Reforma homeopática não muda 1º escalão de patamar
Folha de S. Paulo
Troca na pasta das Mulheres é a sexta desde
janeiro, sem melhora na relação com partidos aliados ou em política pública
A reforma ministerial promovida em doses
homeopáticas há quatro meses somente merece esse nome, até o momento, pelo
critério quantitativo —e olhe lá.
De janeiro para cá, o governo Luiz
Inácio Lula da
Silva (PT)
providenciou a troca do comando de 6 das numerosas 38 pastas do Executivo
federal, já incluída na conta a troca de Cida
Gonçalves por Márcia Lopes no Ministério das Mulheres, oficializada
nesta segunda-feira (5).
Já no aspecto qualitativo, as substituições não ampliam nem tornam mais coesa a coalizão partidária de apoio ao Palácio do Planalto. Tampouco buscam nomes de maior expressão em suas áreas ou visam novas orientações de políticas públicas.
O único caso de mudança com claro objetivo
gerencial se deu na Comunicação Social da Presidência —vale dizer, na
propaganda oficial. Mas o ingresso no gabinete de Sidônio
Palmeira, marqueteiro da campanha de Lula, mira muito mais as eleições do
próximo ano do que a melhor prestação de informações à sociedade.
Outras duas trocas, cumpre recordar, nem
mesmo estavam programadas e ocorreram por motivos vexatórios para o
governo. Juscelino
Filho deixou a pasta das Comunicações após ser denunciado por corrupção relacionada
a emendas parlamentares, e Carlos Lupi teve
de sair da Previdência
Social na esteira do escândalo
de fraudes no INSS ora em curso.
Em ambas as ocasiões, a administração petista
substituiu seis por meia dúzia, ao menos do ponto de vista partidário:
Comunicações continuou sob o comando do União Brasil,
mesmo depois que o líder do partido na Câmara
dos Deputados recusou o cargo de modo constrangedor, e o PDT manteve a
Previdência.
As demais alterações atenderam basicamente a
conveniências do PT. Na Saúde, ministério mais importante afetado, Nísia
Trindade deu lugar a Alexandre
Padilha, que cuidava da articulação política do Planalto à frente das
Relações Institucionais.
Para o lugar deixado por Padilha foi Gleisi
Hoffmann, até então presidente da sigla, uma escolha naturalmente
controversa numa aliança que inclui, além dos tradicionais parceiros à
esquerda, forças ao centro e à direita.
Os laços de interesse de Lula com MDB, PSD, União
Brasil, PP e Republicanos,
todos representados no ministério, permanecem frágeis. Não apenas falta
disposição da administração petista em compartilhar
de fato o poder como as cinco siglas, que têm 47% da Câmara e 53% do Senado, já fazem
seus próprios cálculos para as sucessões nacional e estaduais no próximo ano.
Como é dono da caneta presidencial e lidera
as pesquisas, mesmo tendo perdido popularidade, Lula reúne condições de
preservar alianças além do campo da esquerda. Vai perdendo oportunidades,
porém, de montar um primeiro escalão mais qualificado, política e tecnicamente,
e fazer um governo também de alcance mais amplo.
Conter os danos do álcool com sensatez
Folha de S. Paulo
Datafolha mostra diminuição no consumo, que,
por ser legalizado, facilita a ação do poder público; jovens exigem atenção
O poder público atua de modo mais eficaz
contra as drogas quando
elas não estão escondidas no submundo do tráfico. A legalização facilita o
desenho de políticas de prevenção, contenção e tratamento baseadas em
diretrizes técnicas. O álcool é um exemplo.
Segundo pesquisa do Datafolha,
que entrevistou 1.912 pessoas acima dos 18 anos em 113 municípios das cinco
regiões do país, 49% dos brasileiros não ingerem nenhum tipo de bebida
alcoólica.
Entre os 51% que o fazem, mais
da metade (53%) relata que o consumo diminuiu no ano anterior à
sondagem —para 35%, manteve-se igual, e 12% notaram aumento. A quantidade
ingerida é considerada adequada por 81%, enquanto 18% acham que bebem mais ou
muito mais do que deveriam.
O critério de consumo abusivo da substância,
usado em pesquisas e pelo Ministério
da Saúde, é de 5 doses ou mais em uma mesma ocasião para homens, e de 4
doses ou mais para mulheres.
O Datafolha perguntou quantas doses os
entrevistados haviam tomado na última semana. A média brasileira ficou em 4,5.
Mas 55% ou não beberam no período ou tomaram só até 2 doses, enquanto 16%
ingeriram de 3 a 5, e 23% exageraram com 6 a 11.
