terça-feira, 6 de maio de 2025

Os juros no meio do caos de Trump - Míriam Leitão

O Globo

Brasil vai subir juros, EUA devem manter: decisões dos bancos centrais refletem tensão global sob efeito da política do presidente norte-americano

Nestes primeiros quatro meses do ano, o ambiente na economia já mudou várias vezes. E é com a sensação de absoluta incerteza que os dois bancos centrais, do Brasil e dos Estados Unidos, iniciam hoje a reunião de dois dias para definir a taxa de juros. Provavelmente, a decisão será elevar meio ponto percentual aqui, e manter os juros estáveis lá, apesar da pressão de Donald Trump, que quer novos cortes. O mais importante será observar os recados que estarão nos comunicados. Quando vão parar de subir aqui, quando voltarão a cair na economia americana?

Metade do mercado acha que no Brasil para por aí, no estratosférico patamar de 14,75%, uma taxa maior do que quando o país enfrentava, dez anos atrás, uma inflação em torno de dois dígitos. A outra metade acha que haverá em junho uma nova alta para chegar em 15% ou 15,25%.

— De janeiro a abril, houve uma instabilidade global gigante, econômica e financeira. No começo, o mercado achava que Trump não ia fazer nada, era só discurso. Isso mudou em fevereiro, quando o Fed começou a falar em PIB negativo. Em março, teve o “liberation day” e o pessoal começou a dizer: ‘Acho que esse cara está falando sério’. Em abril, foi o caos porque as tarifas foram muito maiores do que se imaginava. Foram quatro meses de instabilidade — descreve Roberto Padovani, economista-chefe do BV.

Na reunião de abril do FMI, quando os bancos se encontraram, os economistas passaram a dizer que a política econômica de Trump não deu certo e isto está levando o capital a fugir dos Estados Unidos.

— Os Estados Unidos estão sendo vistos como um país institucionalmente frágil e deixaram de ser aquele porto seguro. E o capital vai sair para onde? A China está no meio da guerra comercial, a Rússia é um país de alto risco. Turquia e África do Sul, países desorganizados. O México pode sofrer mais o impacto da guerra comercial, há muitas dúvidas sobre o futuro da Argentina, e o ouro já está caro demais. O fato é que sobraram a Índia e o Brasil e, nas últimas duas semanas, vimos uma euforia em relação ao Brasil — diz Padovani.

A dívida pública brasileira está alta, mas a verdade é que ela subiu no mundo inteiro e a Europa está elevando gastos para investir em segurança. No Brasil, o grande problema é no nível de 14,75%, que é provavelmente o patamar que vai prevalecer a partir de amanhã, as pequenas empresas terão dificuldades de pagar suas dívidas, o endividamento das famílias vai aumentar, o custo da dívida pública fica alto demais.

O dólar subiu ontem, mas tem caído em parte por esse movimento de entrada de investidores estrangeiros. A queda pode ajudar a baixar a inflação mais rapidamente do que se esperava. Mas a inflação de serviços permanece alta, em torno de 7%. O índice acumulado em 12 meses está acelerando. Foi de 4,56% em janeiro, para 5,06% em fevereiro e para 5,48% em março. O IPCA de abril será divulgado pelo IBGE na sexta-feira e deve ficar em torno de 0,41%, levando a inflação de 12 meses para 5,51%.

Os relatórios dos bancos que projetam que haverá outra alta em junho, de pelo menos 0,25 ponto percentual, lembram que diretores do BC têm dito que a economia não está desacelerando, apesar do choque de juros. Alguns bancos estão até revendo ligeiramente para cima a previsão de crescimento do ano.

Mas, então, se o capital está correndo atrás de boa rentabilidade, o Brasil oferece isso e tem atraído investidores, pode-se dizer que está tudo bem? Não.

— Estou preocupado porque o cenário é muito complicado. A economia americana está indo para a recessão, com um cara que está mudando a leitura institucional dos Estados Unidos e está invertendo a lógica do comércio global. E isso não é bom para os emergentes — diz Padovani.

Os bancos centrais estão com as armas da política monetária querendo evitar que a inflação permaneça acima da meta. Mas o que está acontecendo em volta é mais desorganizador. E contra isso há pouco a fazer. A conta começa a chegar para Trump. A Apple vai ter um custo extra de quase US$ 1 bilhão com as novas tarifas, as vendas do McDonald´s despencaram no mundo, o euro subiu 8,4% frente ao dólar, as bolsas americanas perderam US$ 5 trilhões. A realidade bate à porta. O problema é que Donald Trump é impermeável aos fatos e não reconhece seus erros.

 

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