Governo cochila e sofre derrota em comissão do Senado
No primeiro grande tropeço do governo no Congresso após a delação de Joesley Batista, a Comissão de Assuntos Sociais do Senado rejeitou a proposta de reforma trabalhista por 10 votos a 9. Na Rússia, o presidente Temer minimizou, afirmando que o texto será aprovado em plenário, que é o que importa. O dólar subiu 1,27% e a Bolsa caiu 2%.
Revés para o governo
Comissão no Senado rejeita mudança na lei trabalhista, na 1ª derrota após delação da JBS
Bárbara Nascimento, Geralda Doca, Maria Lima e Eduardo Barretto, O Globo
-BRASÍLIA- O governo sofreu ontem uma derrota no Senado Federal e não conseguiu aprovar um dos projetos mais importantes da atual agenda econômica. Por um voto de diferença, a reforma trabalhista foi rejeitada na Comissão de Assuntos Sociais (CAS): dez senadores foram contrários ao parecer do relator, Ricardo Ferraço (PSDB-ES), e nove votaram a favor. Foi o primeiro tropeço desde o recrudescimento da crise política, causada pela delação do empresário Joesley Batista, da JBS, que colocou o presidente Michel Temer sob suspeita de corrução e obstrução da Justiça.
Os representantes do governo saíram em defesa do Palácio do Planalto e colocaram panos quentes na situação. O líder no Senado, Romero Jucá (PMDB-RR), garantiu que o resultado não muda o cronograma do governo e que a base conseguirá se mobilizar para aprovar o texto no plenário, que é o responsável por bater o martelo em relação ao tema.
Ele explicou que o projeto segue o trâmite normal. Hoje, o relatório será lido na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), onde o próprio líder do governo é relator. A intenção é votar o texto na CCJ próxima quarta-feira, 28 de junho. Assim, a matéria ficaria livre para ir a plenário.
— Nós vamos ter na CCJ também um relatório, e os três irão para o plenário. E será votado aquele que o plenário entender que tem prioridade. Não muda nada, não muda a posição do governo, não muda o plano de aprovar, nós vamos aprovar a reforma trabalhista porque é importante para o Brasil. Agora, o embate político vai ocorrer em cada fase — disse Jucá.
O relatório da CAS será o do senador Paulo Paim (PT-RS). Na última semana, ele apresentou um voto em separado contrário ao texto que veio da Câmara dos Deputados. Esse parecer foi aprovado simbolicamente ontem, após a derrota do governo na comissão. A oposição comemorou a vitória. Para o líder do PT, Lindbergh Farias (RJ), a entrevista dada por Joesley Batista à revista “Época”, na semana passada, piorou a situação do Planalto.
— O que essa votação demonstra é que o governo Temer acabou. Esse governo se sustentava só na promessa de aprovação das reformas para o mercado. E ele mostrou agora a sua fragilidade. O que houve é que senadores da base governista perceberam que é muito desgastante. Aqui não foi só um voto contra a reforma trabalhista. Foi quase uma moção de censura contra o governo Temer.
‘DERROTA NA CAS SERVIU COMO ALERTA’
O Planalto ficou frustrado com o resultado e atribuiu a derrota a “posições individuais” de parlamentares da base. O governo contava com o voto favorável do senador Sérgio Petecão (PSD-AC), que não compareceu e foi substituído pelo suplente, Otto Alencar (PSD-BA), que é contrário à reforma. O senador Eduardo Amorim (PSDB-SE) também votou contra.
Outro a votar contra foi o senador Hélio José (PMDB-DF), o que não chegou a surpreender a base. O parlamentar é próximo ao líder do PMDB, Renan Calheiros (AL), que tem se mostrado contrário às reformas.
— Não deixa de ser uma derrota, a gente não teve os votos aqui porque alguns faltaram. Foi inesperado. O Petecão faltou, e o Otto votou contra. Não muda nada na expectativa do calendário. Isso quer dizer que o jogo está 1x1 — disse Jucá.
O presidente interino do PSDB, senador Tasso Jereissati (CE), culpou a desarticulação política do governo e o presidente Temer pela derrota na votação da reforma trabalhista. Segundo ele, Eduardo Amorim já havia avisado que votaria contra, por pressão de sua mulher, que trabalha na Ministério Público do Trabalho, e que caberia aos líderes sua substituição na Comissão. Mas tanto o líder Paulo Bauer (PSDB-SC) quanto o ministro Antônio Imbassahy, também do PSDB, viajaram para a Rússia com Temer. Tasso reclamou que houve uma falha de articulação:
— Por alguma razão, o Eduardo Amorim, que já tinha avisado que votaria contra, estava na votação. O Paulo Bauer e o Imbassahy estão viajando. Como num dia como hoje Temer leva todo mundo para Moscou? Levou todo mundo para Moscou e se esqueceu da votação. O erro foi do governo, que levou o articulador político e o líder no Senado.