O principal motivo para a abstinência é o
risco para a saúde,
apontado por 34% dos entrevistados que não ingerem a substância —seguido por
não gostar do sabor (21%), religião (13%), histórico de dependência na família
(11%) e medo (7%). Tal fator aponta para o papel da informação na contenção do
consumo, que tem apresentado tendência de queda em certos países.
Nos Estados
Unidos, a porcentagem de pessoas entre 18 e 35 anos que afirmam beber caiu
de 72% em 2003 para 62% em 2023. De acordo com o Datafolha, em estrato similar
a esse (18 a 34 anos), a taxa é de 58%.
Mas o uso abusivo entre 18 e 24 anos no
Brasil preocupa. O levantamento nacional Covitel de 2023 mostra que o consumo
exagerado nessa faixa etária subiu
de de 25,8% em 2022 para 32,6% em 2023. Nos EUA, a taxa entre 18 e 25 anos,
já bastante inferior à nossa, caiu de 7,6% a 6,9% no período.
Os dados mostram que ainda há espaço
para que governos nas três esferas incrementem políticas com mais
campanhas informativas, limitação de publicidade e de patrocínio de bebidas e
altos impostos para esses produtos.
É preciso cuidar dos estratos jovens, com
programas em escolas e universidades e protocolos de atendimento no SUS.
O Estado, por óbvio, deve agir contra as
drogas. Mas com sensatez, em vez de proibição.
Turbulências exigem maior atenção com déficit
externo
Valor Econômico
Ainda que não haja uma crise de balanço de pagamentos a caminho, a mudança de posições de financiamento assinala maior vulnerabilidade em relação aos fluxos de capital e consequentes solavancos do dólar
Um sinal de alerta nas contas externas já
vinha acendendo nos últimos meses e ficou evidente em março. O Investimento
Direto no País (IDP) diminuiu e ficou abaixo do necessário para cobrir o
déficit em conta corrente - algo que não ocorre desde 2015, há uma década. O
déficit em conta corrente acumulado em 12 meses caiu de US$ 70,3 bilhões em
fevereiro para US$ 68,5 bilhões em março, o equivalente a 3,21% do Produto
Interno Bruto (PIB), enquanto o IDP no mesmo período recuou mais, de US$ 72,5
bilhões para US$ 68,2 bilhões.
O Brasil deixou em dezembro de ter mais
reservas que dívidas, ou seja, de ser um credor externo líquido, situação que
perdurava desde 2008. Naquele mês, quando o Banco Central (BC) vendeu US$ 30,3
bilhões para conter a disparada do dólar, a dívida bruta externa chegou a US$
347,5 bilhões e as reservas, a US$ 329,73 bilhões (conceito de caixa, dinheiro
disponível). Ainda que não haja uma crise de balanço de pagamentos a caminho,
como as tradicionais que afligiram até o início do século os países emergentes,
a mudança de posições de financiamento assinala maior vulnerabilidade em
relação aos fluxos de capital e consequentes solavancos do dólar, que têm sido
constantes e que, com a guerra tarifária de Donald Trump, possivelmente se
agravarão.
Políticas domésticas equivocadas contribuíram
para retirar parte das defesas externas brasileiras. O descompromisso com
ajuste fiscal em novembro fez o dólar disparar, em um movimento que obrigou o
BC a intervir com vendas de dólares, e as reservas caíram abaixo da dívida.
Dessa forma, não apenas instabilidades externas, determinantes dos fluxos de
capital, impactaram as reservas, mas também as expectativas dos investidores
domésticos em relação ao governo - mesmo sem ter ocorrido uma fuga de dólares
que justificasse a magnitude da desvalorização ocorrida.
Algo distinto, mas na mesma direção, ocorreu
com o IDP, que deixou de cobrir o déficit em conta corrente. O BC minimizou a
diferença entre os dois, de fato muito pequena, mas os investidores não
deixaram de atentar para a mudança de situação. Os investimentos diretos são um
seguro para o país, estão alocados a longo prazo e não são voláteis, como os
capitais de curto prazo, que podem entrar e sair do país com enorme rapidez.
Desde 2015, o investimento direto tem sido
superior ao déficit em conta corrente em bases anuais. Isso aconteceu até mesmo
nos anos da pandemia de covid-19, com poucas exceções em alguns meses. Em 2023,
o IDP acumulou US$ 62,4 bilhões, mais do que o dobro dos US$ 27,9 bilhões do
déficit em conta corrente. Ao fim de 2024, no entanto, o diferencial se
estreitou bastante, com IDP em US$ 71,1 bilhões (3,26% do PIB) e déficit em
conta corrente em US$ 61,2 bilhões (2,81%).
