Imagino
que Bolsonaro tenha, por um instante, cultivado pensamento semelhante,
especialmente quando, com menos de três meses de governo, traiu uma de suas
posições de campanha e passou a se apresentar como candidato a reeleição em
2022. Mussolini realizou uma obra na Itália nos anos do fascismo. Uma obra
infame que deixou marcas. Bolsonaro nos impinge um cotidiano de infelicidade,
sem nos legar obra alguma. Sequer exerce sua responsabilidade primária: a de
governar.
O
Ano 2 – como dizem os jovens – “deu mal” para Bolsonaro. Ao final de 2020, seu
destino é cada vez mais incerto, com popularidade declinante (especialmente nos
grandes centros populacionais do país) e problemas políticos de grande
magnitude. Com a derrota de Donald Trump nas eleições presidenciais
norte-americanas, perdeu seu principal referente ideológico. O isolamento
internacional do País é sem precedentes, depois de desavenças com a China e a
União Europeia. Sob pressão, Bolsonaro estará forçado a uma readequação na
política externa. Não haverá futuro caso não se supere a redução do Brasil a
“País pária” na ordem mundial, admitido de bom grado pelo chanceler Ernesto
Araujo.
Nas eleições municipais, os candidatos que se vincularam à imagem do presidente foram derrotados nas capitais e grandes cidades, com raríssimas exceções. O que indica movimento claro de redirecionamento do voto dado em 2018. É o resultado da postura errática de Bolsonaro nestas eleições, ora se afastando, ora se envolvendo na disputa. Mas o problema é anterior e advém do fracasso na montagem de um partido de apoio integral ao presidente, o Aliança pelo Brasil. Sem partido, Bolsonaro agiu por impulso, de forma temerária. O resultado não poderia ter sido diferente.
O
ano termina confirmando a dispersão das lideranças bolsonaristas em cada canto
do país. Esse processo começou com as defenestrações promovidas pelo presidente
nos quadros do seu governo, atingindo o ápice com a demissão do ex-ministro
Sérgio Moro. O resultado foi uma miríade de candidatos bolsonaristas e
ex-bolsonaristas batendo cabeça, sem coesão nem unidade. As eleições municipais
mostraram a que ponto chegou a fragilidade do bolsonarismo enquanto movimento,
muitos duvidando inclusive da sua real existência.
Bolsonaro
teve um momento de recuperação ao longo do ano em função do “auxílio
emergencial” distribuído aos mais vulneráveis em razão da paralisia econômica
imposta pela pandemia. Mas isso durou pouco. A retomada do emprego ainda não
foi robusta o suficiente para gerar confiança e projetar nova alta em sua
popularidade. E, na contracorrente, as ameaças de retorno da inflação, bem como
as dificuldades da indústria, com o represamento dos investimentos, mantiveram
a luz vermelha acesa.
Assim,
no meio do mandato, temos um presidente enfraquecido e o Centrão – sua âncora
de salvação – com mais poder depois de fechadas as urnas. Para Bolsonaro, não
há mais espaço para a retomada da “guerra de movimento” do Ano 1 –, momento no
qual blogueiros, ladeados pelos filhos do presidente e parlamentares golpistas,
pediam intervenção militar, no auge das manifestações antidemocráticas que
chegaram a realizar um “bombardeio fake” sobre o STF. A perspectiva de
imposição imediata de um regime iliberal, com apoio militar, acabou ficando
para trás.
O
Ano 2 foi marcado, assim, por uma mudança tática: passou-se à “guerra de
posições”. Esta demanda entrincheiramento, movimentos cuidadosos e conquistas
parciais, daí a necessidade de protagonismo do Centrão. Entretanto, Bolsonaro
também aí se mostra inepto. Despreparado para o exercício do governo, Bolsonaro
sequer consegue ganhar uma posição no contexto dramático de combate à pandemia,
empreendendo “gestão” desastrosa que não evitou os mais de 183 mil mortos em
menos de 12 meses. Sem mencionarmos questões mais estruturais como as reformas
tributária e administrativa, que só avançam a despeito do governo.
Sem
liderança e sem rumo, a filiação de Bolsonaro a algum partido do Centrão
tornou-se disputa rasa, quase um leilão, com vistas a um transformismo que
garanta ao presidente um “novo” protagonismo em 2022. Num cenário ainda difuso,
já se pode divisar, contudo, outros transformismos em projeção, todos visando
alcançar o poder nas próximas eleições.
Se,
no Ano 1, o governo foi uma “usina de péssimas ideias”, no Ano 2 a imagem é de
“desolação”. 2022 já começou e aos brasileiros importa superar a pandemia que
nos assola, bem como a crise que desorganiza a Nação depois da sanha
destruidora que se instalou no poder. Só assim se poderá conceber em que termos
avançaremos para o futuro, depois da breve – assim esperamos – “era
Bolsonaro”.
*Alberto Aggio, historiador, professor titular da Unesp. Publicado em Política Democrática, FAP, n. 27, dezembro/2020, p.12-14.
Nenhum comentário:
Postar um comentário