Internamente, integrantes da própria base viram a derrota como um “cochilo do governo”. Um parlamentar envolvido na votação lembrou que o assunto está muito politizado e, desde o início, os placares têm sido acirrados, sobretudo com o papel determinante de Renan articulando contra a reforma. Para ele, faltou coordenação em um assunto tão delicado.
— A República foi para a Rússia na hora errada. Tinha que concentrar os esforços no que é importante. O governo cochilou.
O Planalto ainda vai trabalhar para mobilizar a base para aprovar a matéria tanto na CCJ quanto no plenário. Imbassahy ecoou o discurso de Jucá, de que o governo conseguirá aprovar a reforma:
— A derrota na CAS serviu como alerta. Mas o governo não tem a menor dúvida que vai conseguir a vitória na CCJ e no plenário. A estratégia é garantir a presença majoritária de quem vota a favor na CCJ e no plenário.
Nas palavras do próprio Imbassahy, o governo reconheceu que houve uma derrota. Porém, os ministros do Trabalho, Ronaldo Nogueira, e do Planejamento, Dyogo Oliveira, negaram haver um problema de articulação.
— A base não está desarticulada, foi uma votação individual ali da Comissão. A base tem sua autonomia, mas está firme — afirmou Nogueira.
O ministro do Planejamento minimizou a rejeição do parecer na CAS. Segundo ele, a comissão tem um perfil mais “paternalista” em relação às demais. Disse também que não espera dificuldades na CCJ, porque esta irá apenas atestar a constitucionalidade da medida. A reforma, destacou Oliveira, é constitucional:
— Não estamos valorizando muito essa questão (derrota na CAS). No plenário, as condições são mais favoráveis ao governo.
Já o ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, classificou o resultado da votação de corriqueiro. Ele também lembrou que o pedido de urgência na tramitação da proposta no plenário da Câmara havia sido rejeitado na primeira tentativa, sendo aprovado na segunda.
“A expectativa continua sendo de aprovação normal. Episódios como esse são absolutamente corriqueiros e esperados dentro do processo legislativo. O nosso plano de trabalho está baseado na hipótese de que ela será aprovada, e estamos bastante serenos em relação a isso”, disse Meirelles em uma rede social.
O ministro Eliseu Padilha gravou um vídeo no Twitter e chamou o resultado da votação na CAS de “algo corriqueiro”. Ele disse ter certeza de que o plenário dará aval à reforma por uma margem “bastante dilatada” de votos. Padilha, no vídeo, relacionou a aprovação do projeto de lei à geração de “milhões de empregos”:
— Essa lei que o Senado vai votar ainda na CCJ e no Plenário vai gerar milhões de empregos no Brasil. É isso que as pessoas precisam entender.
Para o governo, a aprovação da reforma trabalhista no Senado é fundamental para abrir espaço à tramitação da reforma da Previdência, que já passou pela comissão especial da Câmara dos Deputados e está parada na Casa há pelo menos um mês por causa da crise política.
Um assessor do Palácio do Planalto argumentou que o principal trunfo de Temer na reforma trabalhista é o acordo com os senadores da base aliada, feito há mais de um mês, para que o Senado aprove o texto do modo que veio da Câmara. Em troca, o presidente editaria uma medida provisória (MP) mudando pontos polêmicos, como jornada intermitente e trabalho insalubre. O Planalto estima que a reforma trabalhista vá ao plenário do Senado ainda este mês.
— É uma derrota, o governo não queria nem esperava isso. Mas tem o acordo de o Senado aprovar o texto da Câmara e o presidente fazer uma MP. Então, temos tranquilidade da aprovação no plenário ainda no primeiro semestre, já que temos mais três semanas até o recesso — diz esse assessor.
Se o Senado fizesse alterações no mérito do projeto, este teria de voltar à Câmara, o que, além do atraso na tramitação, poderia minar a disposição dos deputados para votar a reforma previdenciária.
Colaborou Karla Gamba, estagiária, sob a supervisão de Eliane Oliveira
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