sexta-feira, 10 de março de 2017

Governo pode desistir de idade mínima progressiva

Proposta original prevê aumentar, no futuro, exigência de 65 anos

Equipe econômica estuda abrir mão de gatilho automático que adiaria aposentadoria à medida que população envelhecesse. Regras de transição também podem ser alteradas na negociação com o Congresso

Para avançar com a reforma da Previdência no Congresso, o governo já estuda, nos bastidores, abrir mão da regra que cria um gatilho automático para elevar a idade mínima. Pela proposta original, a exigência de 65 anos para se aposentar seria progressivamente elevada à medida que a população brasileira envelhecesse. As regras de transição, que só contemplam os trabalhadores com mais de 50 anos (homens) e 45 anos (mulheres), também poderiam ser revistas, para incluir os mais jovens, informam GERALDA DOCA e BÁRBARA NASCIMENTO. Mas, neste caso, haveria um endurecimento nas exigências para os mais velhos, que também teriam de cumprir idade mínima. O governo cogita, ainda, recuar nas mudanças propostas para os benefícios assistenciais.

Idade mínima sem ‘gatilho

Governo estuda desistir de regra que eleva limite de 65 anos à medida que população envelhece

Geralda Doca, Bárbara Nascimento e Roberta Scrivano | O Globo

-BRASÍLIA E SÃO PAULO- O governo pode abrir mão do gatilho previsto na proposta de reforma da Previdência para elevar a idade mínima para aposentadoria de acordo com a expectativa de vida do brasileiro. Pelo texto enviado ao Congresso, esse mecanismo seria acionado sempre que a chamada expectativa de sobrevida no país — projeção de quanto tempo a pessoa vai viver após completar 65 anos, que atualmente é de 18 anos — aumentar em um ano. As projeções apontam que isso aconteceria na virada de 2030, quando esse gatilho aumentaria a idade mínima de 65 para 66 anos. A mudança faz parte de uma série de concessões em estudo para facilitar a aprovação da proposta no Legislativo.

Outro ponto em discussão diz respeito às mudanças previstas para os benefícios assistenciais (BPC-Loas). Pela proposta original, esses benefícios deixariam de ser vinculados ao salário mínimo e teriam aumento gradual da idade para receber o auxílio, dos atuais 65 para 70 anos. O Executivo tende a recuar e deixar essa questão para ser tratada posteriormente.

Apesar do discurso oficial contrário a alterações na regra de transição, como defendem os parlamentares, o governo também já trabalha em uma proposta alternativa, mas dura, para esse mecanismo. O projeto do governo prevê que homens com menos de 50 anos e mulheres com menos de 45 anos terão de cumprir a idade mínima de 65 anos para se aposentar. Ou seja, serão submetidos integralmente à nova regra. A ideia é suavizar essa transição. Os detalhes estão sendo mantidos em segredo, para não prejudicar a negociação.

— A fase de transição não pode durar 30 anos, 40 anos, porque o país não pode esperar — disse uma fonte envolvida nas discussões.

Pelo texto encaminhado ao Congresso, a fase de transição será concluída em 20 anos, quando todos estarão enquadrados nas mesmas regras. O objetivo é elevar a idade média de aposentadoria, atualmente em 58 anos, para 65 anos nesse período.

A equipe econômica também resiste a abrir exceção na reforma da Previdência a grupos diferenciados, como policiais civis, professores e mulheres. Se o governo ceder para uma categoria, vai abrir precedentes e, aí, não conseguiria mais segurar, segundo um assessor do presidente Michel Temer.

De acordo com essa fonte, no caso da transição, a ideia dos negociadores do texto no Congresso é apresentar ao governo uma proposta que transforme o “degrau” em uma “rampa”. A analogia é para explicar a diferença de tratamento, por exemplo, entre um homem de 50 anos e outro de 49: enquanto o primeiro está enquadrado nas regras de transição, o segundo ficaria submetido integralmente às regras mais rígidas, embora tenham apenas um ano de diferença na idade.

