segunda-feira, 14 de maio de 2012

Um tiro no pé!:: Ricardo Noblat

"À imprensa cabe vigiar o Estado — nunca o contrário". (Ayres Britto, presidente do Supremo Tribunal Federal)

Alguém duvida que Dilma Rousseff possa e goste muito de poder? Parte da força de um presidente é inerente ao cargo. Parte decorre das circunstâncias que ele vive. Parte tem a ver com o modo como aplica a força. Ao fim e ao cabo, o crédito acumulado antes e depois de governar é o que o diferencia dos seus antecessores — para melhor ou pior.

Afilhada do presidente mais popular da História do país, sem a experiência de concorrer a eleições, Dilma venceu logo a primeira e em seguida engoliu um Ministério que jamais escalaria. Lula escalou para protegê-la e vigiá-la. Nem assim Dilma se acanhou de livrar-se de uma fatia dele antes de completar um terço do mandato.

Administra sem brilho até aqui. A nova versão do Programa de Aceleração do Crescimento emperrou. A versão anterior avança devagar. O governo carece de um projeto ambicioso para o país. Com ou sem motivo, os ministros remanescentes e os que sucederam aos demitidos temem trombar com a presidente.

O receio fortalece a impressão de paralisia. E, no entanto... No entanto, aos olhos de quase 80% dos brasileiros, Dilma vai muito bem. O fato de ser a primeira mulher a governar o país a favorece. Bem como o fato de ser uma mulher disposta a empregar a força que detém. Seu marketing pessoal tem sido tão bom quanto o de Lula.

Parabéns a João Santana, o responsável pela imagem de Dilma — e, antes, pela de Lula. Genial aquela história da "faxineira ética". Quem liga que a faxineira conhecesse há muito tempo os ministros depois forçados a deixar o governo sob suspeita de corrupção? Nenhum deles foi chamado por Dilma para ser despachado.

A dois ou três, ela apelou para que ficassem nos cargos mesmos depois de entregar suas cartas de demissão. Todos saíram porque fizeram as contas e concluíram: é melhor ir embora do que arcar com o desgaste das denúncias publicadas pela imprensa. Dilma acabou faturando a demissão de tantos em tão pouco tempo.

A faxina rendeu-lhe tal cacife que ela pôde dar-se ao luxo de conservar ao seu lado, j carregando-o para cima e para baixo como prova do triunfo de sua vontade, o ministro Fernando Pimentel, do Desenvolvimento. Fernando embolsou grana com consultorias que não prestou. Esquisitíssimo! Mas a faxineira gosta dele, ora essa.

Há vezes em que a força serve ao bem, ao mal ou simplesmente a ela mesma. No momento, Dilma a usa para derrubar os juros em duas frentes. A primeira, dos bancos. Se os juros que eles cobram são reduzidos, os empréstimos ficam mais baratos. Aí as pessoas pegam dinheiro emprestado para consumir. A economia se reaquece.

A outra frente é a da taxa Selic, administrada pelo Banco Central, mas sujeita à intervenção crescente da própria Dilma. A dívida pública federal é da ordem de R$ 1,8 trilhão. Se a Selic baixa, o custo de rolagem da dívida também baixa. E assim sobra mais dinheiro para o governo investir ou fazer com ele o que quiser.

Quem aspira a enfrentar Dilma em 2014 admite que ela se reeleja com folga se for bem-sucedida na guerra contra os juros e não cometer grandes bobagens até lá. O risco de cometer é permanente. Um exemplo? A CPI do Cachoeira. O governo passaria sem ela muito bem, obrigado. Mas cedeu aos caprichos de Lula, que a patrocinou.

Lula queria que a CPI pegasse a "Veja", o governador Marconi Perillo (PSDB-GO) e o procurador-geral da República. E que atrasasse o julgamento do mensalão. Nada do que Lula queria parece destinado a ser alcançado. Com um agravante: o julgamento do mensalão foi apressado. E não se costuma apressar julgamentos para absolver os réus.

De tão insignificante e desprovida de talento, a oposição dispensava uma CPI para lhe disparar um tiro ou dois. O procurador-geral ganhou a solidariedade dos ministros do Supremo Tribunal Federal. Cuide-se, Dilma, para um eventual desfecho desastroso da CPI — afinal, sua base de apoio no Congresso já foi maior e mais fiel.

FONTE: O GLOBO

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