Valor Econômico
Questão agora é saber com que roupa se agregarão os sócios de todos os naipes que esta isenção vai atrair
Três meses depois de a intenção do governo de
isentar de Imposto de Renda a faixa até R$ 5 mil levar o dólar a R$ 6,26, o
projeto foi enviado ao Congresso. No dia seguinte, o dólar fechou em R$ 5,64.
O fenômeno encontrou uma miríade de
explicações dentro e, principalmente, fora do governo. Em dezembro, diz um, o
mercado tinha pedido sushi (ajuste fiscal) e recebeu macarronada (isenção de IR
para mais pobres). A neutralidade tributária da proposta está mais amarrada e
convincente, diz outro. E ainda há quem sustente que é moralmente indefensável
atacar uma saída que minora a desigualdade de renda do país.
Como a situação fiscal não mudou, as leis que regem as contas públicas continuam a impedir que se aprovem despesas sem previsão de receitas e a moralidade pública nunca foi um impedimento à apropriação de riqueza no país, as explicações parecem insuficientes.
Uma lente desapaixonada sobre a conjuntura
lembra que dezembro sempre culminou com saída de dólar por conta de operações
como remessas de lucros e dividendos. Foi assim que aquela temporada deu carona
ao mau-humor antigoverno. Três meses depois, ficou difícil competir com a
incerteza de um mundo movido a Donald Trump e o anúncio oficial do projeto da
isenção do IR nem cócegas fez nos pregões.
Vencida a gangorra do câmbio, o cálculo
político do Congresso fica desimpedido. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva
venceu a parada. A questão agora é saber com que roupa se agregarão os sócios
de todos os naipes que esta isenção vai atrair.
A adesão do eleitor bolsonarista à tese da
isenção foi lembrada pelo ministro da Fazenda. Três meses depois, Fernando
Haddad não era o mesmo daquele que, em pronunciamento à cadeia nacional de
rádio e TV em dezembro, estampava a capitulação. Ali começaria um período de
ostracismo que emendou na novela do Pix e do qual acabaria sendo resgatado por
Lula para voltar à primeira vaga do seu banco de reservas.
Apenas em março, a agenda de Haddad
incorporou inauguração de galpão de laminação em Minas, fábrica da Toyota em
Sorocaba (SP) e entrevista ao podcast Flow. O ministro delega comunicações mais
técnicas e engata a quinta: “Esta proposta é o 14º salário do trabalhador”.
Contra o carimbo “Taxad”, apresenta o da “maior desoneração já feita no país”.
Vira o leme à esquerda, de onde Lula já
mostrou que não arredará o pé, preservando pontes com alguns dos interlocutores
cultivados no primeiro biênio. Ganhou desagravo do presidente do Conselho de
Administração do Bradesco, Luiz Carlos Trabuco, em entrevista a Adriana
Fernandes: “A questão fiscal não é problema de vida e de morte”.
Por suicida, a oposição à isenção não
encontrará porta-vozes no Congresso. O enrosco virá da compensação. Há desde os
mais desabridos, como o senador Oriovisto Guimarães (Podemos-PR), que
classifica quem ganha mais de R$ 50 mil de “classe média”: “Você vai pegar toda
a OAB, advogados, médicos, juízes, pequenos comerciantes. É mais carga
tributária e a classe média vai reagir fortemente”.
O senador, fundador do Grupo Positivo de
educação e um dos mais ponderados da oposição, expressa o senso comum de um
país de baixa renda em que o topo da pirâmide não se vê como rico. A “classe
média” a que se refere corresponde a 0,2% da população adulta.
Presidente da Casa por onde o projeto vai se
iniciar, o deputado Hugo Motta (Republicanos-PB) citou o gasto tributário como
fonte de receita. Como dele cuidou a reforma tributária, é possível que Motta
tenha verbalizado o desejo da Casa de acenar a agentes econômicos em busca de
proteção.
Foi o deputado Pedro Paulo (PSD-RJ) quem
tocou naquele que, de fato, deve ser o maior enrosco, que é a compensação de
Estados e municípios. Ex-secretário de finanças do Rio, que recebe R$ 2 bi
anuais da retenção do IR, Pedro Paulo já foi relator de duas propostas da
Fazenda (tributação de offshore e de fundos exclusivos) e é novamente cotado
para a relatoria do projeto de mais visibilidade eleitoral do biênio.
O deputado rebate o argumento da Fazenda de
que Estados e municípios, sócios da arrecadação do IR, serão compensados com o
aumento do consumo: “Por que a União será compensada com a taxação da renda
acima de R$ 50 mil, e a federação ganha uma compensação condicionada?”.
A força adquirida pelos prefeitos junto ao
Congresso nesta legislatura, potencializada com a aproximação da disputa pela
renovação dos mandatos legislativos, não deixa dúvidas de que, se há gordura na
proposta, ela terá que ser consumida com esta compensação federativa.
A batalha que está para se iniciar no
Congresso é tratada por petistas como o divisor de águas. Como só vai sobrar um
dinheirinho a mais no bolso em 2026, soa exagerado. A sorte de Lula é que, do
outro lado, a bagunça está instalada. A fuga do deputado Eduardo Bolsonaro
(PL-RJ) para os Estados Unidos sintetiza as dificuldades do pai em emplacar a
anistia.
O ex-presidente interdita a direita e Lula, a
esquerda. A diferença é que Jair Bolsonaro tem a cadeia por horizonte. Além de
marcar ponto em rincões da oposição - em quatro dias esteve duas vezes em
Sorocaba, governada pelo prefeito bolsonarista de maior audiência nas redes -
encampou projeto de apelo junto à base adversária. A Genial/Quaest
(dezembro/2024) mostrou que o eleitor de Jair Bolsonaro aprova a isenção para
rendas até R$ 5 mil (77%) ainda mais que o lulista (75%).
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