- O Globo
• O paraíso não está no ‘não’, nem no ‘sim’ das negociações financeiras, mas na redefinição do paraíso
Domingo passado, na Grécia, a Humanidade iniciou um longo processo plebiscitário para escolher qual “conceito de progresso” e “estilo de vida” desejamos para o futuro. Com a vitória do “não”, o povo grego optou por continuar as negociações financeiras sem submeter-se à austeridade fiscal imposta pelo sistema bancário internacional, para reduzir a renda e pagar a dívida contraída ao longo de décadas. O governo grego usou o plebiscito para adquirir apoio popular e força para pressionar os bancos em uma negociação mais favorável, aceitando pagar parte da dívida, não sua integralidade.
Se tal caminho for aceito, haverá uma “austeridade negociada”, em vez de submissa. Se não for aceito, e a Grécia não se submeter à pressão dos bancos, o país terá de sair do bloco dos países que adotam o euro e realizar uma “austeridade soberana” por meio de inflação em sua moeda nacional, provavelmente o Dracma. No primeiro caso, diminuirá a quantidade de dinheiro estável que o grego levará para fazer as compras no mercado; no segundo, reduzirá a quantidade de bens que o comprador levará para casa, adquiridos com o dinheiro desvalorizado.
Os eleitores usaram o plebiscito como forma de pressionar os bancos, mas continuam com a ilusão de voltarem ao passado do esbanjamento, recebendo mais recursos da Europa. Mas a realidade vai forçar a continuação do longo plebiscito global sobre o "conceito de progresso”. E qualquer alternativa a ser tomada passará pelo fim do esbanjamento de consumo, que caracterizou a Europa dos últimos anos, e do qual a Grécia é um caso mais notório, por seus problemas financeiros atuais. Esgotou-se a chance de financiar o progresso consumista, por obra da dívida financeira dos empréstimos, da dívida social e ética de concentração da renda e da dívida ecológica.
Na Grécia, há 2.500 anos, teve início a base científica e filosófica que permitiu a marcha da Humanidade em direção ao atual conceito de progresso, com base no endividamento sem limites para promover um crescimento econômico capaz de atender à voracidade da demanda por bens de consumo supérfluos. Agora, mesmo sem a consciência do fato, inicia-se ali o debate político global sobre um novo tipo de progresso, sem as ilusões de um consumo supérfluo ilimitado para todos por meio do endividamento descontrolado das pessoas e dos governos.
Não há como voltar ao passado de esbanjamento; o paraíso não está no “não”, nem no “sim” das negociações financeiras, mas na redefinição do paraíso. O verdadeiro plebiscito não é sobre como caminhar em direção ao progresso, mas como definir progresso, não é entre pagar mais ou pagar menos, mas como progredir no presente sem dívida com o futuro.
Mesmo limitado aos aspectos financeiros, com o plebiscito as ideias de reorientação do progresso (invenção grega) saíram dos debates teóricos das academias (invenção grega) e chegaram à praça-política (outra invenção grega), na busca de uma nova utopia (mais uma invenção grega).
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Cristovam Buarque é senador (PDT-DF)
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