A principal influência para o resultado das
transações correntes foi o desempenho da balança comercial, que, pelos
critérios do BC, teve superávit de US$ 65,8 bilhões em 2024 e de US$ 7,9
bilhões no primeiro trimestre deste ano. O aumento das importações de máquinas
e equipamentos, a antecipação da importação de carros chineses para evitar o
aumento da tributação, e a compra de bens de consumo e intermediários foram
impulsionados pela demanda interna, aquecida com a expansão do emprego e da
renda. Os efeitos de um crescimento da economia acima de seu potencial se
refletem necessariamente nas contas externas.
Do outro lado, a queda de preço de alguns
produtos de exportação, a redução da safra agrícola passada pelo impacto de El
Niño e da estiagem, e a diminuição das vendas para a Argentina, em consequência
da recessão no país vizinho, afetaram as exportações e contribuíram para
reduzir o superávit da balança comercial.
Este ano já não começou bem. No primeiro
trimestre, o superávit da balança comercial de bens ficou em US$ 7,9 bilhões,
com queda de pouco mais de 50% em comparação com os US$ 16,3 bilhões de igual
período de 2024. Na balança de serviços, o déficit aumentou 13% na mesma base
de comparação, de US$ 11,3 bilhões para US$ 12,8 bilhões. Como resultado, o
déficit em conta corrente pulou quase 60%, de US$ 12,4 bilhões para US$ 19,7
bilhões entre o primeiro trimestre de 2024 e o mesmo período deste ano. Na
conta financeira, o déficit saltou quase 56%, de US$ 16,3 bilhões para US$ 25,4
bilhões; e, dentro dela, o IDP diminuiu 11,4%, de US$ 24,6 bilhões para US$
21,8 bilhões.
As projeções para o IDP indicam que ele pode
superar o déficit em conta corrente no ano, embora a tendência de aumento do
rombo externo importe mais. Há o consenso expresso na pesquisa Focus e pelo
próprio BC de que o IDP feche o ano em US$ 70 bilhões, um pouco abaixo de 2024.
Mas o IDP tem sido relativamente estável, e a previsão é que chegue ao mesmo
valor em 2026. O déficit em conta corrente, no entanto, dependerá do grau de
dinamismo da economia. Com incentivos à atividade, como tem sido feito pelo governo
Lula, ele deverá crescer acima dos investimentos, algo previsto pois a poupança
externa é baixa para sustentar o ritmo atual de crescimento. Esse é mais um
motivo para que o governo coloque em ordens suas contas e o corte gastos.
Extremismo ganha votos e cria dilema
O Estado de S. Paulo
Avanço eleitoral de partidos como a AfD, da
extrema direita alemã, impõe às democracias liberais o desafio de lidar com os
radicais sem ferir o espírito da própria democracia liberal
A decisão do Escritório Federal para a
Proteção da Constituição (BfV) da Alemanha de classificar o partido Alternativa
para a Alemanha (AfD) como “extremista de direita” marca um momento decisivo
para a democracia alemã – e, por extensão, para as democracias europeias. A
medida foi tomada com base em uma investigação que resultou num relatório
volumoso e dá um passo substantivo rumo a um eventual banimento da AfD. Mais do
que uma condenação institucional a um partido específico, ela atualiza o dilema
que assombra as sociedades abertas, tal como formulado por Karl Popper: o
“paradoxo da tolerância”. O dilema é simples de formular, mas difícil de
administrar: até que ponto uma democracia liberal deve tolerar os que querem
corroê-la por dentro?
É inegável que a AfD representa uma guinada
dura no espectro político alemão. Sua retórica etnicista, inflamatória e
revisionista levanta preocupações legítimas quanto ao seu comprometimento com a
ordem democrática. A revelação de que líderes do partido participaram de
reuniões onde se discutiram planos de “remigração” em massa – um eufemismo para
deportações em larga escala – só reforça essas inquietações. Mas é justamente
diante de partidos que operam nesse limiar entre o legal e o moralmente
intolerável que o Estado liberal deve provar sua força – e sua prudência.
O rótulo de “extremista”, por mais que se
baseie em critérios jurídicos bem definidos, carrega um peso político e
simbólico. É um erro comum – e perigoso – equiparar categorias como
“extremistas”, “radicais” ou “populistas”. Uma direita dura e nacionalista pode
operar dentro dos marcos da democracia constitucional. O populismo é muitas
vezes mais estilo do que substância – e sua eficácia deriva mais da inépcia dos
adversários do que de sua coerência doutrinária.
