O Estado de S. Paulo
Sem dúvida, nesse aspecto fundamental para o quadro social o Brasil melhorou, mas poucos parecem ter notado
Em 2024, pelo terceiro ano consecutivo, a pobreza diminuiu no Brasil. A informação, muito boa num país que tem uma das piores distribuições de renda do mundo, mereceu ressalvas. Uma delas é a de que a inflação impediu que a redução da pobreza fosse ainda mais intensa. É verdade. Outra é a de que, com as projeções para a economia brasileira em 2025, neste ano a queda será menor. Provavelmente isso ocorrerá.
Tais restrições, no entanto, não encobrem nem
deslustram uma mudança social relevante. De acordo com estudo do Banco Mundial,
baseado em dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), a
pobreza no Brasil – a linha de corte é a renda per capita de até US$ 6,85 por
dia – diminuiu de 21,7% em 2023 para 20,9% em 2024. A redução deveu-se ao
mercado de trabalho forte. “Foram criados 2,8 milhões de empregos, em meio à
queda do desemprego para uma baixa recorde de 6,2% no final de 2024 e à crescente
participação da força de trabalho”, segundo o Banco Mundial. Há mais empregados
e mais pessoas em idade de trabalhar empregadas ou buscando emprego, o que faz
crescer a População Economicamente Ativa (PEA). Além disso, “os salários reais
médios aumentaram 4,8%, acima do aumento real de 3% no salário mínimo”, lembrou
a instituição.
O Banco Mundial, recordese, é um dos
organismos criados no final da Segunda Guerra para ajudar a reconstruir o mundo
e a combater a pobreza (sua finalidade específica) e para reorganizar o sistema
financeiro e comercial planetário (como o FMI e o antigo Acordo Geral de
Tarifas e Comércio, que se transformou na Organização Mundial do Comércio).
Essas instituições incomodam o presidente
norte-americano, Donald Trump, que vem tentando enfraquece-las. O Banco
Mundial, felizmente, continua a operar com suas linhas de crédito para obras de
impacto social e a produzir estudos sobre a pobreza no mundo.
No caso do Brasil, em particular, o resultado
apurado para 2024 é o segundo melhor desde 1981, quando se iniciou a série
histórica do Banco Mundial sobre índices de pobreza no País. É curioso observar
que o melhor índice em quase 45 anos de pesquisa foi registrado em 2020, um ano
sombrio por causa do impacto da pandemia da covid-19 sobre a atividade humana
em escala planetária. No auge da pandemia, a taxa de pobreza no Brasil foi de
18,7%. Essa queda se deveu ao programa Auxílio Emergencial, criado pelo governo
federal em abril de 2020 para compensar a queda da renda da população em decorrência
da séria crise econômica provocada pela pandemia de coronavírus, que resultou
em demissões e fechamento de empresas. No ano seguinte, com o fim do programa
emergencial, a taxa de pobreza deu um salto, alcançando 28,4%, o pior resultado
desde 2011.
Levantamento feito pelo diretor do FGV Social
(núcleo de estudos da Fundação Getulio Vargas dedicado a temas sociais mais
prementes do País), Marcelo Neri, mostrou fatores que aceleram a renda dos mais
pobres e como isso tem ajudado a reduzir a taxa de pobreza. O estudo de Neri
também conclui, como o do Banco Mundial, que no ano passado o Brasil registrou
a maior redução da desigualdade de renda dos últimos anos.
Segundo Neri, na parcela de 50% dos
trabalhadores mais pobres, o aumento da renda entre o quarto trimestre de 2023
e igual período de 2024 alcançou 10,7%, enquanto para a média da população, o
aumento foi de 7,1%. Neri considera que 3,9 pontos porcentuais resultaram da
queda do desemprego no período. Fatores como crescimento da escolaridade também
influenciaram, o que deixa boas expectativas para o futuro, pois “tem
repercussão lá na frente”.
A chamada Regra de Proteção do Bolsa Família,
que permite ao beneficiário a permanência no programa por até dois anos (com o
benefício reduzido em 50%) mesmo depois de conseguir emprego com carteira
assinada, também contribuiu para o aumento da renda dos trabalhadores mais
pobres e para a redução da taxa de pobreza. “O mecanismo criou um colchão de
segurança para que beneficiários não perdessem o apoio ao ingressar no mercado
formal, garantindo que o crescimento fosse mais forte justamente na base da pirâmide”,
observou o diretor do FGV Social. Programas de transferência de renda têm forte
impacto na redução da pobreza, como se evidenciou na pandemia e em 2024.
Embora com critérios de aferição diferentes, os dados do Banco Mundial e do pesquisador Marcelo Neri, quando colocados em gráfico, mostram traçado muito parecido. O século começa com uma elevação da taxa de pobreza até 2003 e daí se segue uma queda constante até 2014. A proporção de pobres sobe em 2015/2016 e permanece praticamente constante até 2019 e, no ano da pandemia, registra queda notável, já observada acima. Em 2021 há alta, também notável, a que se segue uma queda que vem se mantendo desde então. Sem dúvida, nesse aspecto fundamental para o quadro social o País melhorou, mas poucos parecem ter notado.
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