- O Estado de S. Paulo
Acareação no TSE e pacote da PGR miram tanto a origem quanto o destino do dinheiro
A decisão do Supremo de abrir inquérito contra o senador Valdir Raupp (PMDB-RO) é uma das mais importantes de toda a avalanche da Lava Jato, porque cria um precedente e atinge em cheio a maior trincheira dos políticos para se defender: recibos e valores declarados oficialmente à Justiça Eleitoral não valem mais nada, ou valem muito pouco, pois não atestam nem a licitude do dinheiro nem a idoneidade do candidato.
Se os políticos já estavam desesperados por causa do caixa 2, entram em pânico com o próprio caixa 1. Acabou o mantra a que recorrem dez entre dez candidatos quando seus santos nomes são citados em vão, ou nem tanto, pelas dezenas de delatores que jorram denúncias e lama contra eles: “Todas as doações de campanha estão declaradas oficialmente à Justiça Eleitoral”.
Isso agora entra por um ouvido e sai pelo outro de juízes, procuradores, policiais federais – e da mídia. Pela decisão da Segunda Turma do STF, o que interessa não é só o destino do dinheiro, mas principalmente a origem. É aí que mora o perigo para os envolvidos: os vícios, abusos, desvios e maracutaias. Arranjar um papelzinho, rabiscar uma nota fiscal e lavar a trajetória do dinheiro passou a ser de pouca valia.
As investigações podem começar pelas declarações oficiais de campanha, percorrer o caminho inverso e desembocar num esquema em que o dinheiro saía de propinas e de contratos fraudados de órgãos públicos e empresas estatais. O que parecia ser oficial e legal passa a ser ilícito e ilegal. Tudo muda de figura, o papelzinho vira lixo.
E assim chegamos a esta sexta-feira febril, com a forte expectativa de entrega das milhares de páginas das delações da Odebrecht pela PGR ao Supremo e com as acareações de mandachuvas da empreiteira no TSE, que podem fazer toda a diferença para o processo que o PSDB abriu contra a chapa Dilma Rousseff-Michel Temer. Se arrependimento matasse...
O que está em jogo em tudo isso não é um político a mais ou a menos do PMDB ou de Rondônia, vários políticos de PMDB, PSDB, PT, PP, PDT, PSB... de todos os Estados ou um governo. O alvo é o próprio sistema político, a cultura política e eleitoral que se instalou no Brasil.
Quanto mais esperneiam, mais os políticos vão sendo tragados para o fundo do poço e a melhor confirmação disso é a reação unânime e irada a uma nota do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso tentando ponderar o óbvio: não tratar desiguais de forma igual.
“Há diferença entre quem recebeu recursos de caixa dois para financiamento de atividades político-eleitorais, erro que precisa ser reconhecido, reparado ou punido, daquele que obteve recursos para enriquecimento pessoal”, defendeu, numa posição corajosa, desde sempre fadada a levar pedradas. Há diferença, sim, entre caixa 2 de campanha e compra de diamantes, lancha e joias, entre caixa 2 e compra de votos no Congresso, entre políticos que tiveram doações eleitorais de Odebrecht e outras empresas privadas (praticamente todos) e os muitos que estão na política para roubar.
Atenção: não há santos nessa história e é preciso investigar, punir e mudar os métodos (e a cultura), mas os diabos não são iguais. Assim, a nota de FHC era um chamamento à racionalidade e a reação foi acachapante. Mas o pior não é isso: como ele citou caixa 2 e o vilão evoluiu para o próprio caixa 1, sua tentativa caducou em menos de uma semana. Sem nada, e nenhum argumento, para pôr no lugar.
Eternidade. O STF marcou para 18 de abril deste ano (2017!) o julgamento do deputado Paulo Maluf, acusado de desvio de dinheiro de São Paulo para contas no exterior quando foi prefeito. Quando? De 1992 a 1996, há 21 anos! E ainda dizem que nada está mudando neste país.
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