Banir um partido deve ser medida extrema – e
não uma ferramenta de conveniência eleitoral. A História mostra que,
frequentemente, reprimir partidos que gozam de apoio significativo não os
elimina, e sim os fortalece. Ao se posicionar como vítimas da perseguição
institucional, eles ampliam sua base eleitoral e ganham a aura de mártires do
“sistema”. O fenômeno é perceptível na Alemanha: a AfD lidera pesquisas em
vários Estados da antiga Alemanha comunista e é o segundo partido no
Parlamento, mesmo sendo excluída de coalizões.
O risco do “tiro no pé” é real. Democracias
não se defendem apenas com restrições, mas sobretudo com persuasão. É no debate
público transparente e na capacidade de entrega das instituições liberais que
reside sua superioridade moral e funcional. Quando centristas se esquivam da
disputa política e recorrem precocemente ao banimento, abandonam o campo de
batalha mais importante: o das ideias.
A regra é competir, e não banir. E, para
competir, os partidos do centro precisam resgatar não só seu pragmatismo, mas
sua paixão. O eleitorado que migra para a AfD e seus equivalentes não é
composto só por radicais ideológicos, mas, em grande parte, por cidadãos
frustrados com promessas não cumpridas, insegurança econômica e desconfiados
das elites. Ignorá-los ou rotulá-los como “deploráveis” é uma receita para o
desastre – como mostram os casos do Brexit ou de Donald Trump.
Isso não significa tolerar o intolerável, mas
sim distinguir entre discurso radical e ação subversiva, entre oposição
barulhenta e agressão concreta à democracia. Significa, acima de tudo,
preservar o princípio liberal da intervenção mínima do Estado na vida política.
Se há crimes, que sejam punidos individualmente, com o rigor da lei e as
garantias do processo legal. Se há excessos, que sejam enfrentados com votos, e
não com decretos. Não se fortalece a democracia amputando vozes – mesmo as mais
incômodas –, mas vencendo-as com melhores argumentos e políticas eficazes.
O liberalismo não pode ser só uma defesa da
forma: deve ser uma expressão viva de substância, coragem e compromisso. Banir
um partido como a AfD pode eventualmente se provar justificável – mas somente
como último recurso, quando a agressão for clara, presente e incontornável. Até
lá, a resposta deve ser política – e não judicial.
Uma distorção para corrigir outra distorção
O Estado de S. Paulo
Câmara vota regime de urgência para o projeto
que cria vagas de deputados em vez de redistribuir as atuais – mais uma
agravante num sistema representativo que nasceu e cresceu torto
O presidente da Câmara dos Deputados, Hugo
Motta (Republicanos-PB), recorreu a um “esforço concentrado” para votar o
requerimento que acelera o andamento do projeto de lei que redistribui o número
de deputados federais no Brasil. Uma vez aprovado o regime de urgência, o
projeto, de autoria da deputada Dani Cunha (União Brasil-RJ), pode ser votado
no plenário da Câmara sem necessidade de passar pelas comissões da Casa. A
proposta cria 14 novas vagas de deputados, passando das atuais 513 cadeiras
para 527.
A pressa de Hugo Motta se explica: em 2023, o
Supremo Tribunal Federal entendeu ser necessária uma redistribuição no número
de parlamentares, de acordo com aumento populacional demonstrado no Censo
Demográfico de 2022, e deu até o próximo dia 30 de junho para que a Câmara faça
a devida atualização do número de cadeiras. Caso contrário, caberá ao Tribunal
Superior Eleitoral fazê-lo.
O que não se explica é a marotagem em curso.
A Constituição federal determina que o número de deputados deve ser
proporcional à população, com mínimo de oito e máximo de 70 parlamentares por
Estado. A distribuição das atuais 513 cadeiras foi feita em 1993, mas a
atualização periódica prevista em lei nunca ocorreu. Ao pé da letra, a
redistribuição significaria a abertura de novas vagas para Estados em que a
população cresceu, e a consequente redução de cadeiras para Estados que
sofreram queda no número de habitantes. Com efeito, sete Estados ganhariam
deputados (Amazonas, Ceará, Goiás, Minas Gerais, Mato Grosso, Pará e Santa
Catarina) e outros sete perderiam representantes (Alagoas, Bahia, Pernambuco,
Piauí, Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul e a Paraíba de Hugo Motta).
