sexta-feira, 18 de dezembro de 2020

Martin Wolf* - Cinco forças do futuro pós-covid-19

- Valor Econômico

Estamos em uma era de instabilidade. A pandemia não a criou, mas a deixou em mais evidência. A derrota de Trump dá ao mundo tempo para recuperar o fôlego. Mas os desafios são enormes. Em 2025, muitos ainda estarão presentes e, com certeza, serão ainda maiores

A covid-19 acelerou o mundo rumo ao futuro. Aqui estão cinco forças que estavam em ação antes da covid-19, se intensificaram durante a pandemia e ainda estarão afetando o mundo em 2025, e por bem mais além.

Primeira: tecnologia. A marcha da tecnologia da computação e das comunicações continua modelando nossas vidas e a economia. Hoje, as comunicações em banda larga, somadas ao Zoom e a softwares similares de videoconferência possibilitaram que um número imenso de pessoas trabalhe em casa.

Em 2025, é provável que uma parte, possivelmente a maioria, dessa transferência para fora dos escritórios seja revertida. A reversão, porém, não será completa. As pessoas terão capacidade (e permissão) para trabalhar fora do escritório. Inevitavelmente, isso incluirá não apenas trabalhadores nos próprios países, mas também no exterior, normalmente, com salários mais baixos. O resultado provavelmente será um aumento desestabilizador na chamada “imigração virtual”.

Segunda: desigualdade. Muitos trabalhadores de escritório de altos salários tiveram condições de trabalhar em casa, enquanto a maioria dos demais trabalhadores, não. Nos países ocidentais, muitos dos que foram mais afetados também fazem parte de minorias étnicas. Enquanto isso, muitos dos que já eram bem-sucedidos e poderosos prosperaram assombrosamente.

O mais provável é que as iniquidades exacerbadas pela pandemia não tenham diminuído em 2025. As forças que as enraizaram são muito fortes. O máximo que podemos esperar é uma modesta melhora. Isso, por sua vez, indica que as políticas populistas do passado recente continuarão a influenciar a esfera política em 2025.

Terceira: endividamento. O endividamento agregado cresceu em quase todos os países nos últimos 40 anos. Sempre que alguma crise interrompia a capacidade do setor privado de continuar captando, os governos se encarregaram de preencher a lacuna. Isso ocorreu depois da crise financeira mundial [de 2008] e, de novo, durante a covid-19.

A pandemia aumentou drasticamente a captação dos setores privado e público. Segundo o Instituto Internacional de Finanças [IIF, a associação mundial do setor bancário], a taxa de dívida bruta em relação à produção mundial saltou do já elevado patamar de 321%, no fim de 2019, para 362%, no fim de junho de 2020. Em tempos de paz, nunca houve um aumento tão gigantesco e súbito.

Felizmente, a dívida governamental agora está extremamente barata e as taxas de juros, nominais e reais, das dívidas soberanas de países de alta renda estão em níveis baixos. Mas seu excesso de dívida pode incapacitar partes do setor privado por anos.

Quarta: a desglobalização. O futuro plausível não é de extinção das trocas internacionais. Mas provavelmente elas se tornarão mais regionais e mais virtuais.

Depois da crise financeira mundial, o ritmo de crescimento do comércio exterior deixou de ser maior que o da produção mundial, como nas décadas prévias, e passou a ser praticamente igual. Essa desaceleração se deveu ao esgotamento de oportunidades, à ausência de uma liberalização do comércio global e à ascensão do protecionismo. A covid-19 reforçou essas tendências. Um resultado nítido tem sido o desejo de transferir cadeias de produção de volta par casa ou, pelo menos, para fora da China.

A crise também vem reforçando o regionalismo, mais notavelmente na Ásia. Um exemplo recente digno de nota é a Parceria Econômica Regional Abrangente (RCEP, na sigla em inglês), que reúne os dez países da Asean (Associação de Nações do Sudeste Asiático) somados à Austrália, China, Japão, Nova Zelândia e Coreia do Sul.

Por fim, estão as tensões políticas. Uma dimensão disso se vê no declínio da credibilidade da democracia liberal, na ascensão do autoritarismo demagógico em muitos países e no poder cada vez maior do despotismo burocrático da China. Outra se dá na ascensão do populismo em países ocidentais centrais, em especial nos EUA. Embora a vitória de Biden represente uma derrota para o populismo, a grande porcentagem de votos de Trump mostra que não desapareceu.

Talvez, o desenvolvimento geopolítico mais importante tenha sido a crescente tensão entre EUA e China. Isso está forçando os países a escolher um lado. Repito, a covid-19 acelerou esse afastamento. Trump culpou a China pela pandemia. Mesmo com ele fora de cena, muitos nos EUA compartilham desse ponto de vista.

Então, em vista de tudo isso, como o mundo poderia estar em 2025? Com sorte, as economias terão em grande medida se recuperado da pandemia. A maioria, porém, estará mais pobre do que teria estado sem ela.

No entanto, o maior desafio talvez exija uma cooperação mundial que não existirá. Sustentar uma economia dinâmica mundial, preservar a paz e administrar os recursos comuns supranacionais sempre será difícil. Mas uma era de populismo e conflito das grandes potências tornará isso muito mais difícil.

Estamos em uma era de instabilidade. A pandemia não a criou, mas a deixou ainda em mais evidência. A derrota de Donald Trump dá ao mundo tempo para recuperar o fôlego. Mas os desafios são enormes. Em 2025, muitos deles ainda estarão presentes e, com toda probabilidade, ainda maiores. (Tradução de Sabino Ahumada).

*Martin Wolf é editor e principal analista de economia do Financial Times

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