quinta-feira, 29 de setembro de 2011

STF em crise não consegue decidir sobre punição a juízes

Reação da opinião pública impede tribunal de retirar poderes do CNJ

Diante da forte reação da opinião pública e das críticas ao corporativismo no Judiciário, o Supremo Tribunal Federal (STF) desistiu de julgar ontem a ação que tira do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) poderes para investigar e punir magistrados. A maioria dos ministros do STF tendia a aceitar a ação, movida pela Associação dos Magistrados Brasileiros (AME), mas o presidente da Corte, Cezar Peluso, adiou sua apreciação. "O momento não é adequado. Vamos deixar até que os fatos sejam mais esclarecidos", resumiu Marco Aurélio Mello, relator da ação. A crise chegou ao seu auge com a declaração da corregedora do CNJ, Eliana Calmon, para quem o esvaziamento do Conselho beneficiará "bandidos escondidos atrás da toga". No Senado, foi apresentada emenda constitucional mantendo os poderes do CNJ.

Faltou clima

STF desiste de julgar ação que tiraria do CNJ poder de investigar e punir magistrados

Carolina Brígido

Diante da polêmica causada pelas declarações da corregedora nacional de Justiça, ministra Eliana Calmon, de que é preciso combater a impunidade dos "bandidos que se escondem atrás de togas", o Supremo Tribunal Federal (STF) desistiu de julgar ontem a ação que tiraria do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) poderes para investigar e punir magistrados por desvio de conduta. A tendência da Corte era esvaziar o CNJ, abrindo caminho para que o Conselho só examinasse denúncias já julgadas pelas corregedorias locais. Mas os ministros concluíram que não havia clima para tomar a decisão.

A ação estava na pauta, mas, no início da sessão, o presidente do STF, ministro Cezar Peluso, chamou outro processo para julgamento. Às 16h30m, quando interrompeu a sessão para o intervalo, os ministros ainda não sabiam se o assunto seria julgado. Durante o intervalo, com mais de uma hora de duração, o tema foi debatido a portas fechadas. Peluso declarou que a posição do STF não estava sendo compreendida pela mídia, e o momento não era propício para o julgamento. Um dia antes, o CNJ divulgara nota condenando as declarações de Eliana.

- O momento não é adequado para esse julgamento. Vamos deixar até que os fatos sejam mais esclarecidos, (devido) à celeuma, em termos de artigos sobre o cerceio à atuação, que todos aplaudem, do CNJ. Estou pronto há cerca de duas semanas para proceder o relato do caso e proferir voto, mas o pregão é do presidente. Penso que ele não vai apregoar nem hoje (quarta-feira), nem amanhã (quinta-feira) - disse o relator, Marco Aurélio Mello, antes do intervalo.

"Pecadilho" de Eliana Calmon

Sobre as declarações de Eliana, Marco Aurélio afirmou:

- A nossa corregedora cometeu um pecadilho, mas também não merece a excomunhão maior. Ela tem uma bagagem de bons serviços prestados à sociedade brasileira. É uma juíza de carreira, respeitada. Uma crítica exacerbada ao que ela versou, a rigor, fragiliza o próprio Judiciário e o próprio Conselho.

Anteontem, em sessão do CNJ, Peluso interpelou Eliana por sua entrevista à Associação Paulista de Jornais, em que ela diz que o esvaziamento das atribuições do Conselho seria "o primeiro caminho para a impunidade da magistratura", que, segundo ela, está infiltrada com "bandidos escondidos atrás da toga". Em resposta, Peluso leu nota do CNJ, não assinada por Eliana e outros dois conselheiros ausentes, dizendo que declarações "publicadas de forma generalizada ofendem a idoneidade e a dignidade de todos os magistrados".

O ministro Luiz Fux negou que o julgamento previsto para ontem tenha sido adiado por falta de clima:

- Acho que foi obediência ao regimento interno, que manda julgar processos mais antigos. Havia processos mais antigos na pauta. O processo estava pautado, todo mundo aqui está maduro para decidir.

Ao fim da sessão, o ministro Gilmar Mendes foi lacônico:

- Eu acho que está todo mundo reflexivo.

Mais cedo, em São Paulo, Gilmar defendeu a atuação do CNJ para fiscalizar os magistrados:

- A ministra está muito estimulada por seu trabalho. Quem lida com os problemas concretos certamente se empolga e quer resolvê-los - disse, propondo calma. - Não vejo com bons olhos essa tensão entre a Corregedoria e os outros órgãos. A Corregedoria do CNJ tem de acionar a corregedoria dos tribunais e estimulá-la.

A ação esperada para julgamento foi proposta pela Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB) em novembro de 2010. A entidade quer derrubar uma resolução do Conselho que regula processos disciplinares contra magistrados. Se a expectativa se confirmar, a Corregedoria Nacional de Justiça, do CNJ, perderá a atribuição de investigar e punir magistrados antes que eles sejam processados pelas corregedorias dos tribunais locais. Isso incentivaria o corporativismo, já que muitos magistrados ficam desconfortáveis para julgar os próprios colegas.

Juiz acha que adiamento é positivo

Para o professor de Direito Constitucional da UFRJ e da PUC-RJ José Ribas Vieira, Peluso manobrou para não votar a restrição de poderes do CNJ.

- Demorou muito a discussão sobre o amianto (primeiro item da pauta de ontem do STF). Foi uma estratégia do presidente do STF no sentido de não votar, para esfriar os ânimos - disse Vieira.

O presidente do conselho executivo da Associação dos Juízes para a Democracia, juiz José Henrique Rodrigues Torres, afirmou achar positivo o adiamento:

- Essas polêmicas não devem ser perpetuadas, mas, por outro lado, talvez seja até interessante que a decisão seja amadurecida, para que não seja tomada de forma equivocada.

Colaboraram: Tatiana Farah e Marcelle Ribeiro

FONTE: O GLOBO

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