Mas seria esperar demais de deputados que
fechem vagas na Câmara – sobretudo no caso de parlamentares eleitos nos Estados
que perderiam assentos – apenas porque assim manda a Constituição. Tanto que se
produziu a manobra expressa no projeto da deputada Dani Cunha, com a anuência
do presidente da Câmara e de todos os partidos com representação na Casa,
exceto o Novo: ampliam-se as vagas para os casos em que houve crescimento da
população, mas se preservam as cadeiras que deveriam ser fechadas. E assim a Câmara
dos Deputados, que já não é pequena se considerada a proporção em relação à
população do País, ficaria ainda mais desigual. Os EUA, por exemplo, têm
população maior e menos parlamentares, com 435 deputados para cerca de 340
milhões de habitantes.
Esse, porém, é o menor dos problemas, assim
como o custo anual adicional: segundo o Instituto Millenium, o orçamento da
Câmara, considerando cotas parlamentares, salários, ajuda de custo, encargos
trabalhistas com assessores e outros benefícios, deve aumentar de R$ 1,68
bilhão para R$ 1,73 bilhão anual. O mais grave é o casuísmo escolhido para
driblar as regras da redistribuição de cadeiras, além da pressa para corrigir
uma inação de anos. Além disso, o projeto agravaria o que já é um desvio
histórico do sistema representativo brasileiro: a distorção entre a população
(ou eleitorado) e o número de representantes.
Trata-se de uma patologia institucional de
longa data. Desde as primeiras legislaturas, do Império e início da República,
viola-se no País o princípio democrático de que todos os cidadãos tenham votos
com valores iguais – em suma, a máxima “uma pessoa, um voto”. Tanto a definição
de um número mínimo de representantes (oito por Estado) quanto a ausência de
atualização periódica fizeram com que Estados mais populosos, especialmente São
Paulo, ficassem sub-representados, enquanto Estados menores, sobretudo aqueles
da Região Norte e alguns do Nordeste, tornaram-se sobre-representados.
Na matemática da representação brasileira,
nem sempre um voto num lugar vale o mesmo que um voto em outro. O saldo final é
o evidente prejuízo imposto a alguns em detrimento de outros. Mas, no universo
singular da Câmara dos Deputados do Brasil, uma distorção se corrige com outra
distorção.
Abandonando o barco
O Estado de S. Paulo
Secretário do Planejamento que sugeria
revisão de gastos, ignorada por Lula, pede para sair
O secretário de Monitoramento e Avaliação de
Políticas Públicas e Assuntos Econômicos do Ministério do Planejamento, Sergio
Firpo, pediu na semana passada para deixar o cargo. Com sua saída, cinco dos
seis secretários da equipe originalmente montada pela ministra Simone Tebet já
deixaram o governo do presidente Lula da Silva.
Firpo ocupava uma função delicada em qualquer
governo, sobretudo em uma gestão petista. Cabia a ele propor a revisão dos
gastos para assim trazer mais eficiência à máquina pública. Nas várias
entrevistas que concedia à imprensa, o economista sempre enfatizava a
necessidade de analisar se o País estava fazendo o melhor uso possível do
dinheiro público. Parece algo bastante razoável, mas é praticamente uma ofensa
para quem acredita que “gasto é vida”.
Bem se sabe que os movimentos no setor
público costumam ser lentos, mas não se pode acusar Firpo de não ter feito sua
parte. Com seu trabalho, o ministério levantou dados que garantiram
transparência às despesas do Executivo federal e reforçaram dúvidas sobre a
eficiência e a eficácia de várias políticas públicas mantidas pelo Estado.
Alguns exemplos são ilustrativos. O peso dos
subsídios tributários saltou de 1,96% para 4,78% do Produto Interno Bruto (PIB)
entre 2003 e 2023, o que evidencia a dificuldade de encerrar um benefício
depois que ele é criado a despeito de resultados econômicos questionáveis.
O número de beneficiários do seguro-defeso é
maior que o de pescadores artesanais em atuação no País, o que demonstra o
descontrole de um programa criado para garantir a subsistência dos
profissionais na piracema, período de reprodução das espécies no qual a
atividade é proibida ou restrita.
Conhecer os dados é de extrema importância,
mas não basta. É preciso propor soluções para corrigir esses desequilíbrios.
Foi Firpo quem afirmou ser necessário diferenciar a correção do valor da
aposentadoria do reajuste do Benefício de Prestação Continuada (BPC), benefício
assistencial pago a idosos de baixa renda e pessoas com deficiência. Não se
trata de crueldade com os vulneráveis, mas de justiça com os trabalhadores que
contribuíram para a Previdência ao longo de suas vidas. O secretário também sugeriu
elevar a idade mínima para requerer o BPC dos atuais 65 anos para 70 anos.
