Por Murillo Camarotto e Maíra Magro – Valor Econômico
BRASÍLIA - Uma intensa disputa de bastidores marcou a véspera do julgamento das contas da presidente Dilma Rousseff pelo Tribunal de Contas da União (TCU). Marcada para a tarde de hoje, a sessão de análise do balanço financeiro do governo está ameaçada por um mandado de segurança que a Advocacia-Geral da União (AGU) impetrou ontem à noite no Supremo Tribunal Federal (STF). Para se prevenir da suspensão do julgamento e esvaziar os argumentos do governo, os ministros do TCU alteraram ontem alguns procedimentos até então previstos para o caso.
A mudança mais importante recai sobre o papel do ministro Augusto Nardes, relator das contas. Na última segunda-feira, ele teve sua posição questionada pelo ministro da AGU, Luís Inácio Adams, que solicitou o afastamento de Nardes da relatoria. A alegação é que ele teria descumprido a Lei da Magistratura ao antecipar seu voto em declarações à imprensa.
Antes das mudanças definidas ontem, o pedido de afastamento de Nardes seria tratado como "questão preliminar", ou seja, o plenário analisaria a matéria minutos antes de iniciar o julgamento das contas. No final da tarde de ontem, entretanto, os ministros avaliaram que esse formato poderia abrir uma brecha para questionamentos judiciais.
O Código de Processo Civil (CPC) determina que a regulação dos pedidos de suspeição cabe ao regimento de cada tribunal. Como o regimento do TCU não prevê esse tipo de situação, foram replicadas as regras vigentes no Superior Tribunal de Justiça. No regimento do STJ, exige-se a distribuição do pedido de suspeição a um relator específico, o que o TCU não tinha feito no caso de Nardes.
Decidiu-se, então, distribuir a solicitação para o ministro Raimundo Carreiro, que também é o corregedor do TCU. Coube a ele notificar Nardes, que irá apresentar seus argumentos até a manhã de hoje. A defesa será levada para votação no plenário sem a presença de Nardes. Se o afastamento for rejeitado - o que deve acontecer -, ele participará normalmente da análise das contas. "Decidimos fazer essas mudanças para evitar que, por algum rigor formalista, o STF adiasse o julgamento", disse aoValor um ministro do TCU.
No mandado de segurança, a AGU pede a suspensão do julgamento até que a suspeição de Nardes seja resolvida. A peça diz que a postura de Nardes "não se coaduna com a missão atribuída a um ministro da Corte de Contas, que deve guardar sigilo de seus votos até a efetiva prolação perante o colegiado". O pedido de mandado foi distribuído ao ministro do STF Luiz Fux, que até o fechamento desta edição não havia se manifestado sobre o acolhimento.
Antes do pedido ser protocolado pelo governo, no entanto, outro titular do STF já havia se manifestado. O ministro Marco Aurélio Mello disse que três pontos principais do mandado teriam que ser analisados. O primeiro, segundo ele, é o artigo da lei que trata especificamente da suspeição e do impedimento por antecipação de voto. "É uma cláusula que admite interpretação", explicou o magistrado.
O segundo ponto é saber se as regras de impedimento válidas para o Judiciário se aplicam ou não ao TCU. "O TCU tem 'tribunal' no vocábulo, mas não integra o Judiciário. Então, temos que analisar", alegou Mello. A terceira e última questão é se a regra de impedimento também se aplica aos pareceres do TCU, que não são, oficialmente, decisões judiciais. Marco Aurélio Mello disse que o STF estará diante de uma situação inédita ao analisar prováveis recursos questionando a atuação do TCU no julgamento das contas presidenciais. "Não tenho recordação de situação jurídica semelhante. Vamos ter que aguardar", afirmou.
O fatiamento da sessão em dois julgamentos separados deve estender um pouco a análise das contas, mas ainda assim os integrantes do TCU querem um desfecho rápido. Ontem de manhã, o ministro Raimundo Carreiro afirmou ao Valor que a meta estabelecida por ele e seus pares era julgar as contas de Dilma em menos de 30 minutos. De acordo com Carreiro, os ministros já tiveram tempo suficiente para analisar as contas e desejam um desfecho célere para um processo que se arrasta desde junho em meio a uma atmosfera extremamente politizada.
"Vou te falar um negócio: nós não queremos que passe de 30 minutos. Não tem mais o que fazer. Está tudo mastigado, estudado. Todo mundo está sabendo o que vai fazer. Está tudo anotado e rascunhado. Todos os ministros fizeram a mesma coisa. O relator distribuiu o relatório e a minuta de parecer dentro do prazo de cinco dias. Pra quê? Pra você se inteirar", explicou Carreiro. Com a mudança nos procedimentos, entretanto, outro ministro recalculou para uma hora o tempo necessário para resolver a questão. De qualquer forma, a "pressa" sinaliza a intenção do TCU de rejeitar com rapidez as contas.
A tendência de reprovação unânime só se acentuou depois do pedido de suspeição de Nardes. Vários ministros do TCU ficaram irritados com a atitude do governo. "Se estão acusando o relator de ter se manifestado pela imprensa, como é que convocam uma entrevista para tratar de um incidente processual? Por que o governo não se manifestou nos autos?", indagou outro ministro do TCU.
Questionado, Adams disse que a convocação da entrevista visou o atendimento do interesse público. "É importante esclarecer os motivos, porque o tema é público. Não é um tema menor. Envolve um conjunto de manifestações, de partidos e por isso carece de esclarecimentos", disse o AGU.
A imprensa também está envolvida em outra queda de braço entre TCU e governo. A AGU quer que os jornalistas responsáveis pelas reportagens nas quais foram veiculadas declarações de Nardes sejam ouvidos como testemunhas. A intenção é tentar provar que Nardes antecipou o voto.
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