Recentemente encaminhado ao Supremo Tribunal Federal (STF), o relatório da Polícia Federal sobre as gravações que o ex-senador Sérgio Machado fez de conversas com vários políticos manifesta um bom senso cada vez mais raro na aplicação da lei penal. Com a acuidade que se espera dos agentes da lei, a delegada Graziela Machado da Costa e Silva, autora do relatório, faz notar a distância entre o que de fato consta nas gravações e aquilo que alguns gostariam que estivesse presente.
No ano passado, Sérgio Machado – que também foi presidente da Transpetro, subsidiária da Petrobrás – apresentou gravações que havia feito de conversas suas com o senador Romero Jucá (PMDB-RR), o então presidente do Senado Renan Calheiros (PMDB-AL) e o ex-presidente da República José Sarney (PMDB-AP). Na tentativa de obter um abrandamento de suas penas, Machado trouxe material que supostamente provaria a obstrução da Operação Lava Jato por alguns dos caciques do PMDB. Naturalmente, a divulgação das gravações, contendo comentários negativos à Operação Lava Jato, causou imediata repercussão política.
Agora, a Polícia Federal traz um pouco de bom senso à discussão do caso, ao cotejar o conteúdo gravado com o que a lei penal estabelece. “O conteúdo dos diálogos gravados e a atividade parlamentar dos envolvidos no período em comento não nos pareceu configurar as condutas típicas ‘impedir’ ou ‘embaraçar’ as investigações decorrentes da Operação Lava Jato”, diz o relatório.
A delegada Graziela Machado da Costa e Silva reconhece que “as conversas estabelecidas entre Sérgio Machado e seus interlocutores limitaram-se à esfera pré-executória, ou seja, não passaram de meras cogitações”. Esse ponto é de extrema importância, pois não raro alguns membros do Ministério Público dão como prova cabal o que não passa de presunção. Ouve-se uma coisa que não é crime e se supõe a ocorrência de outra coisa, já dentro da esfera penal. E esse indevido passo lógico é ainda revestido de pompas de diligência e sagacidade.
Não é conluio com a impunidade exigir provas no processo penal. É simplesmente a garantia de que, num Estado de Direito, não há espaço para se condenar com base em preconceitos ou juízos prévios sobre o caráter do réu, por pior fama que ele possa ter. O bom Direito sempre impõe o princípio da presunção da inocência.
O relatório da Polícia Federal é didático ao abordar o que pode ser considerado, pela lei penal, como obstrução da Justiça. “Quando Sérgio Machado propõe, por exemplo, um ‘acordo com o Ministério Público para parar tudo’, não implica admitir como factível tal proposição, e o mesmo se aplica à suposta interferência que advogados poderiam exercer em decisões do ministro Teori Zavascki. É preciso mais”, diz a delegada.
O relatório recorda o óbvio, que, com frequência, é esquecido. Eventual comentário negativo a respeito do Poder Judiciário ou de determinado órgão, seja quem for o autor da crítica, não obstrui a Justiça. Esse aspecto é de especial relevância para a liberdade de expressão e, no caso concreto dos senadores, para a livre atuação parlamentar. Faz parte da competência de cada um dos Poderes zelar, dentro de suas atribuições, pelo bom funcionamento dos outros Poderes e órgãos públicos. Poder sem controle não é da natureza de um Estado de Direito.
A Polícia Federal conclui que, a respeito do inquérito analisado, “a colaboração (de Sérgio Machado) mostrou-se ineficaz, não apenas quanto à demonstração da existência dos crimes ventilados, bem como quanto aos próprios meios de prova ofertados, resumidos estes a diálogos gravados nos quais é presente o caráter instigador do colaborador quanto às falas que ora se incriminam”, e que, portanto, não caberia destinar a Sérgio Machado os benefícios legais da colaboração premiada.
Fosse mais habitual essa interpretação serena da lei, estaria resolvida boa parte das atuais instabilidades políticas e, principalmente, alguns criminosos confessos teriam um destino mais adequado aos seus atos.
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