Iniciativas como essas receberam uma
saraivada de críticas dos petistas. Com o debate interditado, a maioria das
propostas foi descartada e as poucas que prosperaram foram desidratadas no
Congresso. Assim, a ambiciosa agenda estrutural de revisão de gastos prometida
pela equipe econômica se converteu em mero pente-fino de benefícios, atividade
que deveria ter caráter rotineiro em qualquer governo minimamente responsável.
A saída de Firpo escancara a essência do governo de Lula da Silva, que engolia a agenda fiscal defendida pela ministra Simone Tebet a contragosto, apenas para sustentar o discurso da frente ampla em defesa da democracia que ajudou a elegê-lo em 2022. Esses votos valiosos certamente farão falta no ano que vem.
Governo deveria se empenhar mais pela PEC dos
Militares
O Globo
É essencial para a estabilidade democrática
que a caserna permaneça afastada da política
Manter os quartéis distantes da política é
condição básica para a estabilidade democrática de qualquer país, ainda mais do
Brasil, que vive às voltas com insurreições na caserna desde a proclamação da
República, resultado de um golpe militar. Logo na primeira fase do governo do
presidente Luiz Inácio Lula da
Silva, sob a influência do clima e dos riscos expostos pela intentona
bolsonarista do 8 de Janeiro, o Planalto encaminhou ao Congresso um oportuno
Projeto de Emenda à Constituição (PEC) proibindo a participação de militares da
ativa em eleições. Pela regra em vigor, apenas aqueles com menos de dez anos de
serviço precisam ir para a reserva ao registrar candidatura. Os demais estão
livres da exigência até que sejam eleitos. Pela regra proposta, ao se
candidatar, o militar será transferido à reserva. Se não for eleito, seguirá na
vida civil.
A PEC foi protocolada pelo líder do governo
no Senado, Jaques Wagner (PT-BA), passou pela Comissão de Constituição e
Justiça (CCJ) em novembro de 2023 e parou de tramitar por falta de empenho das
lideranças do próprio governo, incluindo a recém-empossada ministra de Relações
Institucionais, Gleisi Hoffmann. Em março do ano passado, o próprio Wagner
afirmou ao GLOBO que ela era a “trigésima prioridade” do governo. Pouco mais de
um ano depois, a situação continua a mesma.
Para valer em 2026, a PEC terá de ser
aprovada até 4 de outubro, um ano antes das eleições. Se nada for feito,
perde-se a oportunidade de incluir na Constituição uma barreira fundamental à
politização dos quartéis. É descabida a ideia de que a aprovação provocaria
rebelião contra o governo. O texto foi negociado pelo ministro da Defesa, José
Múcio, com a própria cúpula militar. Ele afirma ter ouvido de Lula a promessa
de que a PEC terá prioridade. Falta cumpri-la.
Uma explicação para o abandono da PEC dos
Militares é o empenho do governo em esvaziar o projeto de anistia aos
envolvidos nos ataques contra as sedes dos três Poderes no 8 de Janeiro. Mas o
mesmo esforço para evitar a anistia a quem investiu contra o Estado Democrático
de Direito, ferindo a Constituição, deveria ser empregado em defesa da PEC dos
Militares.
Também não faz sentido justificar a falta de
empenho das lideranças do governo no Congresso alegando que a nova regra seria
estendida aos policiais militares, contrários a restrições à sua atuação na
política. Ora, o Congresso é um amplo espaço institucional aberto ao debate. Se
os parlamentares acharem que cabe ampliar a PEC para abranger os PMs, estão em
seu pleno direito.
Por fim, é incoerente que um governo atingido
por uma tentativa de golpe com a participação de militares da ativa deixe
escapar a oportunidade de inscrever na Constituição remédios contra os males do
intervencionismo militar na vida pública do país.
Reação a desvios do INSS precisa ir além do
ressarcimento
O Globo
Se brechas para fraudes não forem fechadas, é
inevitável que haja novos escândalos no futuro
Entre 2019 e 2024, cerca de R$ 6,3 bilhões
foram surrupiados de 4,1 milhões de aposentados e pensionistas do INSS,
de acordo com as estimativas preliminares. O dinheiro era desviado por meio de
descontos ilegais nos contracheques, realizados por sindicatos e associações,
sob os olhos da diretoria do instituto e do ex-ministro da Previdência Carlos Lupi,
que pediu demissão na semana passada. A investigação da Polícia Federal (PF) e
da Controladoria-Geral da União (CGU) expôs uma sucessão de crimes, erros e
omissões que não podem passar impunes. Diante das evidências, o governo demorou
a agir. Agora reage de forma atabalhoada para reparar os danos.
