Daniel Bramatti, José Roberto de Toledo, Lucas de Abreu Maia Rodrigo Burgaretti
A cada quatro anos, uma onda de filiações a partidos sacode o cenário político brasileiro. O surpreendente é que isso não ocorre durante as eleições nacionais ou estaduais. Das 13,8 milhões de pessoas que desde 1995 assinaram ficha de adesão a alguma legenda, 70% o fizeram no ano anterior a uma eleição municipal. Mais: é possível relacionar essas ondas periódicas ao resultado das urnas. Partidos com mais filiados têm maiores chances de conquistar prefeituras, principalmente nas cidades menores.
Para decifrar a periodicidade das ondas de filiações, o Estadão Dados analisou 18 milhões de registros que os partidos entregaram em outubro ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE), com nome, data e local da adesão. Os dados revelam que são os pequenos municípios - aqueles com menos de 20 mil votos válidos nas eleições para prefeito - que determinam a lógica das filiações partidárias no Brasil.
O levantamento indica também como se dá a formação de um ciclo eleitoral que, em sucessivas votações, vai da esfera municipal ao plano federal. Partidos mais bem-sucedidos na cooptação de filiados conquistam mais prefeituras. Os prefeitos agem como cabos eleitorais de parlamentares e ajudam suas siglas a conquistar mais vagas nas Assembleias Legislativas e na Câmara. E partidos com mais deputados federais acabam com mais tempo de propaganda na TV para promover seus candidatos a governador e a presidente.
De todos os filiados a alguma sigla, 41% estão nas menores cidades, que, por outro lado, são responsáveis por apenas 31% dos votos nos pleitos municipais no País. Ou seja: há mais filiações por eleitor nas menores cidades que nas maiores. Nesses municípios menores, um crescimento de ponto porcentual no número de filiados a um partido em relação às legendas rivais aumenta em quase 50% as chances de aquele partido lançar candidato a prefeito.
O cientista político Ricardo Ceneviva, do Centro de Estudos da Metrópole da USP, acredita que as filiações são resultado de disputas internas: "Elas têm muito mais a ver com a briga pelo controle damáquina partidária que com mobilização popular. Quanto mais gente o sujeito consegue trazer para o diretório municipal, maiores são as chances de que ele consiga lançar seu candidato a prefeito".
Máquina. A maior organização da máquina partidária, diz Ceneviva, ajuda a determinar qual legenda da coligação encabeçará a chapa para a prefeitura.
O levantamento mostra que, nas cidades pequenas, para cada ponto porcentual a mais no número de filiados em relação ao total de eleitores do local, um partido aumenta em 24 pontos porcentuais sua votação. Mas é muito difícil aumentar a taxa de filiação nessa proporção - na maior parte dos casos, isso significaria mais do que dobrar o número de militantes registrados.
As vitórias nas prefeituras, por sua vez, criam novas bases para as eleições de deputados. Ceneviva diz que, embora a ciência política ainda não tenha provado a relação entre eleição de prefeitos e deputados, estudos indicam que o apoio dos prefeitos tem relevância estatística na distribuição de votos para os candidatos às Assembleias e à Câmara - ainda que o efeito seja relativamente pequeno.
O professor do Insper Humberto Dantas afirma que o número de cargos em disputa nos pleitos municipais - cerca de 60 mil para vereadores e 11 mil para prefeitos e vice-prefeitos - faz com que as cidades governem o ciclo político nacional "Muito da nossa atenção é voltada às campanhas para presidente e governador, mas a maior parte dós cargos é disputada nos municípios. Não é de estranhar que tantos partidos concentrem seus esforços nas eleições municipais."
Levantamento analisou 18 milhões de registros do TSE
O Estadão Dados baseou-se no registro de filiados a partidos do TSE. Após compilar 860 arquivos e mais de 18 milhões de registros, a primeira pergunta era: quando são feitas as filiações no Brasil? O passo seguinte era entender o porquê. A hipótese óbvia era de que as filiações influenciam os resultados dos pleitos para prefeitos. Para testar tal hipótese, foi usada uma ferramenta estatística chamada regressão, que ajudou a entender se as filiações influenciam o lançamento de candidaturas a prefeito e o porcentual de votos recebido. Foram considerados os 5 partidos com o maior número de prefeituras (PT, PMDB, PSDB, PSB e PP) e as eleições de 2012 e 2008. Para testar se as filiações afetam as chances de um partido ter candidatura própria, os municípios em que o partido lançou candidato nas eleições municipais anteriores não foram incluídos na análise, para evitar a distorção que candidatos à reeleição poderiam causar.
11% dos eleitores do País são filiados a legendas
Os 18 milhões de registros de filiações partidárias no TSE equivalem a cerca de 11% do eleitorado brasileiro. O porcentual é alto em comparação às democracias europeias, segundo o cientista político Bruno Speck, da Unicamp. "Na Europa, o porcentual de filiados varia de 5% a 15% do eleitorado, mas pouquíssimos países chegam a 15%", afirma ele, dizendo-se surpreso com a taxa do Brasil.
Há, porém, variações regionais nesse fenômeno. Entre os Estados com mais de um milhão de eleitores, são os do Sul que aparecem no topo do ranking das filiações. Em Santa Catarina, 16% dos eleitores são filiados a algum partido. Rio Grande do Sul vem logo atrás, com 15,8% de filiação. Na outra ponta da tabela, aparecem Ceará (8,1%) e Amazonas (8,2%).
Speck fez análise semelhante à do Estadão Dados - e os resultados foram parecidos: as novas adesões a partidos políticos ocorrem em peso nos anos pré-eleições municipais. Segundo o estudo, 70% das filiações são explicadas pelo lançamento de candidaturas a vereador. Quem pretende se lançar candidato busca uma legenda que possa abrigá-lo nos anos que antecedem eleições municipais - sobretudo em agosto e setembro, que antecedem o prazo de um ano determinado pela lei eleitoral.
O número de novas filiações também impacta a votação que cada sigla recebe para vereador, segundo ele. Mas, diferentemente do resultado obtido pelo Estadão Dados nas eleições para prefeito, esse efeito é maior nos municípios médios e grandes (mais de 200 mil habitantes).
Para Speck, a dinâmica das filiações no País é diferente da de democracias europeias. "Na Europa, as filiações são uma forma de mobilizar a população para as eleições. No Brasil, atendem à lógica intrapartidária: são uma maneira de conquistar apoio dentro do partido para o lançamento de candidaturas."
Fonte: O Estado de S. Paulo
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