terça-feira, 26 de julho de 2016

Olimpíada e aflição - Eliane Cantanhêde

- O Estado de S. Paulo

Num ambiente tenso e polarizado como o atual, nada mais compreensível que a reação à prisão de 12 suspeitos de serem potenciais terroristas tenha ido de um extremo ao outro: muitos concluíram precipitadamente que eles são mesmo terroristas e haverá atentados na Olimpíada, outros tantos, ao contrário, estão convencidos de que as prisões foram uma grande palhaçada. Como tudo na vida, é melhor o bom senso, o meio-termo.

Há mais de um ano os órgãos de inteligência vêm monitorando tentativas de cooptação de “lobos solitários”, via internet, e o sinal amarelo brilhou com intensidade quando o Estado Islâmico (EI) passou a traduzir suas mensagens para o português. O Brasil está fora do radar de terroristas, mas a Olimpíada não é brasileira, é um evento internacional sediado no Brasil.

Como o seguro morreu de velho, o governo não teve outra alternativa senão prender os suspeitos para ouvi-los, tirar dúvidas, confrontar versões. Se os Estados Unidos tivessem sido mais diligentes quando o sinal amarelo acendeu, pelo menos as 49 mortes de Orlando poderiam ter sido evitadas. Os rastros do assassino foram negligenciados.

Evidentemente, nenhum dos 12 alvos da Operação Hashtag tem qualquer culpa até que se prove o contrário e ninguém pode ser acusado ou virar suspeito por professar a religião muçulmana, ou qualquer outra crença. Mas, se houve troca de mensagens, conversas, encontros ou sinais de que podem representar algum perigo, eles precisam ser investigados.

Com algumas coisas não se brincam, ainda mais com essa sensação desconfortável de que o tsunami está chegando: Paris, Orlando, Nice, Istambul, Cabul... O Brasil está inserido num mundo em que atentados e lobos solitários deixaram de ser peças de filmes de ação e passaram a ser estratégia de grupos sanguinários como o EI.

Em conversas com o ministro Raul Jungmann (Defesa), os generais Eduardo Vilas Boas (Exército) e Sérgio Etchegoyen (Gabinete de Segurança Institucional), o brigadeiro Nivaldo Rossato (Aeronáutica) e o prefeito Eduardo Paes (Rio), todos eles repetem a mesma coisa: não há nenhuma evidência de risco, mas não se pode descartar a probabilidade. Ou seja: é preciso ficar alerta.

Agora, diante das prisões, o tom de Jungmann foi um, o do também ministro Alexandre de Moraes (Justiça) foi outro. Talvez tenha faltado coordenação, ou combinação. Talvez não, tenha sido simplesmente proposital. Sabe o morde e assopra? Ou a tática policial do “bonzinho versus o malvado”? Pois é...

Para Jungmann, que é político e vem de muitos anos no Congresso e sabe da importância de tranquilizar a população, as delegações e os turistas que estão de malas prontas para a Olimpíada, convém reduzir os 12 presos à condição de “porras-loucas”. Para Moraes, que é da área de segurança e menos sutil, é preciso mostrar firmeza, pecar por excesso, não por omissão.

A nosotros, que olhamos tudo com perplexidade e um certo temor, vale ficar um pouco com a versão de Jungmann, outro tanto com a de Moraes e torcendo para que as prisões tenham sido, sim, uma bravata brasileira, ou uma palhaçada mesmo. Melhor mais um vexame, entre muitos, do que uma real possibilidade de atentados.

O fato é que a Olimpíada nem começou e já coleciona prisões, suspeitos de serem terroristas potenciais, autoridades batendo cabeça, o grito de desaprovação da delegação da Austrália e até o prefeito Paes reconhecendo, naquele seu jeitão, que as instalações dos australianos são ruinzinhas mesmo.

Bilhões de telespectadores pelo mundo estarão vendo os jogos e espiando de rabo de olho para o Brasil, para suas virtudes e mazelas. É por isso que a Olimpíada vai começar com muito brasileiro torcendo para acabar logo, para essa aflição passar rápido, junto com o medo de atentados e de vexames.

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