Até o momento, as investigações não citam
Lupi, que permaneceu no cargo por nove dias após a operação da PF e da CGU.
Desde o início de 2023, ele estava ciente das fraudes. Sobre a omissão, disse
ao GLOBO que “no governo, tudo é demorado”. Chefe licenciado do PDT, ele acabou
pressionado a pedir demissão apenas na última sexta-feira, quando a oposição já
havia reunido as assinaturas suficientes para abrir uma Comissão Parlamentar de
Inquérito (CPI) no Congresso.
Agora o Planalto tem pressa. É irresistível a
tentação de lançar imediatamente um plano de ressarcimento às vítimas. O mesmo
governo que ignorou as denúncias que se acumulavam quer usar de imediato o
dinheiro do contribuinte para tapar o buraco. Mas é preciso haver critério. Não
pode haver ressarcimento sem comprovação de fraude. E causa perplexidade que a
eficiência, tão em falta para evitar os desvios e investigar as denúncias,
apareça de repente na hora de distribuir bilhões de reais. A súbita generosidade
do Planalto reflete o interesse evidente de reduzir o impacto eleitoral do
escândalo, patente em seu alcance. É defensável que o governo reembolse os
beneficiários lesados, mas é ainda mais necessário que recupere na Justiça os
valores desviados.
Em vez de pensar no efeito nas urnas em 2026,
a prioridade do governo neste momento deveria ser outra: investigar a fundo os
desvios. Já dá para afirmar que o roubo de aposentados e pensionistas foi de
grandes dimensões. Casos assim acontecem em instituições com controles em
frangalhos. Quem teve participação dentro e fora do INSS? Quantos foram os
lesados? As perguntas se acumulam. Seria surpreendente se o desconto nos
contracheques fosse o único golpe aplicado com a conivência ou participação de
funcionários do INSS.
Todos os que pedem aposentadoria e, de uma hora para outra, começam a receber ligações ininterruptas de várias empresas sabem como são tratados dados sigilosos no INSS. A ação do governo não deve se limitar aos planos para ressarcimento. É necessário examinar de forma preventiva tudo o que cheira mal e criar mecanismos eficazes de controle. Tudo isso justifica a criação da CPI sobre o caso no Congresso. Se as brechas que permitiram as fraudes não forem fechadas, é praticamente inevitável que novos escândalos venham à tona mais adiante.
Ação articulada contra o terrorismo
Correio Braziliense
Usar a internet e qualquer plataforma para
veicular mentiras, conspirar contra a democracia, planejar ações terroristas,
entre outras ações criminosas, não é direito de expressão. É crime.
Por muito pouco, o show da Lady Gaga, que
reuniu mais de 2 milhões de pessoas na areia da Praia de Copacabana, no sábado
último, não se tornou uma tragédia de grandes proporções. O Ministério da
Justiça e a Polícia Civil do Rio de Janeiro desmontaram, na véspera, um plano
para o lançamento, durante o show da cantora norte-americana, de coquetéis
molotov e outros explosivos artesanais. A articulação do crime,
envolvendo jovens e adolescentes de diferentes estados, deu-se por meio
do aplicativo Discord (em português, discórdia).
O plano foi descoberto pela Subsecretaria de
Inteligência da Polícia Civil do Rio de Janeiro, que repassou a informação ao
Laboratório de Operações Cibernéticas (Ciberlab), do Ministério da Justiça e
Segurança Pública. Exceto os conflitos entre as forças de segurança pública e
os grupos criminosos, um ataque terrorista, até então, parecia inimaginável
para uma grande parte dos brasileiros. Não mais. Fenômenos como a polarização
política e a falta de regulação das redes sociais têm levado à prática frequente
de atos extremos no país, inclusive com a participação de menores de idade. Na
operação de sábado, um adolescente foi apreendido e um homem, preso — ambos em
flagrante.
Além de monitorar as redes sociais, é
fundamental que as plataformas que abrigam os grupos terroristas sejam
investigadas. Há poucas semanas, o país se surpreendeu com a suspeita de outro
caso de crime envolvendo jovens e o uso do Discord: em Ceilândia (DF), a menina
Sarah Rayssa, 8 anos, pode ter morrido depois de ter sido induzida a inalar
desodorante pelo jogo "desafio". Ao se apontar a necessidade de
regulação das redes sociais, houve quem alegasse que a medida seria censura e
barreira ao direito de expressão. Usar a internet e qualquer plataforma para
veicular mentiras, conspirar contra a democracia, planejar ações terroristas,
entre outras ações criminosas, não é direito de expressão. É crime.
