- O Estado de S.Paulo
Há décadas a coerência de postulados políticos nas alianças é quimera
Há muita gente tratando como traição aquilo que é a essência do jogo político brasileiro. O noticiário dos últimos dias está repleto de exemplos de caciques políticos que apoiam um nome à Presidência e, ao mesmo tempo, dão palanque em suas regiões a agremiações de adversários do candidato nacional.
É uma ocorrência comum em todas as últimas eleições. É um comportamento que não deveria surpreender nem ser chamado de traição e, no extremo lógico do raciocínio, tampouco mereceria destaque no noticiário. Na verdade, se notícia é coisa inédita então notícia seria se não se registrasse comportamento desse tipo.
Começa pela maçaroca ideológica brasileira, que não comporta definições precisas do que seja a tendência política dos partidos, se é que se pode falar disso. Afinidades em torno de plataformas ou posturas político/ideológicas são muito raras, e pertencem, a rigor, a extremos do espectro. Os partido já eram fracos ainda antes do esfarelamento que sofreram com a Lava Jato e não têm (mesmo o PT) a tal da “fixação estrutural” da qual falam os cientistas políticos, isto é, não se mantêm o que são por um longo prazo de tempo.
No sistema político eleitoral brasileiro a federação cria realidades políticas estaduais diante das quais, sob a ótica dos caciques donos de partidos, faz todo sentido buscar alianças promissoras no plano nacional e combiná-las – ou, melhor dito, e levá-las adiante na campanha – com acertos de importante expressão regional. Note-se que há décadas a coerência de postulados políticos nas alianças é quimera atrás da qual correm apenas desavisados assistindo ao circo – incluindo o PT, que já foi um “partido orgânico”, por seu enraizamento em determinados segmentos sociais.
Neste momento da campanha, o verdadeiro teste pelo qual passa uma candidatura como a de Alckmin, cuja aposta central é a eficácia dos meios tradicionais de se lutar numa campanha eleitoral (TV, dinheiro e parte da máquina pública), é o teste da percepção que caciques desenvolvem das chances de vitória, e não tanto as tais “traições”. Essa percepção reflete, por sua vez, uma atitude bastante comum no grosso do eleitorado, segundo a qual não se joga voto fora, isto é, corre-se de última hora rumo a quem se percebe como eventual vencedor.
Colocados esses pontos sobre a essência do nosso sistema (oportunismo, fragmentação, regionalismos), ele está funcionando exatamente como seria de se esperar. A partir daí, a “esdrúxula” montagem de alianças que defendem gregos num plano e troianos em outro surge, na verdade, como algo coeso e coerente. O jeito com que o Brasil vota nas eleições proporcionais, com ênfase em indivíduos disputando distritos eleitorais muito amplos, incentiva ainda mais a fragmentação de partidos e seu consequente enfraquecimento.
Para eleitores razoavelmente mobilizados ou bem aglutinados em torno de candidaturas, como acontece com o poste que Lula indicar e, do outro lado, com Bolsonaro (cujo grau de consolidação está surpreendendo consultorias de risco internacionais), a questão das “traições” não chega a ser relevante. No ambiente que no momento prevalece de antipolítica, desânimo e desconfiança em relação aos partidos, no qual começa para valer a campanha eleitoral, significa dizer que o extraordinário número dos indecisos ou que se declaram desinteressados em votar vai empurrando para frente a linha do tempo atrás da qual se vislumbram possíveis vencedores.
O preço a pagar por partidos fracos, sistema com a “essência” descrita acima e falta de plataformas verdadeiramente “políticas” são a dúvida e a imprevisibilidade.
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