DEU NA FOLHA DE S. PAULO
Ao criticar apedrejamento de mulheres no Irã, Dilma sinaliza mudança no Itamaraty
A fala crítica de Dilma sobre a guerra cambial aprofunda o discurso de "altivez" da área externa
Ao criticar apedrejamento de mulheres no Irã, Dilma sinaliza mudança no Itamaraty
A fala crítica de Dilma sobre a guerra cambial aprofunda o discurso de "altivez" da área externa
Igor Gielow
Apesar do estilo truncado e da volta de cacoetes da "ministra do PowerPoint", a fala de Dilma Rousseff ontem trouxe algumas luzes sobre o que pode vir a ser o posicionamento externo do Brasil em seu governo.
Primeiro, uma inflexão. Ao criticar o apedrejamento de mulheres no Irã, ela classificou a prática de "bárbara", "mesmo considerando os usos e costumes" do regime islâmico de Teerã.
Supondo-se que ela tenha a mesma opinião sobre o provável enforcamento de Sakineh Ashtiani, a iraniana acusada de adultério e assassinato que anda a comover o Ocidente, é uma guinada na política de vista grossa do Itamaraty lulista às práticas dos regimes aliados.
No caso específico de Sakineh, após considerá-la um problema do Irã, Lula ainda embicou uma tentativa de remediação de imagem ao oferecer asilo à mulher. Mas nunca se viu Lula ou o ministro das Relações Exteriores, Celso Amorim, criticar atos bárbaros pelo que são.
Em sua defesa, o Itamaraty sustenta que isso é relativismo cultural obrigatório, sob o argumento diplomático de que não é justo julgar outras realidades. Os anos Lula, contudo, foram consistentes em ignorar violações de direitos humanos e abusos.
Dissidentes cubanos foram ridicularizados, vários ditadores cortejados.Do lado das semelhanças, a fala crítica de Dilma sobre a chamada guerra cambial traz um aprofundamento no discurso de "altivez" preconizado pela área externa.
Eleger Estados Unidos e China como adversários antes de tomar posse não é exatamente trivial. É elevar a um patamar mais concreto, o da disputa comercial real e não de picuinhas anti-imperialistas, a "briga contra os grandes" ensaiada nos oito anos de PT no poder.
É preciso checar a compatibilidade entre retórica e realidade e examinar as contradições -em seu discurso da vitória, Dilma criticava protecionistas, mas lembrava da importância "das nossas próprias políticas".
A plateia também poderia ser poupada de bobagens como a dita ontem, quando a eleita afirmou que a Segunda Guerra Mundial decorreu tão somente de uma disputa econômica análoga à atual.
Seja como for, Dilma insinuou que manterá a voz grossa do Lula que canalizava os desejos de Amorim e companhia. A questão seguinte é ver se, até por uma questão de extensão vocal política, ela conseguirá manter o tom.
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