As plataformas têm que estar em sintonia com
a legislação brasileira, que não comporta nem abre brechas para atos
terroristas. União Europeia, Alemanha, França, Reino Unido, Estados Unidos e
outros países estabeleceram regras para que elas sejam usadas sem cercear o
direito de expressão. As autoridades brasileiras não podem negar que a falta de
regulação torna as plataformas digitais terra sem lei, por onde podem trafegar
arranjos terroristas e quaisquer outros crimes e formas de violência.
A ação combinada entre Ministério da Justiça,
a Polícia Civil carioca e forças de segurança de outras unidades da Federação
foi fundamental para impedir que o ato extremo no show de Gaga fosse consumado.
Esse é, sem dúvidas, um importante caminho para o enfrentamento dos crimes
cibernéticos, além da qualificação dos agentes de segurança e do suporte
técnico para que cheguem àqueles que se escondem no submundo cibernético.
Segundo o delegado Alessandro Barreto, coordenador do Ciberlab, os planos do governo, acertadamente, são de que todos os grandes eventos do país passem a ser monitorados previamente, a fim de "evitar ameaças terroristas". É sabido que articulação entre as forças de segurança é um desafio antigo no Brasil, antes mesmo do crescimento dos crimes virtuais. Que, desta vez, seja pleno o entrosamento entre as forças estaduais e os órgãos do Ministério da Justiça.
As mortes no trânsito e a educação que falta
O Povo
É alarmante o dado extraído de levantamento
da Autarquia Municipal de Trânsito e Cidadania (AMC), órgão da prefeitura de
Fortaleza, que aponta um aumento expressivo de 17% no número de mortes por
acidentes em 2024, na comparação direta com o ano anterior. Algo precisa ser
feito a partir do que os números atestam, com o peso da objetividade que
carregam.
A ACM apontou 184 pessoas que perderam suas
vidas, ano passado, como vítimas de acidentes registrados no trânsito de
Fortaleza. Para efeito comparativo, lembre-se que em 2023 a soma fora de 173, o
que demonstra uma piora que as autoridades da área precisam estudar como
esforço de entender suas causas e, a partir disso, estabelecer as mudanças de
política necessárias para a reversão que todos esperamos.
É importante que o cenário seja enxergado
sempre na perspectiva de estabelecer um maior grau de segurança para todos -
motoristas, motociclistas e quem mais tiver a ver com o sistema que permite que
circulemos pela cidade, na forma que seja. Contexto no qual surge a campanha
Maio Amarelo, lançada pela prefeitura de Fortaleza junto com o anúncio dos
números trágicos de acidentes e mortes no fechamento da temporada anual mais
recente.
Deve-se, de início, mergulhar com um pouco
mais de profundidade nos dados coletados. Por exemplo, o ponto em que os
motociclistas respondem, como vítimas, por 55% das mortes registradas, contra
32% dos pedestres, 8% de ciclistas e 5% de ocupantes de veículos de quatro ou
mais rodas.
Outros dados importantes sobre o perfil das
vítimas: 80% são do sexo masculino, a faixa etária de 30 a 59 anos corresponde
a 56% dos casos, seguida por pessoas com 18 a 29 anos (21%), acima de 60 anos
(19%) e até 17 anos (4%). Entre os dois períodos houve aumento de 33% no número
de mortes entre os usuários de motocicletas. Para pedestres e ciclistas, houve
estabilidade.
O excesso de velocidade, que aparece como
causa na maior parte das mortes no trânsito, deve ser o alvo principal das
ações desenvolvidas ao longo de todo o mês, dentro da campanha recém-lançada.
Um fenômeno que não é apenas de Fortaleza e, como mostra a Organização Mundial
de Saúde (OMS), responde por cerca de um terço de todos casos fatais que
ocorrem em países de alta renda e por metade delas em países de baixa e média
renda.
A reversão desse quadro trágico exige mais do que apenas campanhas educativas ou de iniciativas originárias das forças do Estado, através de blitze e outras ações do gênero. Há uma parte que nos cabe, como sociedade, e parece impossível mudar esse cenário trágico sem um esforço de criar uma nova cultura nas ruas, com participação por igual de motoristas, motociclistas, ciclistas, pedestres, todos, enfim, para termos uma forma de convivência onde o limite de cada um esteja estabelecido pelo direito do outro. O certo é que sem uma nova educação para o trânsito, nada mudará.
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