O ministro do Supremo Tribunal Federal Gilmar Mendes foi bastante preciso ao dizer, numa palestra feita no Recife, que a luta contra a corrupção não pode ser “uma meta em si mesma” nem pode constituir o único norte para a organização institucional do País. “Nenhum país se organiza social e politicamente com o objetivo de combater a corrupção”, afirmou o magistrado. Sem deixar de enfatizar a importância da Lava Jato e de outras operações semelhantes para punir os que se dedicam a pilhar os cofres públicos, a fala do ministro Gilmar Mendes serve como um necessário alerta para os rumos equivocados que a luta contra a corrupção pode eventualmente tomar, especialmente se for mantido o clima de guerra declarada contra os políticos em geral, como se estes fossem, por definição, inimigos da pátria. Nesses termos, em nome de tal combate, muitas vezes se pode ceder à tentação do arbítrio – e o resultado não é a regeneração da democracia, como se deseja, mas sua destruição.
A esse propósito, o ministro Gilmar Mendes disse que há risco de o País “despencar para um modelo de Estado policial”, numa referência a certos métodos empregados por procuradores e investigadores. O magistrado citou os “arranjos” e as “ações controladas” – caso da armação de flagrante que o empresário Joesley Batista fez contra o presidente Michel Temer e o senador Aécio Neves, para basear sua delação premiada ao Ministério Público – como exemplos de “investigações feitas na calada da noite”, isto é, sem respeitar a lei. Para Gilmar Mendes, está claro que, quando isso acontece, “as investigações devem ser questionadas e devem ter limites”.
A advertência do ministro do Supremo deveria servir como um chamamento à prudência, artigo um tanto raro em meio à crispação generalizada que causa toda e qualquer crítica ao comportamento de certos procuradores e juízes, inclusive de tribunais superiores, que se deixam entusiasmar excessivamente pela missão de combater a corrupção.
Tome-se o exemplo do procurador-geral da República, Rodrigo Janot, que, no mesmo dia da palestra do ministro Gilmar Mendes, disse a seus pares num seminário do Conselho Nacional do Ministério Público que os críticos dos eventuais abusos da Lava Jato ou “militam na ignorância” ou “não têm compromisso verdadeiro com o País”.
Rodrigo Janot, portanto, recorreu ao lamentável expediente de dividir o Brasil entre “nós” (os bons que aplaudem tudo o que se fizer em nome da luta contra a corrupção) e “eles” (os que só podem ter más intenções quando fazem reparos a alguns métodos empregados pelos procuradores). Para deixar claro esse embate, o procurador-geral bradou: “Basta de hipocrisia! Não há mais espaço para a apatia. Ou caminhamos juntos contra essa vilania que abastarda a política ou estaremos condenados a uma eterna cidadania de segunda classe, servil e impotente contra aqueles que deveriam nos representar com lealdade”.
Por “caminhar juntos” entenda-se jamais discordar das atitudes de Rodrigo Janot, mesmo que, em nome do combate à corrupção, o procurador-geral da República tenha concedido perdão ao empresário Joesley Batista depois que este confessou mais de duas centenas de crimes, um recorde que deveria ser suficiente para fazê-lo enfrentar a Justiça.
A intenção declarada de Rodrigo Janot e de outros procuradores e juízes é purgar o mundo político daqueles que, segundo seu entendimento, não são puros o bastante para o exercício de mandato eletivo. Ora, essa é, ou deveria ser, uma prerrogativa exclusiva do eleitor. Mas, como lembrou o ministro Gilmar Mendes, alguns promotores “expandiram as investigações para situações talvez até de mera irregularidade” – isto é, tudo o que envolve algum político se tornou automaticamente sintoma de corrupção –, pois a intenção é “mostrar que não há salvação no sistema político”.
Ao agirem dessa maneira, os cruzados anticorrupção estão a fazer política, e da pior espécie – Gilmar Mendes chegou a dizer que o resultado disso pode ser “uma ditadura de promotores ou de juízes”. E ele arrematou: “Vão confiar a essa gente, que viola o princípio da legalidade, a ideia de gerir o País?”.
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