Lançamento sem candidato
Com Lula preso e sem unidade interna, PT reafirma ex-presidente na disputa ao Planalto
Sérgio Roxo | O Globo
-CONTAGEM (MG)- Isolado e sem adesão unânime de suas lideranças, o PT lançou ontem a pré-candidatura de Lula à Presidência da República, em Contagem, na região metropolitana de Belo Horizonte. Preso em Curitiba desde o dia 7 de abril, o presidenciável petista marcou presença no ato por meio de uma carta lida para a plateia e de imagens do passado. Apesar de tentar criar um fato político para convencer os eleitores de que a candidatura é para valer, dirigentes presentes reconheciam, reservadamente, que a chance de o nome de Lula estar na urna eletrônica em outubro é remota. Como foi condenado em segunda instância no caso do tríplex do Guarujá, o expresidente preenche os requisitos para ser enquadrado na lei da Ficha Limpa, o que levaria à impugnação da sua candidatura.
Num evento com cerca de dois mil militantes, o ato aconteceu em meio à desconfiança de líderes do partido a respeito de episódios recentes que, em certa medida, minam ainda mais o projeto nacional do PT. A debandada de aliados, a dificuldade de ajustes em palanques estaduais e a ausência de um dos governadores do partido que vem demonstrando simpatia à candidatura de Ciro Gomes (PDT) marcaram o lançamento da candidatura. Lula, em carta à militância, ignorou os problemas políticos enfrentados pelo partido e preferiu fazer sua defesa:
“Sou candidato porque acredito, sinceramente, que a Justiça Eleitoral manterá a coerência com seus precedentes de jurisprudência, desde 2002, não se curvando à chantagem da exceção só para ferir meu direito e o direito dos eleitores de votar em quem melhor os representa”, escreveu o ex-presidente. “Não fui tratado pelos procuradores da Lava Jato, por Moro e pelo TRF-4 como um cidadão igual aos demais. Fui tratado sempre como inimigo”, completou.
A principal ausência no evento foi a do governador do Ceará, Camilo Santana, que, mesmo filiado ao PT, faz parte do grupo político de Ciro Gomes. O governador cearense já chegou a dizer que não acreditava na possibilidade de Lula ser candidato, e que insistir no ex-presidente poderia levar o PT ao isolamento. Ele também defendeu o apoio do partido a Ciro. A assessoria de imprensa de Camilo informou que ele não foi ao ato por “choque de agendas". Na tarde de ontem, o governador do Ceará participou da inauguração da reforma de um terminal em Fortaleza e da inauguração de um campo de futebol de várzea no município de Russas.
Ainda assim, a direção do partido tentava minimizar a ausência. A presidente do PT, senadora Gleisi Hoffmann (PR), chegou a afirmar que o colega de partido já estava na capital mineira.
— Se não me engano, o governador até já chegou. Os cincos governadores nossos estarão no ato.
Três horas depois, no ato de lançamento da pré-candidatura de Lula, foram chamados ao palco os governadores Fernando Pimentel (Minas), Tião Viana (Acre), Rui Costa (Bahia) e Welligton Dias (Piauí). O governador cearense, de fato, não apareceu.
ENCONTROS ADIADOS
A realização do evento de ontem havia sido definida em uma reunião de Gleisi com os governadores do partido convocado após a divulgação das declarações de Camilo em favor de Ciro. O objetivo era o de conter qualquer movimento dentro do PT em favor do pré-candidato do PDT. Gleisi procurou contornar:
— A posição do Camilo em relação ao Ciro sempre foi conhecida. Ele tem boa relação lá, tanto que temos aliança com o PDT no Ceará. Desde início, Camilo deixou claro que apoiaria Lula. O que ele externou é que se o Lula não fosse candidato, iria trabalhar para o PT apoiar o Ciro. O partido como um todo está convencido da justeza da estratégia política — disse.
Além de uma possível deserção interna, o PT também corre o risco de entrar na eleição presidencial, pela primeira vez em sua história, com um candidato sem aliados. Os dirigentes ainda mantêm esperanças de conseguir apoios, principalmente, do PSB, mas as chances são remotas.
Num gesto para atrair os socialistas, o partido decidiu adiar para julho os encontros que vão definir as candidaturas estaduais. O objetivo é impedir a consolidação da vereadora Marília Arraes em Pernambuco. Com bom desempenho, a petista, neta de Miguel Arraes e prima de Eduardo Campos, é uma ameaça à reeleição de Paulo Câmara (PSB), tida como prioritária para os socialistas.
Gleisi afirmou ontem que o PSB é “prioritário” e indicou que Marília pode ser obrigado a retirar a sua candidatura.
— A primeira prioridade é a eleição para Presidência da República. Diante dessa, as demais eleições vão ser tratadas de forma a viabilizar a prioridade.
Muito bajulada no evento petista de ontem, Marília não descarta abrir mão de concorrer, mas avalia que dificilmente o PSB conseguirá se unir em torno da candidatura de Lula.
— Eu acho que é importante tirar o PT do isolamento no plano nacional. Mas a gente sabe das dificuldades políticas que o grupo que comanda o PSB tem para conduzir o partido formalmente para uma aliança nacional com o PT.
No PSB, mesmo lideranças historicamente ligadas ao PT não acreditam na viabilidade da candidatura de Lula por causa da lei da Ficha Limpa. Pessoas ligadas a Paulo Câmara, que nesta semana se reuniu com Gleisi, dizem que os caminhos do partido hoje são o apoio a Ciro ou uma liberação de diretórios em todo país para optarem pelo presidenciável mais conveniente regionalmente. Nesse último caso, o PSB de Pernambuco apoiaria o PT. Mas para Marília esse gesto seria muito pequeno para que ela desistisse de disputar o governo de Pernambuco.
O ato de ontem em Minas foi marcado por um simplicidade maior do que vista em lançamentos de candidaturas presidenciais de anos anteriores. Sem os recursos do passado de glória para contratar estrelas do marketing político, o partido produziu vídeos e jingles com a sua própria equipe que cria o material da agência PT na internet.
O ex-prefeito Fernando Haddad, coordenador do programa de governo e um dos cotados para assumir o lugar de Lula na disputa presidencial, foi o mais saudado ao ser anunciado. Os outros dois nomes com chances de assumir o posto, os ex-ministros Jaques Wagner e Celso Amorim, também compareceram.
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