sábado, 11 de julho de 2015

Demétrio Magnoli - Coordenadas do impeachment

- Folha de S. Paulo

• Saída pode ser a menos desastrosa para Lula. Ele espernearia em público, mas festejaria à luz de velas

A determinação da posição geográfica solicita duas coordenadas. A decisão do impeachment, três: a vontade popular, o fato jurídico e um consenso da elite política. A primeira existe desde as manifestações de 15 de março. A segunda esboçou-se mais tarde, com a impugnação das "pedaladas fiscais" e, sob outra forma, com a delação premiada de Ricardo Pessoa. A terceira desenha-se aos poucos, como fruto do colapso do ajuste fiscal.

Dilma Rousseff pendurou o destino de seu governo no varal do sucesso de Joaquim Levy. O varal caiu. De uma promessa de superávit de 1,2% do PIB, não se fará mais que metade. A marcha batida do desemprego e da erosão dos salários pulverizou a legitimidade social da presidente. O empresariado queima as pontes com o Planalto. O PMDB ensaia saltar da nau que faz água. O fracasso de Levy é um dobre de finados. Todas as forças políticas reposicionam-se a partir desse diagnóstico, a começar do próprio governo.

Nos EUA, pela primeira vez, Dilma bombardeou a Lava Jato, sugerindo que os juízes, os procuradores e os delegados violam as leis da democracia, torturando os acusados para obter delações. É um giro retórico tão marcante quanto a reviravolta na política econômica. A presidente, que se gabava de patrocinar o combate à corrupção, incorporou as fórmulas discursivas dos porta-vozes informais de Lula na imprensa legítima e na "imprensa" chapa-branca financiada com dinheiro público.

A tática, filha do desespero, obedece a uma lógica. Diante do surgimento de fatos jurídicos que propiciam o impeachment, Dilma dá um passo à frente e apresenta-se como aliada de todos os que temem as investigações, especialmente Lula, Renan Calheiros e Eduardo Cunha. Contudo, como o Brasil não é a Venezuela, ninguém acredita que uma presidente desmoralizada tenha meios para cortar as pernas da Procuradoria e do Judiciário. Nessas circunstâncias, o expediente volta-se contra Dilma, expondo-a como parceira das máfias políticas que colonizaram a República.

Paralelamente, Tarso Genro articula com os "movimentos sociais" e setores do PSOL a formação de uma Frente de Esquerda. A iniciativa é uma resposta à crise do lulopetismo e à anunciada ruptura da aliança entre PT e PMDB. No cenário pós-Dilma, pretende funcionar como núcleo de reagrupamento político e oferecer uma plataforma eleitoral ao ex-presidente. Desde já, porém, ao reativar a campanha do "Fora, Levy!", a Frente de Esquerda tende a descosturar a teia frágil que ainda interliga o Planalto ao PT.

Lula, que ainda é um fator, perdeu o prumo e o rumo. Como biruta de aeroporto, depois de apostar no ajuste fiscal, ameaçou chamar o fantasmagórico "exército de Stedile", mas extinguiu a chama da revolta no Congresso do PT e, na sequência, estimulou o movimento da Frente de Esquerda, mas ensaiou uma reaproximação com o PMDB. Agora, conclama Dilma a entrar em guerra aberta com a Lava Jato e "encostar a cabeça no ombro do povo", senha óbvia para, sacrificando Levy, empreender um novo giro de política econômica. Se a presidente der ouvidos ao antigo mestre, engajando-se na aventura, precipitará o desenlace que tenta evitar.

O impeachment não está sendo feito pelos partidos de oposição, mas pela progressiva desconstrução da coalizão governista. O PSDB opera no compasso da prudência, oscilando entre os horizontes de um governo transitório de Michel Temer e do chamado a eleições presidenciais antecipadas. 

Paradoxalmente, a interrupção do mandato de Dilma pode revelar-se a saída menos desastrosa para Lula. Nessa hipótese, o ex-presidente e seus áulicos esperneariam em público, difundindo a lenda do "golpe das elites", mas festejariam à luz de velas. Sem as lições dos três anos de apodrecimento derradeiro, a história ficaria suficientemente inconclusa para oferecer uma chance de restauração ao lulopetismo.

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