Ainda assim, a ordem é fazer contas e propor contrapartidas. Uma delas seria fixar uma idade mínima progressiva para os mais velhos (mais de 50 anos, no caso dos homens, e de 45 anos, no das mulheres). A proposta atual não prevê idade mínima para esses trabalhadores, mas determina que, para se aposentar pelas regras atuais, eles paguem um pedágio de 50% sobre o tempo que faltar para requerer o benefício.

Técnicos do governo já avisaram que propostas para incluir na fase de transição todos os trabalhadores que já estão no mercado dificilmente serão aceitas. Isso porque essas mudanças levariam à desidratação do texto enviado ao Congresso e, consequentemente, reduziriam os efeitos da reforma nas contas públicas.

Embora tenha uma base forte no Congresso, o governo já percebeu que precisa vencer a batalha da comunicação: falta informação por parte dos parlamentares, que alegam que o texto enviado pelo Executivo dificulta a compreensão das regras.

— Eles não entendem, por exemplo, que a fase de transição prevista na proposta vai durar 20 anos, período em que as regras serão igualadas para todos. Que não será da noite para o dia — disse um assessor.

Neste momento, o esforço da equipe econômica junto às bancadas é de simplesmente esclarecer, sem acenar com qualquer possibilidade de mudança. Nos dois últimos dias, o ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, fez corpo a corpo junto às bancadas dos partidos aliados, para defender a reforma e responder a perguntas.

Ontem, em São Paulo, Meirelles refutou outra proposta de flexibilização da reforma: a redução da idade mínima para mulheres. A alteração, que é defendida por muitos parlamentares, acarretaria na necessidade de ampliar para 71 anos a idade mínima dos homens, disse o ministro.

— Para as contas fecharem, seria então necessário elevar a idade mínima doa homens — insistiu o ministro.

Com relação à aposentadoria rural, Meirelles lembrou que o déficit na Previdência rural saiu de R$ 14,7 bilhões em 2002 para R$ 103,4 bilhões no ano passado, um resultado “claramente negativo”, ressaltou:

— Existe uma evolução crescente do deficit da previdência rural. Isso é importante, porque a maior dificuldade de argumentação é a Previdência rural.

RELATOR: ‘NÃO PASSA DA FORMA QUE ESTÁ
Apesar dos esforços da equipe econômica, o relator da reforma, deputado Arthur Maia (PPS-BA), avisou: já sabe que a proposta não será aprovada da forma como está e que as regras de transição terão de ser alteradas. Segundo ele, essa parte do projeto está “muito mal formulada”. A afirmação foi dada a servidores do Tribunal de Contas da União (TCU) durante um seminário sobre Previdência, um dia após o ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, afirmar que qualquer ampliação da regra de transição é inviável.

— Eu sei que a reforma não vai passar da forma como está. Alterações, ela vai ter. Particularmente em relação à regra de transição, mas também em relação aos trabalhadores rurais e aos regimes especiais — disse Maia.

Ele criticou a inflexibilidade da Fazenda e disse que já passou a Meirelles o recado de que o projeto não sairá do Congresso da forma como chegou. Perguntado sobre como o ministro teria recebido a informação, Maia disse que Meirelles é “uma esfinge”.

— Eu disse ao ministro Meirelles, diante dessa inflexibilidade da Fazenda, que o ótimo é inimigo do bom. Disse que “o que o senhor acha ótimo e o que os trabalhadores acham ótimo, não vai ser aprovado”. Vamos tentar construir um projeto bom — completou.

O prazo para entrega de emendas ao texto enviado do governo se encerra na próxima semana. Até ontem à tarde, foram apresentadas 27 propostas de mudança na comissão especial que trata da reforma. Elas pretendem alterar as regras de transição, a idade mínima, os benefícios assistenciais e a pensão, além de pleitos das corporações, como policiais civis e professores pela manutenção das aposentadorias especiais.

Maia deve fechar o relatório depois de 29 de março, quando acabam as audiências programadas pela comissão especial. A expectativa do governo é aprovar o texto até meados de abril, antes da Semana Santa.

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