(Nada é proibido à brutalidade absoluta)
Deixando a Seleção no “ponto”, “prato feito”, João Saldanha foi forçado a entregar o posto a Zagalo. Emilio Garrastazu Médici sucedera a Junto Militar. O time brasileiro já deixara Guadalajara e se preparava para a grande final na cidade do México. A febre da mídia era “meu Brasil eu te amo”, hinozinho carregado de uma “nacionalice” histérica, fóbica mais para o lado de apelos nazi-fascistas. Slogan de: “Brasil, ame-o ou deixe-o” se via em adesivos em vários automóveis, ao que com muito senso de oportunidade e humor, O Pasquim respondeu: “O último que sair, apague a luz do aeroporto!”. Inesquecível. A essa altura, o número de brasileiros exilados já era enorme. Ninguém suportava tanta asfixia!
Campeão, dono do caneco, o país era uma euforia só. De repente, o pau baixou e começou uma onda de prisões. À parte as glórias de Pelé e Cia., outros “jogadores” anônimos, sem o aplauso do público, ignorados pela mídia, passaram, nas masmorras dos quartéis, a comer o pão que o diabo amassou e não quis, pelo simples fato de se indignarem, levantarem suas vozes e suas consciências contra a instauração do fascismo no país.
Vários comunistas foram presos. Alguns muito próximos a Gilvan. O cerco começou a se fechar. Por precaução Gilvan foi embora de casa. Nos víamos esporadicamente, em encontros furtivos, no meio da rua. Eu mudara de emprego. Já fazia mais de um mês que Gilvan não vinha em casa. Esta noite desci do bonde cheia de paranóia, sabendo que alguém estava me seguindo. Enfim, como a paranóia fazia parte de nosso cotidiano, entrei no prédio sem olhar para trás.
Gilvan estava em casa. Viera por uma noite. Não suportando mais a saudade dos filhos, cansado de estar vagando de um lado para outro, de casa em casa, dormindo, ora aqui, ora ali, quis ficar um pouco junto conosco. Tranquei-me com ele no banheiro e o repreendi. Implorei que fosse embora.
Aquela imprudência por uma noite de afeto poderia custar-lhe caro. A ele e a todos nós. Estava inquieta e achava aquilo muito perigoso. As notícias que tínhamos eram de muita violência nas prisões. Pedi-lhe, pelo amor de Deus que providenciasse nossa saída do Brasil. Não poderíamos viver tão perigosamente por tanto tempo. Ele prometeu que no dia seguinte, cedinho, iria embora. Naquela noite dormimos os cinco em nossa mesma cama, enroscados uns nos outros, com um grande medo que a vida e a violência voltassem a nos separar.
Dia seguinte, cedinho, era tarde. Os homens do DOI-CODI, que espreitavam na sombra, se anteciparam à luz do dia.
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Graziela Melo, Crônicas, contos e poemas, p.19. Abaré Editorial / Fundação Astrojildo Pereira, 2008
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