terça-feira, 6 de maio de 2025

Um país menos desigual - Jorge J. Okubaro

O Estado de S. Paulo

Sem dúvida, nesse aspecto fundamental para o quadro social o Brasil melhorou, mas poucos parecem ter notado

Em 2024, pelo terceiro ano consecutivo, a pobreza diminuiu no Brasil. A informação, muito boa num país que tem uma das piores distribuições de renda do mundo, mereceu ressalvas. Uma delas é a de que a inflação impediu que a redução da pobreza fosse ainda mais intensa. É verdade. Outra é a de que, com as projeções para a economia brasileira em 2025, neste ano a queda será menor. Provavelmente isso ocorrerá.

Tais restrições, no entanto, não encobrem nem deslustram uma mudança social relevante. De acordo com estudo do Banco Mundial, baseado em dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), a pobreza no Brasil – a linha de corte é a renda per capita de até US$ 6,85 por dia – diminuiu de 21,7% em 2023 para 20,9% em 2024. A redução deveu-se ao mercado de trabalho forte. “Foram criados 2,8 milhões de empregos, em meio à queda do desemprego para uma baixa recorde de 6,2% no final de 2024 e à crescente participação da força de trabalho”, segundo o Banco Mundial. Há mais empregados e mais pessoas em idade de trabalhar empregadas ou buscando emprego, o que faz crescer a População Economicamente Ativa (PEA). Além disso, “os salários reais médios aumentaram 4,8%, acima do aumento real de 3% no salário mínimo”, lembrou a instituição.

O Banco Mundial, recordese, é um dos organismos criados no final da Segunda Guerra para ajudar a reconstruir o mundo e a combater a pobreza (sua finalidade específica) e para reorganizar o sistema financeiro e comercial planetário (como o FMI e o antigo Acordo Geral de Tarifas e Comércio, que se transformou na Organização Mundial do Comércio).

Essas instituições incomodam o presidente norte-americano, Donald Trump, que vem tentando enfraquece-las. O Banco Mundial, felizmente, continua a operar com suas linhas de crédito para obras de impacto social e a produzir estudos sobre a pobreza no mundo.

No caso do Brasil, em particular, o resultado apurado para 2024 é o segundo melhor desde 1981, quando se iniciou a série histórica do Banco Mundial sobre índices de pobreza no País. É curioso observar que o melhor índice em quase 45 anos de pesquisa foi registrado em 2020, um ano sombrio por causa do impacto da pandemia da covid-19 sobre a atividade humana em escala planetária. No auge da pandemia, a taxa de pobreza no Brasil foi de 18,7%. Essa queda se deveu ao programa Auxílio Emergencial, criado pelo governo federal em abril de 2020 para compensar a queda da renda da população em decorrência da séria crise econômica provocada pela pandemia de coronavírus, que resultou em demissões e fechamento de empresas. No ano seguinte, com o fim do programa emergencial, a taxa de pobreza deu um salto, alcançando 28,4%, o pior resultado desde 2011.

Levantamento feito pelo diretor do FGV Social (núcleo de estudos da Fundação Getulio Vargas dedicado a temas sociais mais prementes do País), Marcelo Neri, mostrou fatores que aceleram a renda dos mais pobres e como isso tem ajudado a reduzir a taxa de pobreza. O estudo de Neri também conclui, como o do Banco Mundial, que no ano passado o Brasil registrou a maior redução da desigualdade de renda dos últimos anos.

Segundo Neri, na parcela de 50% dos trabalhadores mais pobres, o aumento da renda entre o quarto trimestre de 2023 e igual período de 2024 alcançou 10,7%, enquanto para a média da população, o aumento foi de 7,1%. Neri considera que 3,9 pontos porcentuais resultaram da queda do desemprego no período. Fatores como crescimento da escolaridade também influenciaram, o que deixa boas expectativas para o futuro, pois “tem repercussão lá na frente”.

A chamada Regra de Proteção do Bolsa Família, que permite ao beneficiário a permanência no programa por até dois anos (com o benefício reduzido em 50%) mesmo depois de conseguir emprego com carteira assinada, também contribuiu para o aumento da renda dos trabalhadores mais pobres e para a redução da taxa de pobreza. “O mecanismo criou um colchão de segurança para que beneficiários não perdessem o apoio ao ingressar no mercado formal, garantindo que o crescimento fosse mais forte justamente na base da pirâmide”, observou o diretor do FGV Social. Programas de transferência de renda têm forte impacto na redução da pobreza, como se evidenciou na pandemia e em 2024.

Embora com critérios de aferição diferentes, os dados do Banco Mundial e do pesquisador Marcelo Neri, quando colocados em gráfico, mostram traçado muito parecido. O século começa com uma elevação da taxa de pobreza até 2003 e daí se segue uma queda constante até 2014. A proporção de pobres sobe em 2015/2016 e permanece praticamente constante até 2019 e, no ano da pandemia, registra queda notável, já observada acima. Em 2021 há alta, também notável, a que se segue uma queda que vem se mantendo desde então. Sem dúvida, nesse aspecto fundamental para o quadro social o País melhorou, mas poucos parecem ter notado.

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