Paulo R. Haddad
DEU EM O ESTADO DE S. PAULO
DEU EM O ESTADO DE S. PAULO
Os estabilizadores econômicos automáticos são capazes de impedir uma recessão econômica no Brasil? Até quando serão eficazes para reduzir a volatilidade da produção e do emprego no País?
Quando terminou, no início do século 21, o ciclo de implantação das principais medidas de políticas sociais compensatórias embutidas na Constituição de 1988, ficou a impressão de que se dotara a economia brasileira de um conjunto de estabilizadores automáticos que poderiam blindá-la de eventuais recessões futuras.
Estabilizadores automáticos são mecanismos institucionais (seguro-desemprego, Previdência Social, tributação progressiva sobre rendimentos, etc.) que dão sustentação à renda nacional em conjunturas econômicas adversas. Dessa forma, estimulam a demanda agregada (particularmente o consumo das famílias), sem que os formuladores das políticas econômicas tenham de tomar decisões ad hoc que incorram em atrasos ou defasagens operacionais.
Sabe-se, por exemplo, que, para acelerar as obras do PAC, há um conjunto de óbices político-institucionais que retardam a sua eficácia como instrumento de ação anticíclica. Esses óbices vão desde processos de licitação longos e complexos até a penosa espera pela liberação de licenças ambientais. Para evitar, pois, que as políticas anticíclicas venham a depender de qualquer ação deliberada ou casuística, desde a crise de 1929 se vem buscando implantar mecanismos legais, constitucionais (seguro-desemprego, Previdência Social) ou infraconstitucionais (programas sociais compensatórios), que possam defender o nível de renda da economia, atenuando os impactos da insuficiência de demanda agregada.
Entretanto, há três grandes limites para a atuação dos estabilizadores automáticos na economia brasileira. Se a atual crise econômico-financeira mundial se prolongar e se aprofundar, há uma perda de eficácia relativa desses estabilizadores, que estão totalmente ancorados na receita federal e na sua expansão. Neste contexto, mais cedo do que se pensava, estará havendo fortes quedas na arrecadação do governo federal, por causa das mazelas da interação multiplicador-acelerador sobre as atividades econômicas.
Em segundo lugar, embora os estabilizadores sejam adequados para uma cadência inversa ao movimento de queda da renda nacional, não foram concebidos, entretanto, para uma intensidade suficientemente vigorosa, a fim de contrabalançar a crescente perda do valor da renda real domiciliar per capita. Basta ver a inexpressividade do sistema de seguro-desemprego brasileiro em face dos sistemas de países mais desenvolvidos, em relação a valores, prazo de duração e flexibilidade operacional, assim como quanto à sua sustentabilidade econômico-financeira no médio prazo.
Finalmente, uma recessão profunda e prolongada demandaria mudanças e ajustes no sistema fiscal para ampliar o emprego privado por meio de obras públicas, o que exigiria resgatar a participação dos investimentos na composição dos gastos públicos do País. Esses investimentos já atingiram quase 39% do total desses gastos antes da Constituição de 1988, caindo para 2% em anos recentes. Dados os atuais níveis inflexíveis de vinculação das receitas e os interesses políticos envolvidos em sua contrarreforma, é difícil imaginar que a expansão dos dispêndios públicos com investimentos em infraestrutura econômica possa vir a ser ampliada.
Enfim, se os estabilizadores automáticos constituem um avanço no desenho das políticas anticíclicas modernas, não se pode esperar que eles sejam igualmente eficazes para atenuar o ciclo recessivo de qualquer economia nacional, independentemente de seu contexto histórico. Essa eficácia é menor em economias com elevado grau de endividamento, com sistema fiscal politicamente enrijecido e anticrescimento, assim como com perda de qualidade e consistência na política econômica.
Caso esse cenário venha a prevalecer, não há muitos graus de liberdade para operar as políticas anticíclicas de defesa do nível de renda e do emprego.
É provável que tenha de se recorrer a medidas circunstanciais ou contingentes com seu custo político, por ter-se adiado o conjunto de reformas estruturais (fiscal, previdenciária, orçamentária, trabalhista, etc.) que, uma vez implementadas, dariam ao Estado maior leveza, rapidez e exatidão para superar o ciclo recessivo.
*Paulo R. Haddad, professor do IBMEC-MG, foi ministro do Planejamento e da Fazenda no governo Itamar Franco
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