula, a esquerda. A diferença é que Jair Bolsonaro tem a cadeia por horizonte. Além de marcar ponto em rincões da oposição - em quatro dias esteve duas vezes em Sorocaba, governada pelo prefeito bolsonarista de maior audiência nas redes - encampou projeto de apelo junto à base adversária. A Genial/Quaest (dezembro/2024) mostrou que o eleitor de Jair Bolsonaro aprova a isenção para rendas até R$ 5 mil (77%) ainda mais que o lulista (75%).

 

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